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2. CAPÍTULO I A ANTROPOLOGIA DA POLÍTICA COMO CAMPO TEMÁTICO

2.1. Das escolhas e implicações teóricas

8 Sigla do Núcleo de Antropologia da Política, sediado no Museu Nacional da Universidade Federal

do Rio de Janeiro (UFRJ), envolvendo também grupos em outras universidades federais, como na UNB (Universidade de Brasília); UFC (Universidade Federal do Ceará) e UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

A perspectiva que se toma para pensar a política tem como referência a ideia de que esta é fruto da ação coletiva, ou seja, de uma rede de pessoas que interagem e se influenciam reciprocamente por intermédio de relações complexas e também dinâmicas (KUSCHINIR, 2007). Nesse sentido, pensar a política a partir do que propõe esse trabalho implica numa necessidade de conceituar o próprio termo e Marilena Chauí (2000) afirma que tal conceito é carregado de diferentes conotações dependendo do contexto em que é tratado.

Dessa maneira, o uso da palavra política de origem grega – ta politika – vinda da

polis, cidade entendida como comunidade organizada formada pelos cidadãos (politikos),

evoca diferentes significados. Fala-se de política universitária, política hospitalar, política empresarial.

Na mesma linha, Weber (2011) afirma ser seu conceito extraordinariamente amplo, uma vez que abrange todas as espécies de atividade diretiva e autônoma. Nesse sentido, fala- se...

da política de divisas de um banco, da política de desconto do Reichsbank, da política adotada por um sindicato durante uma greve; e é também cabível falar da política escolar de uma comunidade urbana ou rural, da política da diretoria que está a frente de uma associação e até da política de uma esposa hábil, que procura governar seu marido. (WEBER, Max, 2011, p.65).

Enfim, a palavra enuncia significados específicos para cada atividade a que faz referência. Entretanto, não é de interesse para essa pesquisa tratar dessa amplitude de significados que têm o termo política. Importa, pois, esclarecer algumas questões fundamentais acerca do desenvolvimento do conceito de cultura política, e verificar como ele contribui ou não para a reflexão aqui proposta.

Conforme lembra, Barbosa (2004), o conceito de cultura política começa a ser usado de forma mais sistemática a partir da década de 1960, quando surge intimamente interligado a ideia de nação. Sendo o trabalho pioneiro nessa temática o de Gabriel Almond e Sidney Verba, no qual o conceito é introduzido seguido de vários outros como “The civic culture” 9, ou se preferir, a cultura cívica, cujo objetivo fundante era compreender como os indivíduos absorvem a sua cultura, no caso, a cultura cívica, caracterizada como uma conquista das sociedades modernas e democráticas.

De acordo com essa pesquisadora algumas suposições encontram-se subjacentes ao referido trabalho, apresentadas a seguir:

9 Ver The Civic Culture: Political Attitudes and Democracy in Five Nations (ALMOND, Gabriel; VERBA, Sidney, 1963).

A primeira era a de que a estabilidade de sistemas democráticos se devia a existência de traços socioculturais generalizados nas populações de certos países, os quais configuram um tipo cultural particular. A segunda era a ideia de que a cultura cívica ideal encontrava-se no modelo anglo-americano de política e era importante saber como ela estava sendo absorvida (ou não) nas sociedades contemporâneas. (BARBOSA, 2004, p.316).

Tomando como referência a discussão de Barbosa, importa destacar que essa perspectiva analítica do tema da cultura política estava refletida na forma como a ciência política apreende o universo social, cuja centralidade é predominantemente institucional. De tal maneira, a cultura política de uma dada sociedade era analisada a partir de um ponto específico, ou seja, da sua distância em relação ao que se tomava como o modelo ideal de democracia.

Em contrapartida, afirma Barbosa (2004) a antropologia percebe a realidade social como socialmente construída, considera que subjacentes às categorias, as instituições e os sistemas compreendidos a partir de uma perspectiva universalizante, estes vicejam diferentes formas de classificação e valores, e que apesar de fazer uso dos mesmos termos nas várias sociedades, processos e instrumentos sociais atribuem-lhes conteúdos e significados distintos.

