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Após a morte de Gramsci, seus os cadernos foram entregues a Tatiana Schucht que, antes de enviá-los para Moscou, teve o cuidado de catalogá-los. Os manuscritos tornaram à Itália em 1945, e foram enviados à casa editora Einaudi para integrar a publicação das obras completas do autor sardo. O plano editorial previa a saída de um primeiro volume reunindo as cartas de Gramsci, manuscritos carcerários e os escritos pré-carcerários, num total de 12 volumes, publicados entre 1947 e 1971 (REBELLATO; SBIROLI, 2013). Os Cadernos do cárcere foram organizados em 6 volumes, publicados entre 1948 e 1951, em edição idealizada e supervisionada por Palmiro Togliatti, com a seguinte organização temática:

1. Materialismo histórico em Benedetto Croce 2. Os intelectuais e a organização da cultura 3. O ressurgimento

4. Notas

5. Literatura e vida nacional 6. Passado e presente

É importante destacar o aspecto político da interpretação editorial dos Cadernos: A primeira edição nos dá um perfil de Gramsci como uma importante figura intelectual, talvez como o homem multifacetado do Renascimento, que mesmo no cárcere preserva sua liberdade espiritual lendo, estudando

e escrevendo para a posteridade [...]. No início dos anos 1950, talvez não fosse possível, nem nos países ocidentais, nem nos do leste, revelar a verdade. A força dominante da cultura, tanto da conservadora como da progressista, não estava em condições de ser “objeto” de estudo de si mesma, isto é, de permitir que alguém revelasse suas próprias raízes “materiais” e políticas (MONASTA, 2010, p. 19).

No mesmo ano em que a casa editora Einaudi lança a primeira edição dos escritos de Gramsci (1947) Italo Calvino torna-se responsável pela assessoria de impressa da editora e, aconselhado por Cesare Pavese e Giansiro Ferrata (jornalista da revista Unità de Milão) lança seu primeiro romance A trilha dos ninhos de aranha, que teve súbita visibilidade e alcançou sucesso no panorama literário da época, num momento em que se argumentava bastante sobre a guerra, o fascismo, a Resistência, a revolução, o realismo e o neorrealismo tanto no cinema quanto na literatura (MARTINO, 2012).

Nesse tempo,

a direção, a orientação de Calvino (em sintonia com a linha editorial Einaudi) se sentia, sobretudo, pela atenção constante à sociedade e à reflexão entre cultura e política, pela ênfase dada ao mundo das fábulas e aos interesses científicos – todos temas ligados entre si, como se verá, seja nas páginas do Noticiário que na elaboração teórica do seu diretor127 (MARTINO, 2012, p. 13) .

Segundo Martino (2012), o PCI tinha um papel privilegiado na política cultural da Einaudi e, além disso, tanto seus colaboradores principais – Norberto Bobbio, Massimo Mila, Natalia Ginzburg e Franco Antonicelli – como os auxiliares eram de orientação antifascista e,

testemunham o tributo constante (sobretudo nos primeiros anos) à figura de Antonio Gramsci; a presença maciça, entre os colaboradores, de estudiosos da área marxista, dos livros e personagens russos ou soviéticos; a constante referência ao debate cultural interno ao partido, e as agitações do comunismo em cada parte do planeta128 (MARTINO, 2012, p. 13).

127 “Ma la direzione, l’orientamento di Calvino (in sintonia con la linea editoriale Einaudi) si sentono,

soprattutto, per l’attenzione costante alla società e alla riflessione tra cultura e politica, per il rilievo dato al mondo delle fiabe e agli interessi scientifici – tutti temi collegati fra loro, come si vedrà, sia nelle pagine del Notiziario che nell’elaborazione teorica del suo direttore”.

128 “lo testimoniano il tributo costante (soprattutto nei primi anni) alla figura di Antonio Gramsci; la

presenza massiccia, tra i collaboratori, di studiosi di area marxista, di libri e personaggi russi o sovietici; il riferimento continuo al dibattito culturale interno al partito, e ai fermenti del comunismo in ogni parte del pianeta”.

Com efeito, as publicações da editora se destacaram nessa temática, dentre as quais apontamos Os vinte e três dias da cidade de Alba129, de Beppe Fenoglio, A história da Resistência italiana130 e A primeira guerra da África131, de Roberto Battaglia, O sargento na neve132 de Mario Rigoni Stern, O deserto da Líbia133 di Mario Tobino, Diário de um soldado simples134 di Raul Lunari, Memórias da prisão135 di Giampiero Carocci, Sagapò de Renzo Biasion e As cartas dos condenados à morte da Resistência136, de Franco Antonicelli. Muitos escritores foram descobertos e indicados por Calvino, editor, que foi responsável, contudo, por recusar, em 1947, o manuscrito Se isso é um homem, de Primo Levi, publicado no mesmo ano pela editora Francesco De Silva (Franco Antonicelli era o diretor de edição) e, só em 1958, pela Einaudi (MARTINO, 2012).

