• Nenhum resultado encontrado

3. Andaimes na fala e na escrita

3.1 Recrutamento

3.1.2 Escrito

Nos textos didáticos escritos utilizados pelos alunos, duas situações diferentes chamam a atenção. A primeira a ser discutida é o caso dos textos confeccionados pela

54 

professora. Alguns desses textos coletados traziam orientações para atividades de produção de texto propostas aos alunos. Nestes casos, não foram encontrados andaimes do tipo recrutamento. A justificativa poderia estar na formatação daquele gênero trabalhado, além da forma de interação dele com os leitores. A ideia é que o aluno, ao olhar o papel com as orientações, já mantém determinada postura – seguir as “instruções” ali escritas pelo professor –, sem que seja necessária uma estrutura linguística explícita que chame a atenção, algo mais direto, semelhante ao que é encontrado na modalidade oral.

A segunda situação do livro didático é um pouco mais complexa. Por ser “um suporte que contém muito gêneros” (cf. Marcuschi, 2008:179), provavelmente é necessária a utilização de determinadas estruturas verbais e não verbais (imagens) para que o aluno/leitor perceba, por exemplo, que tipo de atividade acontece ali, que o tipo de atividade está mudando, ou, ainda, algumas informações que motivam o leitor e o ajudam a chegar à tarefa já com certas expectativas. Em todos esses casos é a função recrutamento que está sendo empregada.

Em cada lição dos livros didáticos analisados, já na abertura dos textos principais, foram utilizados, textos, como o circulado na imagem abaixo. Esses têm uma função de recrutamento, pois, por meio de seu uso, os autores fazem o aluno envolver-se nas tarefas propostas. Eles servirão para motivar o leitor, ajudam-no a perceber um sentido daquela atividade.

Figura 2: Andaime recrutamento 17 Fonte: Cereja & Magalhães (2009), 9° ano, p.54

Essas sequências prefaciadoras trazem introduções de ideias colocadas pelos autores dos textos de abertura de cada lição. O leitor pode ler determinado conto ou crônica sem que haja esse recrutamento, mas, no caso do livro didático, funciona como estratégia de contextualização, ou uma espécie de suporte para o estudante iniciar aquela tarefa com algumas ideias que o ajudarão no decorrer da leitura. Esses prefaciadores com função de recrutamento servem para ativar os diversos tipos de conhecimentos necessários para a compreensão do texto. De acordo com Lencastre (2003:17):

No processo de compreensão, o leitor relaciona a informação apresentada pelo autor com a informação armazenada na sua memória. A compreensão é um processo de       

7

56 

construção de significado através da identificação das ideias relevantes do texto e do estabelecimento da sua relação com as ideias que já se possui. É um processo através do qual o leitor constrói significado, utilizando as pistas do texto e relacionando-as com esquemas existentes.

Dentre esses conhecimentos essenciais na compreensão, Kleiman (2009: 13) cita dois essenciais. O primeiro é o “conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida”. O segundo é o “conhecimento de mundo ou conhecimento enciclopédico”, que, segundo a autora, é o tipo de conhecimento adquirido nas relações durante a vida e pode ser adquirido em uma brincadeira com os amigos, com colegas de trabalho em determinada especialidade ou mesmo na escola. Todas essas relações vividas pelo sujeito construirão seu conhecimento enciclopédico.

Com o uso de prefaciadores, os autores antecipam a exposição do tema tratado no texto principal:

Figura 3: Andaime recrutamento 28 Fonte: Cereja & Magalhães (2009), 6° ano, p.217

Ou ainda, expõem o tema e levantam hipóteses acerca do assunto tratado no texto principal (caso da figura seguinte), provocando o leitor a realmente pensar sobre o tema do texto, refletir e, de certo modo, discutir com o autor, visto que, de acordo com Marcuschi (2008b:268), “compreender o texto não será mais uma atividade de garimpagem, mas uma atividade reflexiva”. O texto principal da lição não terá mais a função de testar se o aluno sabe localizar a resposta de uma pergunta que visa, não à reflexão, mas à “caça” de trechos exatos

      

8

Neste caso (e em outros mais adiante) o texto todo traz as pistas, por isso a opção de não demarcar um termo específico.

que se encaixam naquela pergunta, uma “extração de conteúdos”, segundo Marcuschi (2008b).

Figura 4: Andaime recrutamento 3 Fonte: Cereja & Magalhães (2009), 6° ano, p.217

Com essa forma de recrutamento, o autor também levantou hipóteses, não sobre o tema central do texto, mas sobre o gênero a ser trabalhado:

Figura 5: Andaime recrutamento 4 Fonte: Cereja & Magalhães (2009), 7° ano, p.107

58 

Ao levantar hipóteses, quer sobre o tema do texto, quer sobre o gênero a ser trabalhado, o autor propõe ao leitor objetivos que poderão ser atingidos com aqueles textos de abertura da lição. Esses textos servirão para várias outras atividades e não apenas um “exercício de leitura”, porque, como diz Kleiman (2009:26,27) :

O mero passar de olhos pela linha não é leitura, pois leitura implica uma atividade de procura por parte do leitor, no seu passado, de lembranças e conhecimentos, daqueles que são relevantes para a compreensão de um texto que fornece pistas e sugere caminhos, mas que certamente não explicita tudo o que seria possível explicitar.

