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Escolas Sociológicas (Escola do Direito Livre, Escola da Livre Investigação

Para classificar as escolas que apresentaremos a seguir, como sendo escolas sociológicas, utilizaremos como referência os ensinamentos de Norberto Bobbio (2003), que justifica tal classificação no fato de tais escolas buscarem captar o momento constitutivo da experiência jurídica na realidade social, atribuindo uma maior relevância à eficácia em relação à justiça ou à validade jurídica (BOBBIO, 2003, p. 62). Leciona também, o autor italiano, que essas escolas: “travam uma batalha em duas frentes: contra o jusnaturalismo, que teria uma concepção ideal do direito, e contra o positivismo em sentido estrito, que tem uma concepção formal do direito” (BOBBIO, 2003, p. 62). Assim, registraremos adiante as contribuições das escolas sociológicas14.

Os ideais iluministas, baseados na razão humana, puseram o homem no centro do mundo e buscaram romper com as fundamentações da metafísica, as quais se apegavam os cientistas, os estadistas, os juristas etc. O indivíduo passa a ser o centro do universo e, por conseqüência, do Direito. Nessa época, afirma-se o Positivismo Científico, corrente de pensamento que tem em Augusto Comte o seu principal expoente que creditava às ciências humanas o mesmo método e a mesma idéia de pureza, exatidão, objetividade e neutralidade atribuída às ciências naturais.

Assim como as outras ciências humanas, o Direito buscou a sua cientificidade. Em nome da segurança jurídica, atribuiu-se supremacia à lei e aos códigos, caracterizados pela verdade absoluta, inquestionável. Dessa maneira, surgiu o fenômeno da codificação do Direito.

Surge a Escola da Exegese para a qual o Direito era sinônimo de lei e o método de

14Ressaltamos que a apresentação das escolas sociológicas no presente trabalho se dará de forma resumida, pois,

as principais referências teóricas do movimento de Assessoria Jurídica Popular se encontram na Teoria Crítica do Direito, no Direito Alternativo e no Pós-Positivismo.

interpretação fundamental era o gramatical ou literal15. Segundo Magalhães Filho (2002b),

são características da Escola: a plenitude da lei, a interpretação literal, apego à vontade do legislador e o Estado como única fonte do Direito. A Escola da Exegese entra em declínio no final do século XIX, dando espaço ao Historicismo Jurídico, que procura estabelecer uma visão mais social do Direito, mais concreta e eficaz para exprimir as aspirações do povo.

O primeiro momento das Escolas Sociológicas é representado pela Escola Histórica do Direito, de Savigny. Para essa Escola, o Direito é um fenômeno histórico e social que nasce espontaneamente da sociedade, cujo fundamento é o Volksgeist, o espírito do povo. Em razão disso, existem tantos direitos quantos diversos são os povos, com as características das suas várias fases históricas. Por isso, essa Escola aproxima-se da concepção sociológica do Direito, na medida em que considera importante o seu surgimento “espontâneo” nas tradições populares. Ao invés de indagar o que deveria ser o Direito, essa corrente dedicou-se a estudar a sua formação na sociedade e na condição de produto histórico, relacionou-o à idéia de nacionalidade e às particularidades de cada povo. Assim, a Escola Histórica realiza uma leitura do caráter social dos fenômenos jurídicos. Na esteira desse raciocínio, leciona Bobbio (2003, p. 64):

A mudança de perspectiva no estudo do direito se manifesta, sobretudo na consideração do direito consuetudinário como fonte primária do direito, isto porque ele surge imediatamente da sociedade e é a expressão genuína do sentimento jurídico popular em confronto com o direito imposto pela vontade do grupo dominante (a lei) e aqueles elaborados pelos técnicos (o chamado direito científico).

O avanço do Historicismo Jurídico é um grande passo para o início da Escola do Direito Livre, um acontecimento hermenêutico, sobretudo, alemão, que teve como um dos principais expoentes, Eugen Ehrlich, considerado o pai da Sociologia Jurídica.

A Escola do Direito Livre defende uma interpretação sociológica da lei, de modo que a mesma corresponda ao Direito vivo, em efervescência na sociedade, que represente os anseios sociais. Para Ehrlich, a lei está sempre aquém do Direito vivo, por isso, propõe que o juiz aplique a norma que melhor atenda às exigências sociais. Ehrlich afirmava que, tanto na atualidade, como em todas as épocas, o centro de gravidade do desenvolvimento do Direito não se encontra na legislação, nem na Ciência Jurídica, nem na jurisprudência, mas na própria

15Na proposta de divisão de poderes, de Montesquieu, ao Poder Judiciário cabia apenas aplicar a lei, e não

interpretá-la. Tratava-se do método da exegese, de interpretação literal da lei, de simples subsunção dos fatos à norma, o Poder Judiciário possuía, portanto, um papel “menor” em relação ao Poder Legislativo a quem competia a elaboração das normas. Dessa forma, o Direito se resumia às leis, verdadeiros dogmas, e se apresentava como uma ciência pura, neutra e objetiva. Lembremos da célebre frase de Montesquieu (1926, p.

177), em sua obra prima O Espírito das Leis, em que define os juízes como apenas: “a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que não podem moderar sua força nem seu rigor”.

sociedade. A conclusão à qual chega Ehrlich, lembra Falcão (2000, p. 164): “é no sentido de que existe indubitável distância entre a realidade social e a lei, esta que se apraz em formular regras gerais e abstratas desvinculadas da vida. A vida é incontestavelmente mais rica do que as leis podem prever”.

