• Nenhum resultado encontrado

5. UMA REDE EM MOVIMENTO LIGADA NA VIDA

5.2. Novas alternativas de atenção à pessoa com transtorno mental em conflito com a lei pelo

5.2.3. PAI-PAC / Espírito Santo

No ano de 2010, no Estado do Espírito Santo, foi criado um projeto piloto intitulado Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário (autor de ato previsto como criminoso). O PAI-PAC tem suas bases nas experiências e premissas do PAI-PJ, em Minas Gerais, e também visa fornecer uma atenção singularizada e integral às pessoas com transtorno mental autoras de delitos, bem como promover a desospitalização e insersão social e familiar, através do vínculo com a rede pública de atendimento em saúde mental. Dessa forma, o egresso do sistema prisional, portador de transtorno mental ao sair do HCTP, prisão comum ou liberdade provisória, mediante cumprimento de medidas cautelares, será encaminhado imediatamente para a equipe do PAI-PAC, para que possa ser realizado um projeto terapêutico singularizado em conexão com o judiciário e a rede de saúde mental, remetendo o paciente diretamente para as equipes multiprofissionais do SUS.

De acordo com a coordenadora do projeto aqui no ES, a Prof.ª Dr.ª Renata Costa-Moura, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo, as chances de êxito desse trabalho estão, sobretudo, na orientação clínica assumida, entendendo que o louco infrator

pode vir a responder pelo seu ato na Cidade, como cidadão, a partir de uma escuta singularizada, caso a caso, acerca dos determinantes psíquicos que o levaram à comissão do ato previsto como criminoso.

Este trabalho realizou-se inicialmente com o apoio de um grupo de acadêmicos em psicologia, por meio do estágio em psicanálise que acontecia sob coordenação da professora Renata e, ao longo de um ano, realizou o acompanhamento de cinco pacientes egressos do hospital de custódia e que, devido à ruptura dos laços sociais decorrentes da internação prolongada, haviam sido encaminhados para outra internação, desta vez na unidade de curta permanência do Hospital Estadual de Atenção Clínica, após extinção da periculosidade.

O trabalho consistiu, primeiramente, na recomposição da história de vida destes pacientes, pois quase nada se conhecia destes sujeitos, uma vez que os prontuários apresentavam poucas informações que reportassem à singularidade dos casos. O processo de coleta das informações resultou na constituição de um relatório final contemplando a história destas pessoas, por uma ótica para além da doença. O desenvolvimento das ações e da escuta dos casos, a partir do acompanhamento direto com os pacientes, colocou em curso o diálogo com família de alguns deles, com a rede de atenção psicossocial, além do acesso aos dispositivos de justiça e serviços de cidadania, no intuito de facilitar o trabalho de reintegração destes sujeitos no laço social, através da particularidade de cada caso e mediante a elaboração de um projeto terapêutico em atenção às suas singularidades do sujeito (MOSCON, 2016, p. 171).

A equipe que atuou no programa destaca que alguns avanços importantes foram alcançados, principalmente na mudança de paradigma e quebra de resistências por parte de alguns profissionais, diante do resultado do trabalho exitoso realizado com os pacientes.

Pudemos constatar um efeito de transmissão junto aos profissionais do HEAC da escuta e valorização de nossos pacientes por parte nosso trabalho. Uma psiquiatra, por exemplo, se interessou em advogar junto à Secretaria de Saúde, a necessidade de o projeto continuar. E, ela que a princípio foi bastante desconfiada com relação a nossa proposta, além de se propor a testemunhar, como dissemos junto à coordenação de Saúde mental da secretaria de estado de saúde, também pediu cópia de nosso relatório, e o mantinha sempre à mão para citar junto aos seus estagiários em psiquiatria (RELATÓRIO PAI-PAC/ES, 2011).

No entanto, no Espírito Santo, a experiência não foi em frente. Embora tenha existido uma movimentação pró-ativa de membros do judiciário, do Ministério Público, da Universidade Federal

do Espírito Santo e da Rede de Saúde Mental, ela não foi suficiente para a aplicação do modelo, tão exitoso em outros Estados da federação.

A militância, entretanto, continuou.

No final do ano de 2015, houve um seminário de lançamento do Observatório de Direitos Humanos e Justiça Criminal do Espírito Santo – ODHES. Esse evento contou com a presença de vários atores da cena de saúde e justiça do país, como também dos coordenadores das redes de observatórios de direitos humanos, ligados às universidades federais de outros Estados. Nessa ocasião, a Prof.ª Dr.ª Renata Costa Moura enfatizou a necessidade do fortalecimento e do trabalho em rede, junto ao Governo Federal, para criar documentos que possam intermediar e financiar pesquisas. Foi contundente ao colocar questões como:

- “O que queremos nós? O que queremos no ES? Endereçando ao ODHES, e a partir das nossas diferenças, experiências, disciplinas distintas, e o que vamos perder por caminhar nisso? Como dar liga?”

- “Omissão é um ato.”

- “Dizer da experiência da responsabilidade como missão. Responsabilidade – Que resposta a universidade e as políticas públicas dão à questão do real?”

Em 2016, visando ao fortalecimento de uma cultura de rede e de colaboração mútua entre Justiça e Saúde, o projeto tem se empenhado na formação contínua de operadores do direito, como juízes da execução penal; promotores de Justiça; profissionais da rede de saúde pública, como psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais; e profissionais da rede de assistência social, bem como acadêmicos interessados em pesquisas na área. Uma disciplina optativa foi ofertada no primeiro semestre de 2016, junto ao programa de mestrado em psicologia institucional da UFES e trouxe para a discussão temas como: direitos humanos, justiça criminal, violência estatal, processos de exclusão social, produção de subjetividades e a noção de “periculosidade”, entre outros.

O caminho que o ODHES vem trilhando no enfrentamento do problema da violência, junto aos sujeitos com transtorno mental em conflito com a lei, com os trabalhadores e pesquisadores no ES, já é significativo. Mesmo assim, é urgente a construção de uma nova cultura de tratamento do louco infrator no Estado do Espírito Santo, bem como uma mudança no cenário que temos atualmente. Algumas pesquisas estão em andamento por parte de alguns membros, incluindo a deste pesquisador.