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ESCOLARIZAÇÃO: UM PROCESSO DE TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTOS E DE

A escola, como conhecemos hoje, surgiu com o advento da modernidade, sendo destinada ao cuidado e educação das crianças e jovens. À medida que o tempo e a competência das famílias foram tornando-se escassos, coube a escola a função de educar a juventude, substituindo gradualmente o papel familiar (Camargo, 2003).

O sistema educacional brasileiro iniciou-se no período colonial com um monopólio quase completo da igreja. Progressivamente passou a ser organizado pelo Estado Imperial e posteriormente pela República, tinha com isso a intenção de acompanhar o crescimento econômico e a modernização do país (Akkari, 2001).

Atualmente, o modelo escolar no Brasil expressa uma concepção ampliada de educação, inscrita na Lei de Diretrizes e Bases do Ensino (LDB), elaborada pelo Ministério da Educação em 1996 (Título I Artigo 1º):

“A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (Brasil, 1999a).

À família também cabe o dever de educar, além da obrigação de matricular os menores a partir dos sete anos de idade, e ao Estado, cabe a garantia do ensino gratuito (LDB, Título II Art. 2º):

“A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o

exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Brasil, 1999a).

Desse modo, além da dimensão relativa à aquisição de conhecimentos científicos nas diversas áreas disciplinares, a escola é um importante local de socialização e de transmissão de normas e valores sociais. No Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais, que visam garantir a todas as crianças e jovens brasileiros o direito de usufruir o conjunto de conhecimentos necessários para o exercício da cidadania, estabelecem temas transversais que devem ser trabalhados em sala de aula. Dentre estes temas, inclui-se a “Orientação Sexual” que tem como objetivo:

“(...) transmitir informações e problematizar questões relacionadas à sexualidade, incluindo posturas, crenças, tabus e valores a ela associados, sem invadir a intimidade nem direcionar o comportamento dos alunos” (Brasil, 1999b).

Assim, a escola amplia a transmissão de conhecimentos, incluindo informações sobre DST/AIDS, concepção e contracepção, tornando-se um locus privilegiado de socialização para a sexualidade e reprodução. Essa concepção da escola como espaço de socialização é bem ilustrado em um estudo sobre a sociabilidade juvenil, em que se ressalta como na juventude os laços com a família tendem a tornarem-se difusos, surgindo ou fortalecendo outras instituições socializadoras, dentre as quais, estaria a escola “encarregada de transmitir os valores sociais mais amplos e de preparar para a divisão social do trabalho” (Sposito, 1994:164).

Sabe-se, porém, que essa socialização, ou mesmo a transmissão de conhecimentos, não acontece de forma igualitária, muitas vezes reforçando as diferenças sociais, de classe e de gênero. De acordo com Nogueira & Nogueira (2002), até meados do século XX, acreditava-se que a escolarização exerceria um papel central no processo de superação do atraso econômico e de construção de uma nova sociedade,

de acesso à educação e garantiria a igualdade de oportunidade para todos, e seria uma instituição neutra, difusora de um conhecimento racional e objetivo.

Entretanto, no sistema educativo no Brasil observou-se ao longo do século XX a privatização do ensino e uma relativa omissão ou falta de capacidade do Estado de promover a escolarização em massa. Diante de uma rede de ensino pública com fragilidades/deficiências qualitativas e quantitativas, o ensino privado passou a ser a principal opção das elites da sociedade, principalmente no que se refere à educação básica. A Constituição Brasileira de 1988, através do Capítulo III, Seção I, estabeleceu a convivência das redes − pública e privada − de ensino desde que a rede privada cumpra as normas gerais da educação nacional, e seja autorizada e tendo avaliada sua qualidade pelo poder público (Brasil, 1988).

A escola também desempenha o papel de seleção e estratificação dos indivíduos de acordo com o seu sucesso no sistema por ela estabelecido, sendo encontrado no ensino formal de todas as sociedades modernas (Silva & Hasenbalg 2002; Soares, 2006). Silva & Hasenbalg (2002:68) definem a estratificação escolar como:

“a relação entre as características de origem sócio-econômicos dos alunos na entrada do sistema escolar e as características individuais observadas na sua saída, bem como os mecanismos através dos quais essa relação é estabelecida”.

Os argumentos em relação à família estão em torno da “bagagem” herdada socialmente que caracteriza o indivíduo da qual fazem parte: o capital econômico – bens e serviços que dão o acesso ao capital social – “vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns, mas também são unidos por ligações permanentes e úteis” (Bourdieu, 2004a:67) e o capital cultural – gostos em matéria de arte, culinária, decoração, vestuário, esportes etc., domínio maior sobre a língua culta, informações sobre o mundo escolar - que, do ponto de vista de Bourdieu (2004b) teria o maior impacto na definição do destino escolar.

François De Singly (2007) considera como função familiar a reprodução biológica e social da sociedade, procurando manter através das gerações a posição da família no espaço social e se possível, melhorá-la. Essa função foi observada na família antiga e permanece na moderna, porém com diferentes meios para alcançá-la. Atualmente, investe-se em capital escolar dos filhos, e observa-se uma diminuição da descendência como “vontade explícita do êxito escolar”, ou seja, o êxito depende do número de filhos, exceto para famílias detentoras de grande capital cultural e econômico.

Na história da educação brasileira destacam-se três momentos de reprodução das desigualdades sociais: o primeiro de 1934-64, quando a escola era dispensável, uma vez que se podia herdar o capital industrial ou agrícola (como por exemplo, na região Sudeste, o controle das produções de café e leite) sem recorrer a diplomas. Um marco dessa época foi a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação em dezembro de 1961. O segundo período corresponde à época da ditadura militar (1964 - 1985), quando o debate educativo foi reduzido a um agenciamento tecnicista, no qual eram transmitidos conhecimentos neutros, social e politicamente. O terceiro momento (após 1985) é marcado pelo retorno ao debate democrático sobre a educação, período em que as elites dominantes procuram garantir para si o domínio do capital escolar através da privatização e descentralização do ensino (Akkari, 2001).

Os reflexos dessas desigualdades aparecem nas taxas de evasão escolar3 e no grande número de repetência e/ou abandono/retorno que resulta em defasagem idade/série, configurando-se o “fracasso escolar”. Este fenômeno, até bem pouco tempo era atribuído a fatores familiares e ao sistema sócio-político, mas raramente ao que estava acontecendo no interior das instituições (Madeira & Rodrigues, 1998).

Um aspecto a ser destacado diz respeito ao fato de que, em uma sociedade profundamente desigual como a brasileira, o sistema escolar ao tratar os alunos de forma igual em direitos e deveres, privilegia quem, por sua vez, já é privilegiado por sua bagagem social (Bourdieu, 2004a). Estaria então a escola reproduzindo as desigualdades culturais e econômicas, o que é reforçado pelas dificuldades que os professores têm em lidar com a heterogeneidade dos alunos.

3.4 EDUCAÇÃO, SEXUALIDADE E REPRODUÇÃO: UMA QUESTÃO DE GÊNERO

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