Observa-se, assim, duas perspectivas de análises diferentes, uma predominantemente dos cientistas políticos e outra propriamente dos antropólogos. Elas comportam pontos de vistas específicos e tenderam à separação ao invés do diálogo, devido, principalmente, as metodologias de abordagens que uma ciência e outra se utilizam nas suas investigações.

Sem me situar muito nessa discussão, uma vez que não é objetivo de análise, ressalto que o conceito de cultura utilizado nessa pesquisa trata-se daquele importado diretamente da antropologia, cuja preocupação é compreender o significado cultural da política, sem que seja, necessariamente, tomado um ponto de referência que qualifique se o contexto investigado estaria próximo ou distante do modelo ideal de democracia.

Certamente, algumas análises podem se relacionar ao que poderíamos pensar sobre a qualidade da democracia, principalmente no que se refere a como as pessoas participam dos processos políticos e como são construídas as relações entre candidato e eleitor. Entretanto, o que objetiva essa pesquisa é, antes, tentar explicar práticas que dão significados à política. Significados estes que, por sua vez, não têm como referência principal o meu ponto de vista, mas que considera, especialmente, as representações sociais da política para o grupo investigado.

Estou propondo pensar a política na sua implicação com o tema da cultura, essa que tem sido interesse da antropologia. Pensá-la não só como uma atividade própria de certas pessoas encarregadas de fazê-la, no caso, os políticos profissionais – governo -, mas como atividade que envolve a sociedade e que, portanto, produz significados e valores simbólicos, interpretados nesse trabalho a partir de um contexto eleitoral particular. Penso a política apresentada pela disputa eleitoral que considera, principalmente, o modo como a população envolvida concebe e vive a eleição, como lembra Palmeira (2000).

Nessa perspectiva, Burity (2002) explica que um entendimento voltado para a compreensão da política em seu aspecto cultural se faz possível na medida em que se dá ênfase a internalização de valores ou papéis que tenham como consequência uma maior integração dos cidadãos ao sistema político, passando a abordar a cultura política, dessa maneira, como configuração de representações e práticas que existem como fenômenos culturais sui generis, nos quais os sentidos são determinados não pela essência das coisas, bondade ou adequação a fenômenos empíricos, mas como sistemas simbólicos com suas próprias histórias.

Essa cultura política não obedece a um caráter homogêneo, refletindo o contexto nacional ou a natureza do regime político vigente. Igualmente, há uma pluralidade de culturas políticas, as quais se articulam ou se distanciam de formas somente compreendidas de acordo com o seu próprio contexto (SOMER apud BURITY, 2002).

Em consonância com a perspectiva de Burity (2002), a pesquisadora Nara Magalhães (1998), em seu trabalho intitulado “O povo sabe votar: uma visão antropológica do voto”, realizado a partir de diferentes recortes eleitorais (1986 – eleições para prefeito; 1989 – eleições presidenciais e 1992 - eleições para prefeito) em Porto Alegre – RS.

Assim como as demais pesquisas desse campo temático, parte da ideia de que a política, enquanto objeto de elaboração e reelaboração simbólica, isto é, enquanto prática, adquire distintos significados em diferentes culturas e, por isso, o fato de não se poder tomá-la como dado a priori, mas somente possível de ser compreendida considerando os seus contextos particulares.

Sua pesquisa enfatiza a importância de tomar a política enquanto representação – simbólica -, partindo não de suas instituições sociais – governo – mas captá-la através do que as pessoas dizem e fazem com ela, como a qualificam, de forma mais específica, qual significado lhe atribuem. É nesse mesmo sentido que essa pesquisa tem buscado dialogar com tais teorias para a interpretação da política enquanto uma cultura específica, objetivando perceber como aspectos da prática política estão representados no contexto social pesquisado.