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Como esta pesquisa pretendeu analisar a percepção dos pediatras frente ao abuso sexual infantil, está inserida no conceito de pesquisas sociais em saúde, correspondendo ao momento que vivemos hoje, segundo Santos (2003), de transição no paradigma científico, que deixa aos poucos o modelo da racionalização, no qual se apoia a ciência moderna, oriundo das ciências naturais, para se apoiar em um modelo humanístico, amparado nas ciências sociais. ―[...] reivindicar para as ciências sociais um estatuto epistemológico e metodológico próprio, com base na especificidade do ser humano e sua distinção polar em relação à natureza.‖

Entendendo que, por se tratar de comportamento humano, ao contrário dos fenômenos naturais, não pode, segundo o autor, ser descrito nem explicado com

base em suas características exteriores e objetáveis, pois um ato externo pode corresponder a sentidos de ações diferentes. Assim, decidimos utilizar a abordagem qualitativa, sua metodologia e seu conjunto de técnicas como guia de nosso estudo.

A ciência social será sempre uma ciência que agrega o subjetivo, compreendendo os fenômenos sociais a partir das atitudes mentais e do sentido que os agentes conferem às suas ações. Para isso, é necessário utilizar métodos de investigação e mesmo critérios epistemológicos diferentes das correntes das ciências naturais, como os qualitativos, com vistas à obtenção de um conhecimento intersubjetivo, descritivo e compreensivo (Santos, 2003).

E, de acordo com Minayo (2004), essa abordagem permitiu a construção da realidade não quantificável, trabalhando com o universo de crenças, dos valores, dos significados e de outros construtos profundos das relações, deixando a realidade falar a seu modo para ser escutada; escuta essa, psicanalítica, devido a minha trajetória teórica na psicanálise.

A investigação tratou com o real humano, obtendo dados descritivos sobre pessoas e processos interativos por meio do contato direto com a situação estudada, procurando compreender o fenômeno da subnotificação, segundo a perspectiva dos pediatras e a ótica da psicanálise. De acordo com a definição de Becker (1999) ―[...] trata-se de um estudo que busca compreender as relações sociais, suas motivações, representações e valores‖.

Do/as doze pediatras identificado/as como possíveis sujeitos da pesquisa, apenas duas não realizaram a entrevista – uma por não querer participar, e a outra por não comparecer no dia agendado para tal. Todas as entrevistas foram realizadas no local de trabalho, geralmente após os atendimentos, na sala de consulta, com a porta fechada, não sendo permitida interferência externa.

Dentre as várias abordagens qualitativas, optou-se pelo estudo de caso, que se caracteriza por enfatizar a interpretação em contexto, o que significa que, para uma apreensão mais completa do objeto, é preciso levar em conta a sua inserção social e as interações em que ele se situa.

O estudo de caso caracteriza-se por descrever um evento ou caso de uma forma longitudinal. O caso consiste geralmente no estudo aprofundado de uma unidade individual, tal como: uma pessoa, um grupo de pessoas, uma instituição, um evento cultural, etc. Quanto ao tipo de estudos de caso, estes podem ser

exploratórios, descritivos, ou explanatórios (Yin, 1993). Inicialmente esta metodologia nasceu da necessidade de transmitir na íntegra a complexidade de situações reais com as quais nos confrontamos todos os dias.

Bell (1989) define o estudo de caso como um termo guarda-chuva para uma família de métodos de pesquisa cuja principal preocupação é a interação entre fatores e eventos. Fidel (1992) refere que o método de estudo de caso é um método específico de pesquisa de campo. Estudos de campo são investigações de fenomenos à medida que ocorrem, sem qualquer interferência significativa do investigador.

Da mesma forma, Ponte (2006) considera que:

É uma investigação que se assume como particularística, isto é, que se debruça deliberadamente sobre uma situação específica que se supõe ser única ou especial, pelo menos em certos aspectos, procurando descobrir a que há nela de mais essencial e característico e, desse modo, contribuir para a compreensão global de um certo fenomeno de interesse.

O termo ‗estudo de caso‘ vem de uma tradição de pesquisa médica e psicológica e se refere a uma análise detalhada de um caso individual que explica a dinâmica e a patologia de uma doença dada; o método supõe que se pode adquirir conhecimento do fenômeno adequadamente a partir da exploração intensa de um único caso. Adaptado da tradição médica, o estudo de caso tornou-se uma das principais modalidades de análise das Ciências Sociais (Becker, 1999).

Para apreender como o abuso sexual contra a criança é percebido e compreendido pelos pediatras da rede básica de saúde, optamos pela modalidade Estudo de Caso Detalhado/Situacional.

Para Van Velsen (1987), o método de estudo de caso detalhado, que ele prefere chamar de análise situacional, se refere à coleta efetuada de um tipo especial de informações detalhadas, mas também implica o modo específico em que essa informação é usada na análise, sobretudo a tentativa de incorporar o conflito como sendo normal do processo social. A análise situacional dá maior importância à integração do material de caso a fim de facilitar a descrição dos processos sociais e também dá maior ênfase no processo e, portanto, pode ser particularmente apropriada para o estudo de sociedades instáveis e não homogêneas. É baseado na suposição de que as normas da sociedade não constituem um todo coerente e

consistente; são, ao contrário, frequentemente vagas e discrepantes. É exatamente esse fato que permite a sua manipulação por parte dos membros da sociedade, no sentido de favorecer seus próprios objetivos, sem necessariamente prejudicar sua estrutura aparentemente duradoura de relações sociais. Por isso, a análise situacional enfatiza o estudo das normas em conflito.

Para o autor, durante a coleta e apresentação de dados sobre o comportamento real dos indivíduos, deve-se fazer referência sempre às normas que dirigem, ou que são consideradas como dirigindo, esse comportamento. Assim, estaremos em condições de avaliar se o desvio de certas normas é geral ou excepcional, por que tal desvio ocorre, e como sua ocorrência é justificada. O pesquisador deve procurar saber, em cada ocasião, as opiniões e interpretaçõe dos atores e também as de outras pessoas, não com a finalidade de saber qual é a visão certa da situação, mas para descobrir alguma correlação entre as várias atitudes e o status e papel daqueles que tomam aquelas atitudes.

Esse método permite ao pesquisador concentrar-se, dentro de um período limitado, em um aspecto ou situação específica, estudando-o em profundidade para identificar os diversos processos que interagem no contexto estudado (Köche, 1988).

Por meio deste método é possível, segundo o autor, o registro das situações observadas e a descrição analítica das declarações dos entrevistados quanto ao que fazem, deveriam ou gostariam de fazer e como lidam com as suas escolhas, das reações e opiniões quanto às regras de notificação e a coleta de informações sobre o envolvimento dos entrevistados nas ações em questão e relaciona-los entre si.

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