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O sistema de saúde e o seu processo de reforma está intrinsecamente ligado à organização política, ao regime político, ao sistema de governo, à estabilidade democrática, ao desempenho dos órgãos de soberania e do poder local, e às leis que regem a sociedade.Por isso e seguindo o modelo de Walt Gilson que inclui a análise da esfera política na análise do macro contexto da política de saúde, é analisada, de certa forma, o percurso e a situação política de Cabo Verde neste sub capítulo.

Depois de 515 anos de colonização portuguesa, Cabo Verde tornou-se independente e considerado um Estado, pelas Nações Unidas, na sequência de uma luta de libertação nacional realizada conjuntamente com a Guiné-Bissau, e governado sob regime de partido único até 1991. Esse período corresponde a implementação de um sistema de saúde completamente estatizado e público.

Na história da nação Cabo-verdiana, a proclamação da Independência Nacional constitui-se num dos momentos mais importantes. Factor de identidade e revitalização da nossa condição de povo, sujeito às vicissitudes do destino, mas comungando a tenaz esperança de criar nestas ilhas as condições de uma existência digna para todos os seus filhos e cidadãos residentes, a Independência permitiu ainda que Cabo Verde passasse a ser membro de pleno direito da comunidade internacional (CABO VERDE, 1999).

Infelizmente, a afirmação do Estado Independente não coincidiu com a instauração do regime de democracia pluralista, tendo antes a organização do poder político obedecido à filosofia e princípios caracterizadores dos regimes de partido único (CABO VERDE, 1992).

O exercício do poder político no quadro desse modelo demonstrou, à escala universal, a necessidade de introduzir profundas alterações na organização da vida política e social dos Estados. Novas idéias assolaram o mundo, fazendo ruir estruturas e concepções que pareciam solidamente implantadas, mudando completamente o curso dos acontecimentos políticos internacionais. Foi nesse contexto que a abertura política em Cabo Verde teve lugar em mil novecentos e noventa, levando à criação das condições institucionais necessárias às primeiras eleições legislativas e presidenciais num quadro de concorrência política.

Na seqüência desse processo, a 28 de Setembro de 1990, a Assembleia Nacional Popular aprovou a Lei constitucional nº 2/III/90 que, revogando o artigo 4 da Constituição e

institucionalizando o princípio do pluralismo, consubstanciou um novo tipo de regime político (CABO VERDE, 1992).

Desde então, com a abertura política, o país adotou um sistema político multipartidário de regime parlamentar. Em Janeiro de 1991 foram realizadas as primeiras eleições pluripartidárias, livres e democráticas e a expressiva participação das populações nessas eleições demonstrou claramente a opção do país no sentido da mudança de regime. Em 1992 foram realizadas as primeiras eleições autárquicas no país. A partir desse período, foram realizadas de forma regular as eleições presidenciais e legislativas (mandatos de cinco anos) e eleições autárquicas (mandatos de quatro anos), com duas grandes alternâncias políticas a nível de governo central, três a nível presidencial e várias nos municípios, em 18 anos, num ambiente de paz social e do aprofundamento do exercício democrático. A partir de 1991 o exercício da prestação dos cuidados de saúde no setor privado foi liberalizado de fato e Cabo Verde passou a ter um sistema de saúde misto público/privado que ainda vigora.

Em 1992 a Assembleia Nacional de Cabo Verde aprovou uma nova constituição e o país passou a garantir o respeito pela dignidade da pessoa humana, reconhecendo a inviolabilidade e inalienabilidade dos Direitos do Homem como essência de toda a comunidade humana, da paz e da justiça, passando Cabo Verde a ser considerado uma República soberana, unitária e democrática; a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, sem distinção de origem social ou situação econômica, raça, sexo, religião, convicções políticas ou ideológicas e condição social e o pleno exercício por todos os cidadãos das liberdades fundamentais; a vontade popular e a realização da democracia económica, política, social e cultural e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

A partir de 1992 foram criadas as condições para à remoção dos principais obstáculos que possam impedir o pleno desenvolvimento da pessoa humana e limitar a igualdade dos cidadãos e a efetiva participação destes na organização política, econômica, social e cultural do Estado e da sociedade cabo-verdiana, na base de organização de um Estado de direito democrático Cabo Verde defende os princípios da soberania popular, o pluralismo de expressão e de organização política democrática e o respeito pelos direitos e liberdades fundamentais.

A nova constituição moderna e democrática de 1992 manteve natureza unitária do Estado, a forma republicana de governo e introduziu a democracia pluralista, a separação e a interdependência dos poderes, a separação entre as Igrejas e o Estado, a independência dos tribunais, a existência e autonomia do poder local e a descentralização democrática da

Administração Pública que passaram a ser reconhecidos e respeitados na organização do poder político em Cabo Verde.

A mudança de regime político trouxe consigo reformas políticas, econômicas e sociais e o país abraçou a defesa da dignidade humana como um valor que melhor se afirma com a liberdade individual, o primado da lei, a liberdade econômica e a criação de oportunidades para uma vida condigna e para a ascensão social nas diversas regiões de Cabo Verde. O desenvolvimento como sinónimo de liberdade pode ser considerado um paradigma que se sustenta no fato de o Homem ser a maior riqueza de um país, de qualquer país, seja ele rico ou pobre. Sustenta-se também no facto de que o Homem se realiza melhor num ambiente de liberdade e que a iniciativa do indivíduo pode ser determinante para o crescimento e desenvolvimento económico (CABO VERDE, 2006).