Hermann Kantorowicz, outro expoente desta Escola, apresenta em 1906 o manifesto por um Movimento do Direito Livre, defendendo a idéia de que o Direito nascido espontaneamente dos grupos e movimentos sociais sobrepõe-se ao Direito estatal em uma atividade criadora do Jurídico. Para esse pensador, a lei não é a única fonte do Direito Positivo, há normas mais importantes e de maior alcance, nascidas da espontaneidade da vida social, que terminam por fazer jus ao acatamento por parte do Estado (FALCÃO, 2000, p. 163). Na realidade, Kantorowicz lidera uma corrente da Escola do Direito Livre, que corresponde a 2ª fase desta Escola, conhecida como a Escola do Direito Justo. Segundo Kantorowicz, pondera Magalhães Filho (2002b, p. 69) que:

O juiz deveria aplicar a lei se ela fosse justa. Se a lei fosse, em seu sentido mais evidente, injusta, o aplicador procuraria uma interpretação que pudesse conciliá-la com o socialmente justo. Se isso não fosse possível, o juiz afastaria a lei e construiria para o caso uma norma entendida como justa, segundo critérios da consciência e da ciência.

Paralelamente, surge também a Escola da Livre Investigação Científica do Direito, de François Gény, que entende que a norma tem vontade própria, independente da vontade do legislador, e que essa vontade coincide com os motivos sociais da norma. Esta Escola questionou a plenitude da lei defendida pelos exegetas, demonstrando as lacunas existentes no ordenamento jurídico. O grande esforço dessa teoria se centrou, exatamente, em criar um método de solução para essas lacunas. Para tanto, buscar-se-ia a solução nos costumes e na jurisprudência, sempre tendo como balizamentos os interesses sociais. Para Gény, todo juiz deve ser sociólogo para pesquisar, através do método sociológico, nas Ciências Sociais, a melhor solução para o caso concreto. Falcão (2000, p. 161) leciona que, para Gény:

A solução contida na lei não é plena, não chega sequer a ser abrangente; por isso, não resolve todos os casos, sendo necessário recorrer a fontes suplementares: o costume, a autoridade e a tradição. Para tanto, o molde será indicado pela jurisprudência e pela doutrina, e operado em uma livre e científica investigação.

Ainda sobre Gény e a Escola da Livre Investigação do Direito, pondera Falcão (2000, p. 162):

Gény não ousou ir contra a lei. Ainda que injusta ou superada pelos fatos, ou mesmo quando, por qualquer outro motivo, de inconveniente aplicação, a lei há de ser o ponto de orientação do qual é possível algum afastamento, mas que não se deve

perder de vista, ou desconhecer, pois aí seria transviar-se, inclusive correndo o risco de com ela se chocar. Já era, contudo, um importante avanço, se comparado à visão caolha e mecânica apresentada pelos literalistas.

Finalmente, discorreremos sobre o Realismo Jurídico e a Jurisprudência dos Interesses.

O Realismo Jurídico, de Oliver Holmes16e Roscoe Pound, nos Estados Unidos da

América - EUA, e Olivercrona, na Escandinávia, defende que a fonte do Direito é a sentença sendo a lei apenas uma profecia, uma tentativa do legislador de acertar o que vai se tornar Direito. Segundo essa Escola, o juiz julga de acordo com os anseios sociais e depois vai buscar um precedente normativo para fundamentar sua decisão, apenas para que a sociedade tenha uma idéia de estabilidade. Holmes defende que para a interpretação jurídica ser justa deve se fundamentar no bom senso (FALCÃO, 2000, p. 166). Sabadell (2002, p. 39) registra que, para Pound, não interessa o Direito dos livros, mas o Direito em ação, lembrando ainda que “os pensadores do Realismo Jurídico se interessam pela dimensão humana do fenômeno jurídico, considerando o Direito um fato social e não um conjunto de normas abstratas”.

A Jurisprudência dos Interesses, de Philipp Heck, nos EUA, também concede um amplo poder ao juiz, afirmando que, da letra da lei, nem sempre resulta uma resposta unívoca (SABADELL, 2002, p. 38). O juiz deve ponderar os interesses em jogo para encontrar uma proporção, tendo o papel de ampliar os critérios axiológicos em que a lei se inspirou, frente aos interesses em questão, de sorte a não se contentar apenas em fazer com que fatos se subsumam a mandatos jurídicos (FALCÃO, 2000, p. 166). Trata-se também de uma Escola Sociológica, visto que se preocupa com as condições de aplicação do Direito na realidade social.

Essas são, em resumo, as Escolas Sociológicas, que criticaram a primazia da lei, chamando a atenção para o fato de que o Direito é, antes de tudo, um fenômeno social. Elas não vêem o Direito como deve ser, mas como efetivamente é, ou seja, como normas aplicadas em uma determinada sociedade, na qual o Direito se forma e se transforma.

Por essas críticas ao normativismo jurídico e por essa visão mais sociológica do Direito, podemos dizer que, de certo modo, as Escolas Sociológicas influenciaram o movimento de Assessoria Jurídica Popular, embora os principais referenciais teóricos sejam a Teoria Crítica do Direito, o Movimento do Direito Alternativo e, atualmente, também, o Pós-

16Juiz da Suprema Corte Americana, Holmes, no exercício das suas funções, repudiou o tradicionalismo jurídico

das cortes, ao introduzir uma interpretação evolutiva do Direito, mais sensível às mudanças da consciência social (BOBBIO, 2003, p. 65).

positivismo, sobre os quais trataremos adiante.