E quando o autor escolhe o texto, tem em vista objetivos que o leitor deverá alcançar ao realizar a atividade interativa com o texto proposto. Mas, nem sempre o aluno irá perceber os objetivos, até porque, ainda segundo Kleiman (2009), cada leitor poderá ver um objetivo diferente ao interagir com o texto. Mas, se o autor tem realmente uma meta em mente, pode, por meio de pistas – no caso dos livros analisados, por meio de prefaciadores –, sinalizar aos leitores essas metas. Nessas situações, o aluno poderia fazer só aquela leitura “por cima”, sem sentido e sem nada construir, por isso, o autor fornece o suporte. Segundo Kleiman (2009:35):

o adulto pode, provisoriamente, superimpor objetivos artificialmente criados para realizar uma tarefa interessante e significativa para o desenvolvimento do aluno (...) Assim, indiretamente, através do modelo que o adulto lhe fornece, esse leitor estabelecerá eventualmente seus próprios objetivos, isto é, desenvolverá estratégias metacognitivas necessárias e adequadas a atividade de ler.

Visão semelhante tem Lencastre (2003:17), quando argumenta que, no processo de leitura, “primeiro estabelece-se um objetivo de leitura, e depois ativa-se tudo que se sabe sobre o assunto, principalmente com base nos títulos e subtítulos”. Nas atividades escolares, o adulto, como diz Kleiman, dá uma ajuda, pois, mesmo estratégias pessoais de compreensão dos textos, como processos interativos, podem ser trabalhadas na escola. Com o passar dos anos, esse suporte é retirado e o sujeito irá, independentemente, criar seus objetivos de leitura quando entrar em contato com os diversos tipos de textos.

Vale lembrar que esse tipo de texto utilizado por Cereja & Magalhães nos livros da coleção (ou em outros textos presentes na escola), não está nas obras originais de onde foram tirados os contos, poesias e outros gêneros que aparecem nos livros didáticos. Os textos têm uma função didática, por isso, os autores fazem as adaptações necessárias para favorecer o efeito almejado. Apesar disso, estarão em contato com esses diferentes gêneros como eles são,

o conto ou a poesia em si não mudarão sua natureza porque o autor do livro didático utilizou pistas linguísticas didáticas para introduzi-los de modo mais “instrutivo” para o leitor menos maduro. De acordo com Marcuschi (2008b:179), “a incorporação dos gêneros pelo LD não muda esses gêneros em suas identidades, embora lhe dê outra funcionalidade”. O aluno terá, tanto quanto tem um leitor de um livro de contos, a oportunidade de interagir com o conto, mas com uma “ajuda” especial do autor do livro didático.

O texto da figura anterior, por exemplo, foi utilizado para chamar a atenção do estudante com relação aos efeitos gerados pelos gêneros poéticos nos leitores. Outros prefaciadores encontrados na mesma unidade funcionam de modo semelhante. Em um deles, alerta-se sobre o efeito da palavra no leitor:

Figura 6: Andaime recrutamento 5 Fonte: Cereja & Magalhães (2009), 7° ano, p. 76

Sob o ponto de vista aqui colocado, pode-se dizer que há também uma função recrutadora no título – apresentado nos livro sob o formato apenas verbal, ou verbal associado à imagem – de cada uma das seções do livro didático (Estudo do Texto, Produção de Texto, por exemplo), ou de subtópicos das seções (Trocando ideias, Ler é diversão, por exemplo). Os títulos, na maioria das vezes, além de motivar o aprendiz a engajar-se nas atividades, carregam em suas imagens um significado acerca da caracterização do tipo de interação que será proposta. As imagens abaixo foram retiradas dos livros analisados:

60 

Figura 7: Andaime recrutamento 6 Fonte: Cereja & Magalhães (2009)

A partir desse recrutamento, o aluno/leitor já se prepararia para agir de uma forma e não de outra, selecionando estratégias de leitura/ações diferentes para realizar cada tipo de atividade proposta. Cada autor tem uma maneira de categorizar as atividades, e convém reafirmar a posição da pesquisa acerca dos andaimes. As análises foram feitas com base nas funções apresentadas no trabalho de Wood et a. (1976), não faz parte neste momento criticar a classificação criada, ou se os exemplos apresentados estarão servindo de suporte para o leitor conseguir alcançar algo que não alcançaria sem o seu fornecimento. Pretende-se sim, mostrar situações análogas àquelas consideradas por Wood, Bortoni e outros autores com trabalhos consagrados sobre o tema, quando o tutor pretende chamar a atenção do aprendiz para a tarefa que deverá ser executada em seguida.

Documentos relacionados