Em conformidade com a constituição da República de Cabo Verde, o programa eleitoral do Movimento para a Democracia de Cabo Verde (2006) considera que não é suficiente que a sociedade seja democrática. Ela pode também ser liberal e constitucional. Não basta procurar assegurar que o Governo seja baseado no consentimento dos governados. As democracias podem ser também liberais, isto é, comprometidas com os direitos individuais e a liberdade, com o princípio de que o Estado depende dos indivíduos, e não o contrário. As democracias podem ser também constitucionais: considera-se que “a Constituição é o fundamento e o limite do poder político e do seu exercício”.

A revisão da Constituição da República de Cabo Verde (1999) estipula que o sistema de governo cabo-verdiano baseia-se no primado da lei, “a forma de governo na qual nenhum poder pode ser exercido se não estiver em conformidade com os procedimentos, os princípios e as restrições contidas na lei, e na qual todos os cidadãos gozam do direito de apelar à justiça contra qualquer outro cidadão, por muito poderoso que seja, e contra o próprio Estado, por qualquer ação que implique uma violação da lei”.

O Estado de Cabo Verde defende o exercício pleno da cidadania através de uma sociedade civil responsável, actuante e autónoma em relação ao Estado. Defende a promoção de uma cultura da Constituição e da consciência aguda da importância dos direitos civis e políticos, com forte envolvimento do sistema educativo, da saúde e da comunicação social (CABO VERDE, 2006).

A República de Cabo Verde defende um Estado institucionalmente forte, eficaz e desenvolvimentista, capaz de assegurar a governação das relações contratuais e garantir os

arranjos institucionais e políticos que suportam a confiança entre os agentes económicos, em que o poder político e o seu exercício se confinam ao quadro constitucional, com um poder judicial forte e independente, vinculado à Constituição e à lei (ou equidade), promotor do desenvolvimento regional e da coesão económica e social, que reconhece e promove os direitos económicos fundamentais como a propriedade privada, a iniciativa económica privada sujeita a regras (ecológicas, de ordenamento, de concorrência leal, de protecção da saúde e proibição do abuso do direito), a liberdade de escolha do que e como produzir, distribuir e consumir, a liberdade de oportunidades e de condições de instalação, realização e concorrência para todos os agentes económicos, e que reconhece e promove os direitos sociais básicos a todos os cidadãos e os direitos dos consumidores (VEIGA, 2006).

O sistema político cabo-verdiano baseia-se no parlamentarismo, sendo o Parlamento considerado o centro vital do sistema o que vem permitindo manter a estabilidade política e econômica e consequentemente o processo de desenvolvimento. No sistema político de Cabo Verde o Parlamento é de fato o centro do poder político, detendo o poder legislativo por excelência, a par do poder de fiscalização sobre a atividade do executivo governamental, no seio do qual todo o debate político é travado. Este modelo do sistema de governo foi proposto em 1990 (VEIGA, 1990).

Em Cabo Verde existem os seguintes órgãos de soberania: Presidente da República, Assembleia Nacional, Governo e Tribunais que são independentes do poder político.

Ao Presidente da República cabe o poder moderador do próprio sistema político, nomeando o governo com base nos resultados eleitorais, garantindo a conformidade constitucional da produção legislativa pelo poder de veto, dissolvendo o Parlamento em caso de crise constitucional grave. O Presidente da República também participa na nomeação de alguns Juízes para o Supremo Tribunal de Justiça que até este momento acumula as funções de tribunal constitucional. Ao governo cabe o poder de executar políticas públicas, sendo responsável perante o Parlamento por onde passam a discussão e a aprovação dos documentos essenciais definidores da sua estratégia política, dos projetos e das propostas de Lei (CABO VERDE, 1992).

Faz parte do sistema político cabo-verdiano um poder local forte eficaz e efetivo, com ampla autonomia municipal, podendo garantir a participação política de uma sociedade dividida por dez ilhas e vinte e dois municípios atualmente. Essa autonomia acaba por representar o garante da democratização do país pela cultura de participação cívica e política que estimula, ajudando na criação de novos hábitos democráticos. Dada a diversidade cultural

existente em Cabo Verde, hoje defende-se que esse poder forte e autónomo não pode continuar a ser apenas municipal, mas também regional para permitir o reforço dessa diversidade cultural e da sua defesa, politicamente participada por todos (MANALVO, 2009).

Segundo a Constituição de Cabo Verde (1999), os tribunais são órgão de soberania e administram a justiça juntamente com outros órgãos não jurisdicionais de composição de conflitos, criados de acordo com as normas de competência e do processo legalmente estabelecidas. Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à Constituição e à Lei.

Toda essa trajetória política de Cabo Verde permitiu a introdução de mudança do modelo de sistema de saúde a partir de 1991, o reforço da estrutura organizacional do sistema, com avanços bastante significativos na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, destacando-se o setor da saúde, apesar de existirem ainda muitas deficiências e fraquezas que requerem tomada de novas medidas consistentes de política capazes de reduzi-las.

9 MICRO-CONTEXTO DA POLÍTICA DE SAÚDE DE CABO VERDE

Em conformidade com o modelo de Walt e Gilson modificado utilizado neste estudo, o micro contexto inclui sistema e serviços de saúde, políticas setoriais, financiamento do setor, qualidade de recursos, mudanças epidemiológicas e principais problemas de saúde: