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4 LITERATURA NO ENSINO MÉDIO

4.5 Escolha de uma obra: sugestões jamais imposições

É comum os alunos rejeitarem as leituras impostas pelos professores. Seja porque consideram os textos difíceis ou porque acham que estão distantes de sua realidade. No entanto uma grande parte dos alunos são leitores das obras consideradas literatura de massa. Zilberman (2008) afirma que por muito tempo a escola priorizou os textos canônicos por considerá-los consagrados.

Atualmente não mais compete ao ensino da literatura a transmissão de um patrimônio já constituído e consagrado, mas a responsabilidade pela formação do leitor. Por sua vez, a execução dessa tarefa depende de se conceber a leitura não como o resultado satisfatório do processo de letramento e decodificação de matéria escrita, mas como atividade propiciadora de uma experiência única com o texto literário. A literatura se associa então à leitura, do que advém a validade dessa. (ZILBERMAN, 2008, p. 16-17).

A literatura tem que priorizar a formação do leitor. Um passo que necessita ser tomado é respeitar as preferências dos alunos e suas leituras extraclasse. Como explicitam Sanfelici e Silva (2015, p. 192), “a leitura literária realizada pelos adolescentes no contexto escolar costuma ser ditada por questões de tradição [...]

na escola, encontram leituras não necessariamente da ordem de seu interesse pessoal e, muitas vezes até mesmo textos razoavelmente distantes de seu mundo particular [...].”

Realidade esta que a pesquisadora observou nos seus alunos, quando liam, preferiam obras que não fazem parte do currículo da escola. No entanto, não pode desvalorizar as escolhas dos alunos, pois se estão lendo já é um bom começo para iniciá-los no processo de letramento literário.

Segundo Abreu (2006) a desvalorização das escolhas da maioria dos leitores se dá porque os livros que eles leem são considerados fáceis. Cita uma pesquisa

realizada pela Folha de São Paulo 1999 para eleger os melhores romances nacionais e estrangeiros, cujo o critério de qualidade foi a dificuldade de leitura. “ Por isso, os que podem dizer que leram todas aquelas obras sentem-se pessoas de melhor estirpe, já que esses livros, e especialmente os estrangeiros, são reconhecidamente e de difícil leitura.” (ABREU, 2006, p.13).

O mesmo ocorreu quando o mesmo jornal, segundo a autora, fez outra pesquisa para saber quais eram os melhores romances brasileiros. Para a autora a lista deixa o leitor envergonhado por não conhecer ou ter lidos os livros eleitos nas duas pesquisas. Entretanto para a autora:

Apresentar estas listas não tem por objetivo demonstrar sua ignorância ou fazer que você se sinta mal e comece a ler compulsivamente. Ao contrário, o objetivo é mostrar como não há consenso quando se trata de gosto e, especialmente, de gosto literário. Aqueles que elegeram Monteiro Lobato, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Cecília Meireles e Rachel de Queiroz devem ter ficado frustrados com o resultado da seleção feita pela Folha de S.Paulo, assim como os que acreditam que Mário de Andrade, Lima Barreto e Oswald de Andrade escreveram alguns dos melhores romances do século podem ter pensado que há algo de errado na lista de IstoÉ. Ou seja, alterando o júri, modifica-se também a lista de vencedores. Isto é decisivo e deixa claro que o ranking apresentado como “os melhores”, na verdade, indica os melhores para algumas pessoas. (ABREU, 2006, p.15-16).

Então cabe ressaltar que o critério do gosto da maioria dos leitores não é considerado, define-se a partir de um grupo restrito de leitores quais são os melhores romances. Entretanto, para a autora esse critério de valor pode alterar se o perfil do grupo pesquisado mudar. Um bom exemplo são os best-sellers, que apesar dos intelectuais rejeitarem são os livros mais vendidos. Se há tanta vendagem é porque as pessoas que gostam de ler consideram que “são produções literárias de alto valor, ou porque divertem e se emocionam ao lê-los.” (ABREU, 2006, p. 18). A autora afirma que professores e intelectuais, muitas vezes, leem literatura erudita, para mostrar-se intelectuais, negando a literatura que denominam de subcultura sem ao menos tê-la lido, como categorizam Paulo Coelho, por exemplo.

