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4. METODOLOGIA

4.2. A escolha dos caminhos

“Cada história que se escolhe contar funciona como uma espécie de censura, impede que se contem outros contos...” (Salman Rushdie)

Inicialmente, pensei em desenvolver o estudo no colégio particular em que leciono, o que facilitaria a investigação. Porém, após algumas reflexões entendi que o estudo se tornaria uma espécie de “experimento de laboratório”, tendo em vista o fato das aulas deste colégio não serem mistas, diferente das situações reais das escolas públicas. Assim, acabei optando por uma escola da rede pública estadual do segundo segmento do Ensino Fundamental, sendo que a incongruência entre a legislação - que estabelece turmas de Educação

Física iguais às demais disciplinas (portanto mistas) - e a prática da maioria

dos professores destas escolas - que separam meninos de meninas – traz ainda maior significância para as situações que traremos à tona.

Para escolha da escola admiti que bastaria que a mesma fosse da Rede Pública Estadual e oferecesse aulas de 8.ª série do ensino fundamental, trabalhando com turmas mistas de Educação Física. Como a escola na qual estudei do pré a 8.ª série, localizada próxima à minha residência, cumpria com estas condições, optei por desenvolver o estudo lá mesmo, caso o projeto fosse aceito pela coordenação/direção escolar. Fato que se concretizou.

A escola pesquisada funciona em três períodos, sendo que nos períodos matutino e vespertino oferece aulas do ensino fundamental, de 5.ª à 8.ª série. O Plano de Trabalho do ano de 2001 da unidade escolar descreve que ela pertence a um bairro residencial de Rio Claro, recebendo alunos deste bairro, de outros mais próximos e alguns mais afastados e inclusive da zona rural. Existe uma diferenciação entre os alunos do período da manhã e os da tarde:

Ø Alunos do período da manhã: são na sua maioria (80%) provenientes dos bairros mais próximos e recebem a atenção e o incentivo dos pais nos seus estudos, resultando em um aproveitamento satisfatório

e em uma maior adequação dos alunos à faixa etária correspondente à série que estão cursando;

Ø Alunos do período da tarde: em sua maioria (75%) provém de bairros mais distantes e da zona rural, sendo trazidos por transporte coletivo municipal, muitos deles trabalham para complementar a renda familiar, aumentando o índice de evasão e retenção por faltas. Os pais, na maioria das vezes, não completaram seus estudos, encontrando dificuldades para acompanhar e orientar os estudos dos filhos, o que acaba resultando em um aproveitamento regular, porém, devido à falta de opções de lazer e cultura, estes alunos aproveitam ao máximo todas as atividades oferecidas pela escola.

O estudo foi desenvolvido com a 8.ª série D do período vespertino. A escolha recaiu sobre uma turma de 8.ª série, pois na idade em que estes alunos se encontram – entre 13 e 16 anos – acredita-se que a sexualidade se manifeste de maneira exacerbada, o que para muitos pode servir como álibi para se evitar a co-educação, e, pelo fato dos alunos de 8.ª série já freqüentarem aulas de Educação Física em turmas co-educativas desde a 5.ª série, possibilitando uma bagagem de três anos para avaliar e criticar tal processo. No início do ano de 2002, a turma escolhida era formada por 37 alunos, sendo 15 meninos e 22 meninas. Porém, durante o período de implementação do programa ocorreu a saída – por desistência ou transferência - de dois meninos e uma menina.

O programa de futebol teve início em 19 de fevereiro de 2002, sendo realizadas semanalmente duas aulas (às terças e quartas-feiras) com a duração de 60 minutos cada, totalizando 27 encontros até 21 de maio de 2002, dos quais em 20 eu ministrei aulas, em duas, as aulas foram suspensas para atividades extras, em outras duas, apenas observei às aulas sem intervir, uma serviu para a realização de uma partida amistosa de futebol feminino contra o colégio particular em que leciono, em uma foram realizados os jogos interclasses e no último encontro foi realizada uma entrevista em grupo com nove alunos.

Inicialmente eu havia preparado um programa de 24 temas para aulas, dos quais já haviam doze aulas planejadas antecipadamente para nortear o desenvolvimento do projeto. Porém, após algumas aulas optei por abandonar o planejamento e preparar as aulas conforme o andamento das mesmas, pois, percebi que os alunos não aceitariam bem a proposta, criando-se assim um entrave para minha aproximação e análise do contexto.

Considerei que não seria viável sustentar o planejamento, a partir do momento em que detectei nos alunos uma postura de resistência que poderia resultar em antipatia, criando-se assim um ambiente desfavorável para que se estabelecesse relação de confiança entre professor/pesquisador e alunos/participantes.

A duração do programa – três meses –, levou em consideração o fato de cada uma das modalidades esportivas tradicionalmente implementadas nas aulas de Educação Física – futebol, basquetebol, voleibol e handebol –

ocuparem, normalmente, o período de um bimestre do ano letivo, e, a necessidade de se estabelecer com os alunos e alunas relações que propiciassem o conhecimento da realidade pesquisada. Ao final deste período pude notar que as situações passaram a se tornar repetitivas.

O espaço físico disponível para as aulas de Educação Física na escola inclui uma quadra poli-esportiva descoberta, uma pequena área cimentada atrás da quadra, onde se adaptou uma rede de voleibol e uma grande caixa de areia com encaixe para colocação dos postes da rede de voleibol. Esta área, apesar de situar-se no mesmo prédio/quadra da escola, encontra-se separada da mesma por uma grade e um portão que permanece trancado com cadeado fora dos horários das aulas de Educação Física. Assim, espera-se que durante as aulas de Educação Física os alunos restrinjam-se a este espaço, o que nem sempre ocorre, como veremos mais adiante.

Figura 5 - Quadras da escola pesquisada: em primeiro plano a mini-quadra de voleibol, em segundo plano a quadra poli-esportiva e ao fundo o prédio da escola e o portão que o separa das quadras.

Na investigação, foi utilizado um diário de campo para a análise descritiva de comportamentos e atitudes a partir da observação das relações interpessoais entre alunos e alunas no ambiente escolar, em especial durante as aulas de Educação Física. Porém, devido à minha condição de professor- pesquisador, não foi possível a utilização do diário durante as aulas. Adotei então, a prática de, logo após o término das aulas, escrever no diário tudo aquilo que observei de mais importante. Foram realizadas, também, entrevistas abertas em grupos mistos, para contemplar as opiniões de meninos e meninas com relação às aulas mistas e a outras questões relativas ao relacionamento generalizado. As entrevistas, bem como algumas aulas, foram filmadas para facilitar a análise.