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Escravos nos Inventários

No documento PR MARIANI BANDEIRA CRUZ OLIVEIRA (páginas 51-54)

A escravidão esteve presente nos Campos Gerais desde a chegada dos primeiros habitantes no início do século XVIII. Pesquisadores do escravismo na Província do Paraná demonstram que as regiões de predominância campeira, como no Planalto Curitibano e os Campos Gerais com a atividade da pecuária foram as possuidoras de maiores plantéis de escravos. (PEREIRA, 1996; MACHADO, 2008; GUTIÉRREZ, 1986).

Constata-se assim, que os cativos fizeram parte dessa sociedade desde os primórdios do século XVII. Ocupavam-se das atividades de colheita e beneficiamento do mate, nas atividades de criação de gado, no cultivo de lavouras nas fazendas de subsistência, exercendo ocupações domésticas e até mesmo executando ofícios de artesanatos ou alugando seus serviços no meio urbano (PENA, 1999).

Com o passar dos anos, o número de habitantes livres e de escravos na região foi crescendo. Conforme Cecilia Maria Westphalen, no decorrer da primeira metade do século XIX, os moradores dos Campos Gerais tiveram um crescimento acentuado. Segundo a autora, “a presença de pardos e pretos, todavia é mais significativa, pois oscilou de 37,5% em 1830 a 49% em 1836, evidenciando forte contingente negro na sua composição” (WESTPLALEN, 1997, p.35).

29 O termo foi empregado na França a partir de meados do século XVIII, com a intenção de demarcar diferenças socioculturais da nobreza e da burguesia em ascensão em relação aos hábitos rústicos das populações pobres e rurais (ELIAS, 1994).

As fazendas de crias e engordas de animais nos Campos Gerais do Paraná justificaram a concentração dos escravos na região. As atividades desenvolvidas nas propriedades contavam com a participação escrava.

O regime escravo foi predominante nas relações de produção nas fazendas, as condições históricas e econômicas prevaleceram na implantação do regime escravo na economia paranaense, visto que, com a decadência da atividade mineradora, quantidades importantes de mão-de-obra escrava se tornaram ociosas, fator de preocupação social e de pressão demográfica na estrutura interna da sociedade (FRANCO NETTO, 2011, p.136).

Horácio Gutiérrez em investigação sobre Castro, a partir das Listas Nominativas de Habitantes, constatou que no ano de 1825 havia 45 fazendas de criar em torno da Vila de Castro, 12 dessas concentrava-se na Freguesia de Ponta Grossa. Segundo o autor em todas as fazendas residiam escravos. Para o ano de 1824, Gutierrez afirma que: “na localidade de Castro os donos de fazendas representavam por volta de 20% do conjunto dos proprietários de escravos e, por outro lado, nas suas propriedades viviam mais de 63% do total de cativos da vila” (GUTIERREZ, 1986, p.55). Os proprietários das fazendas são apontados como os possuidores dos maiores plantéis de escravos na localidade.

Verificando as propriedades de terras nos inventários, observa-se que essas eram classificadas como: campos, fazendas, invernadas, campos de criar, capoeiras e casas. E a concentração de escravos entre os maiores proprietários de terras é evidente na documentação. E principalmente entre os inventariados com maior quantidade de propriedades. Talvez isso, não fosse novidade na localidade. Fernando Franco Netto, em investigação sobre os Campos de Guarapuava constatou que “quanto maiores os valores apresentados em termos de campos e casas com relação às propriedades, maior o número de escravos possuídos” (FRANCO NETTO, 2011, p.206).

Como mencionado anteriormente, os escravos nos inventários post mortem são listados na categoria de bens semoventes (lado a lado com os animais). Neste ínterim, os cativos estavam sujeitos as avaliações e também entravam como parte considerável nas partilhas. O cativo era exposto como um objeto de negócio, uma mercadoria disposta como parte significativa na soma do montante das fortunas dos inventariados.

Na Vila de Castro, entre os anos de 1820-1844, quase 73% dos inventariados tiveram escravos computados nas listagens dos seus bens. Em alguns casos, o cativo representava a maior fatia na soma do monte mor do inventariado. Em 1826, foi assim com Pedro, escravo

de Ana Maria Paes30, falecida na Vila de Castro. Os bens da inventariada consistiam em: um escravo, três vacas, três porcos, duas roças – de milho e feijão - um par de canastras, três vestias, um calção de pano, um banco grande e uma morada de casas, coberta de telhas. Na época, o patrimônio de Ana Maria Paes foi avaliado em 243$680 (duzentos e quarenta e três mil e seiscentos e oitenta réis). Na soma do patrimônio da inventariada, o mulato Pedro representava 82%.

O relator do documento não informa a naturalidade do cativo, quem eram os seus pais, se possuíam outros irmãos, muito menos, onde atuava, apenas registra que era um mulato, com 30 anos e avaliado em 200$000 (duzentos mil réis).

Nos registros, por vezes, são reservadas poucas informações dessas “estranhas mercadorias humanas”. Conforme Manolo Florentino e José Roberto Góes, os inventários “são peças escritas por judiciosos funcionários que nos dão a conhecer o nome dos escravos, suas idades, condições físicas, preços, além dos laços parentais mais evidentes (quase sempre os de primeiro grau)” (FLORENTINO e GÓES, 1997, p.43).

Com relação a figura dos cativos e a feitura dos inventários, Manolo Florentino e José Roberto Góes destacam que esses eram desiguais nos detalhes de informações, uma vez que:

Se havia homens verdadeiramente metódicos na anotação das características conhecidas dos escravos (e relevantes para o mercado), havia também os que pareciam ter pressa na execução de seu ofício. Por vezes, nem sequer anotavam-lhes a idade, um elemento-chave na avaliação deste peculiar bem (FLORENTINO e GÓES, 1997, p.44).

Nos inventários pesquisados, também observa-se desigualdade nos detalhes de informações a respeito dos itens arrolados. No caso dos cativos, com frequência registravam o nome, idade, cor, procedência e valor. Em alguns casos, apresentam a ocupação e situação física, especialmente dos doentes e aleijados. Por outro lado, alguns registros não informam nem mesmo os nomes dos cativos.

Nos últimos anos, a realização de pesquisas com a utilização de inventários tem trazido ricas informações sobre o funcionamento do sistema escravista no Brasil, uma vez que possibilita “a abordagem de questões importantes sobre o quotidiano da escravidão urbana e rural e identificação de redes de relações comerciais, estrutura de posse escrava, entre outras” (BORGES, 2005, p.13).

A análise nos 150 inventários post mortem abertos na Vila de Castro, nos anos de 1820-1844 indicou que 109 inventariados (72,7%) faleceram na condição de escravistas, deixando 903 escravos para ser divididos entre seus herdeiros.

No documento PR MARIANI BANDEIRA CRUZ OLIVEIRA (páginas 51-54)