A escola ensina a ler e a gostar de literatura. Alguns aprendem e tornam-se leitores literários. Entretanto, o que quase todos aprendem é o que devem dizer sobre determinados livros e autores, independentemente de seu verdadeiro gosto pessoal. (ABREU, 2006, p. 19).

Assim, a escola precisa respeitar o gosto do leitor, se forma leitores que leem para parecerem cultos, sem realmente apreciar estes textos por seu valor estético,

está formando leitores preconceituosos, que desrespeitam que os lê por gosto. Para a autora a escola deve ensinar a gostar de ler para que assim possa-se escolher o que lê. Se ser leitor é ter autonomia, então deve-se formar leitores que leiam por prazer e não censurem o gosto dos outros ou tenham vergonha de expressar suas leituras. A escola não pode imaginar um leitor que só apreciará literatura erudita, pois há muitos leitores que leem todo tipo de livro. O que importa é que o leitor saiba apreciar literatura e tenha autonomia para escolher as obras que lhe dão prazer.

Cosson (2014b) afirma que há quatro modos de ler um texto, a leitura texto-autor, texto-leitor, texto- contexto e texto-intertexto. A leitura texto-autor seria a leitura para perceber as peculiaridades de um autor e sua escrita literária; texto- leitor seria a leitura de entretenimento. “Esse é o modo de ler, por excelência, daquele que busca ser emocionalmente tocado pelo que lê.” (COSSON, 2014b, p.

76). Cita como exemplo a leitura dos best-sellers e dos livros de bolso. Segundo o autor há por parte do leitor um desvelamento do mundo configurado pelo leitor na obra. Portanto, é um encontro entre leitor e obra. Apesar destes tipos de textos serem considerados superficiais, pode ser feito um aprofundamento no texto, que mostrará que vai muito além da superfície da palavra. Isso pode ser feito na sala de aula com as leituras dos alunos. Se for aberto espaço para compartilharem as obras, pode ser muito produtivo, pois com o auxilio do professor podem identificar pontos que não observaram quando leram. Tais como contexto, intertextualidade, os recursos da linguagem que os conduzirão em suas próximas leituras e perceberão as singularidades da obra literária e estilo do autor.

Na leitura texto-contexto é feita a exploração dos paratextos e os elementos que compõem uma obra e como interferem na interpretação de um texto. Pois podem atrair ou afastar o leitor da obra. A última e quarta maneira de ler seria a leitura texto-intertexto o leitor explora o trabalho com a linguagem e a construção de sentidos. Para o autor é necessária a exploração minuciosa do texto e uma intimidade com a linguagem para essa leitura.

Como já fora citado neste trabalho, a proposta do letramento literário pressupõe respeitar o leitor. Para inseri-lo num processo de letramento literário no ensino médio o professor não pode negar as preferências dos jovens, mas trabalhar de forma harmoniosa com os cânones e os clássicos.

Proposta essa que a pesquisadora buscou fazer quando deixou os alunos escolherem os livros que seriam trabalhados. No primeiro momento escolheram uma

coletânea que faz parte da cultura de massa, mas depois conversaram e escolheram as obras canônicas disponíveis na biblioteca escolar e que fazem parte da lista de sugestões de obras propostas pelo Ministério da Educação aos alunos do ensino médio. Em nenhum momento impôs a leitura das obras que foram trabalhadas. Por isso é tão importante a motivação proposta por Cosson (2012, p. 77) “a motivação consiste em uma atividade de preparação, de introdução dos alunos no universo do livro a ser lido.”

Outro ponto importante é uma biblioteca que atenda aos interesses dos alunos e que não pode ficar restrita a obras apenas de interesse da escola. O professor como promotor de leitura periodicamente solicita à escola a atualização do acervo da biblioteca para atender também as preferências dos alunos. Para Mafra (2013, p. 39), “o docente renovado necessita reconsiderar teoricamente a conceituação de Literatura, despindo-se de preconceitos oriundos da ‘tradição’.”

Assim, para a autora o professor terá mais condições de formar leitores. Pois se considerar as experiências de leitura que os alunos trazem é possível um trabalho de mediação crítica e dialógica.