A Einaudi providenciou, em 1975, uma nova edição dos Cadernos e, diversamente do que ocorrera com a anterior, os textos foram reproduzidos integralmente tais quais redigidos por Gramsci. A edição crítica de Valentino Gerratana assume um caráter mais completo em relação à primeira, que demonstrava ser bastante fragmentária (MONASTA, 2010), e também revela sua estrutura sinuosa e diminui a polêmica em torno da tendenciosidade da primeira publicação organizada por Togliatti (VIEIRA, 1999). Essa nova edição contém quatro volumes, com o conteúdo dos cadernos contido nos três primeiros volumes, e o último reservado ao aparato crítico, composto pela descrição dos cadernos, notas e índices temáticos.

Publicados pela primeira vez, no Brasil, pela editora Civilização Brasileira, os escritos gramscianos obedecem a uma organização temática – As cartas do cárcere (1966); A concepção dialética da história (1966); Os intelectuais (1968) e Notas (1968). Traduzidos por Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder e Luiz Mario Gazzaneo, os textos do filósofo italiano chegaram às prateleiras brasileiras na década 1960, tendo ficado assim durante muito tempo devido ao momento político de ditadura militar (SILVEIRA,

129 “I ventitre giorni della città di Alba”. 130 “La storia della Resistenza italiana”. 131 “La prima guerra d’Africa”.

132 “Il sergente nella neve”. 133 “Il deserto di Libia”.

134 “Diario di un soldato semplice”. 135 “Memorie di prigionia”.

2010). Entre 1966 e 1968 parte dos títulos da edição temática togliattiana foi publicado pela mesma editora graças ao trabalho de Ênio Silveira:

Em 1966, foram publicados Concepção dialética da história (que por problemas de censura não manteve o título original: II materialismo

storico e la filosofia di Benedetto Croce) e um volume das Cartas do cárcere, que continha parte da edição de Sergio Caprioglio e Elza Fubini,

publicadas na Itália em 1965. Em 1968, é a vez de Os intelectuais e a

organização da cultura, Literatura e vida nacional e Maquiavel, a política e o Estado moderno. Constava ainda do projeto original de

divulgação das obras de Gramsci no Brasil a publicação dos textos II

Risorgimento e Passato e presente, não traduzidos devido ao

recrudescimento da censura após a promulgação do AI5 (SIMIONATTO, 2002, p. 2).

Na segunda metade da década de 1970, a reedição dos volumes no Brasil137 foi melhor apreciada devido ao quadro sociopolítico que passava por um processo de abertura política e democrática, manifestada pelos descontentamentos com o regime militar: “os textos de Gramsci contribuíram de forma decisiva na análise do quadro sociopolítico que se delineava com a crise da ditadura militar, o tensionamento entre a ordem estabelecida e a luta pela democracia, a reinserção dos movimentos da sociedade civil na arena política, bem como a introdução de uma inovadora concepção de socialismo junto aos segmentos de esquerda” (SIMIONATTO, 2002, p. 2).

Segundo Silveira (2010), os escritos de Gramsci podem ser organizados em três categorias: os escritos de juventude ou pré-carcerários, realizados antes da sua prisão, e que compreendem a pujante produção escrita em jornais e revistas; as Cartas do cárcere, que compreendem a escrita epistolar de Gramsci durante a prisão; os Cadernos do cárcere, escritos entre 1929 e 1935, constituindo 33 cadernos com tamanhos variados, sendo 29 deles de apontamentos sobre temas diversos e 4 com textos de traduções (SILVEIRA, 2010). Os cadernos de 1 ao 9 foram classificados como cadernos miscelâneos, já os cadernos de 10 a 13, o 16, e os de 19 a 29 cadernos especiais, nos quais retoma apontamentos e dá a eles desenvolvimento mais elaborado; as datas da escrita dos cadernos não são bem definidas, os estudiosos tentam sugeri-las conforme os acontecimentos e às

137Obras de Gramsci publicadas em português (Brasil): Escritos políticos, vols. I, II. Organização e tradução

de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. Concepção Dialética da História. idem, 1978. Os Intelectuais e a Organização da Cultura, ib., 1978. Maquiavel, a Política e o Estado

Moderno, ib., 1976. Literatura e Vida Nacional, ib., 1978. Cartas do Cárcere, id., 1978. Cadernos do Cárcere, vols. 1, 2, 3, 4, 5, 6. Edição Carlos Nelson Coutinho com Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio

cartas, já que ele não coloca data em todos os textos; acredita-se que os miscelâneos tenham sido escritos entre 1929 e 1932 e os 17 cadernos especiais e 3 dos miscelâneos entre 1932 e 1935 (SILVEIRA, 2010).