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DO ESPAÇO AO CIBERESPAÇO: DEMOCRACIA NOS ESPAÇOS VIRTUAIS O momento atual propõe novas possibilidades para a transcendência das questões

4 - NOVAS PERSPECTIVAS TERRITORIAIS DA DEMOCRACIA NA CONTEMPORANEIDADE

4.2 DO ESPAÇO AO CIBERESPAÇO: DEMOCRACIA NOS ESPAÇOS VIRTUAIS O momento atual propõe novas possibilidades para a transcendência das questões

limitadoras da participação democrática, quando potencializada pelo seu contexto tecnológico torna possível a quebra das barreiras, não apenas geográficas, mas também sociais, para o estabelecimento de interações cada vez mais generalizadas, independentemente do status e da localização dos agentes no espaço social. A planificação do mundo e a possibilidade das interações sociais entre pessoas que se encontram em lugares diferentes do planeta permitem uma ampliação significativa do conceito de esfera pública, pois na contemporaneidade a possibilidade de participação transcende o contexto da ágora grega ou de qualquer outra limitação social ou físico-espacial. Na atualidade ela é virtualmente ilimitada na condição de espaço público de discussão e formação da opinião pública.

E ainda que não constitua uma instância com poder de decisão, o ciberespaço tem a possibilidade de “empoderar” o cidadão comum e de lhe proporcionar certo instrumental necessário para pode ter influência significativa no processo de decisão nas instâncias de poder legalmente instituídas. Nesta dimensão, todo cidadão, independente da sua classe social, ou de qualquer outra característica pessoal está, potencialmente, em condições de igualdade com os demais. Cada um se constitui em apenas um ponto em uma rede planetária, hoje responsável por grande parte da circulação da produção cultural e do conhecimento do senso comum e/ou científico em todo o mundo (CARVALHAL, 2008).

O ciberespaço abriga uma série de projetos contraditórios, que agregam interesses diversos, a partir de temas analisados por vários pontos de vistas. Isso se dá pela competência desse ambiente para o desenvolvimento de novas formas de cooperação e de construção de saberes, a partir da criação compartilhada.

O universo da cibercultura, diferentemente do universo dos meios de comunicação de massa, não possibilitam a legitimação de interpretações e projetos de atores soberanos. Primeiro porque se torna impossível o domínio de todo o conjunto de técnicas e saberes que nele estão contidos, pelo fato desses fatores estarem sendo atualizados, simultaneamente, todos os dias, dos mais inesperados locais do mundo. Segundo porque o devir da cibercultura não permite controle, pois contém atores, projetos e interpretações em constantes conflitos (LÉVY, 1995). E, enquanto existir possibilidades técnicas de abordagens tão diferentes veiculados por grupos também diversos haverá, segundo Lévy (1995), lutas de poder e a necessidade de acordos entre eles.

No ciberespaço não há lugar para o principal componente midiático: o sensacionalismo. Por outro lado, existem possibilidades que não são convenientes ao horário nobre da televisão, como as leituras de temas obscuros das elites políticas e econômicas, por exemplo. Como a realidade do ciberespaço não possui os componentes que interessam à mídia, fala-se então dos problemas do ambiente, dos crimes virtuais, do ciberterrorismo, do cibersexo, etc.

Mas, sem dúvida, a principal fobia da mídia tradicional, em relação ao ciberespaço, é saber que existe a possibilidade de outras versões, inclusive com fotos, vídeos e documentos comprobatórios, dos fatos divulgados por ela e essas notícias tomarem grandes proporções, sem que tenham de passar pelo crivo de nenhum editor ou jornalista responsável. O ciberespaço incentiva a participação da coletividade na busca da construção de uma inteligência coletiva28 que possa contribuir com a formação da opinião pública a partir dela.

Para Kumar (1997, p. 26), o ambiente tecnológico atual, que se chama de sociedade da informação, promove naturalmente a democracia, uma vez que

[...] difunde informação por toda a sociedade, o que tornaria as pessoas mais alertas e cultas. A informação é a “nova moeda do poder”. Ao contrário do dinheiro e da terra em épocas anteriores, ela é amplamente distribuída. “Nenhum ditador pode sobreviver por muito tempo em uma sociedade comunicativa, uma vez que os fluxos de informação, não poderão ser controlados a partir do centro”.

Para saber o que significa e o que representa a world wide web – conhecida como www – é só acessá-la. Quando qualquer pessoa utiliza a internet comercial já está acessando a www automaticamente, pois, ela é responsável pela interface gráfica da web. Lá estão todos os pontos de vista, inclusive o dos seus maiores críticos, que potencialmente usam o próprio

28 Inteligência coletiva, segundo Levy (1995), é, basicamente, a partilha de funções cognitivas, como a memória, a percepção e o aprendizado. É um conceito surgido a partir dos seus debates sobre as tecnologias da

inteligência, caracterizado por um novo tipo pensamento sustentado por conexões sociais que são viáveis através da utilização das redes abertas de computação da Internet.

objeto da crítica para difundir, de forma eficiente, suas ideias. Nesse espaço verdadeiramente democrático, do ponto de vista da arquitetura de participação, que é concebido em rede, sem concentração do pólo de emissão, são abordados os mais variados temas, desde os ideológicos aos mais técnicos. Há espaço para qualquer tipo de mensagem, inclusive, as negativas. Isso dá ao ciberespaço uma especial percepção caótica e incontrolável dos seus conteúdos, concatenados a partir de contribuições de atores de universos diversificados, construindo uma enorme massa de conhecimento e saberes por meio da inteligência coletiva.

Os espaços públicos de debate fundados no ciberespaço tendem, naturalmente, pela própria arquitetura de participação organizada em rede, a reforçar a dimensão participativa da democracia. Especula-se, inclusive, sobre a possibilidade de que se esteja criando novamente uma espécie de esfera pública para a discussão e a formação de uma opinião pública genuína, que havia sido perdida no contexto das mídias de massa e que agora pode estar novamente emergindo, através das mídias pós-massivas. A grande maioria dos analistas do contexto tecnológico contemporâneo, não se sente segura para afirmar algo dessa natureza, e muitos decidem por rechaçar imediatamente essa possibilidade, afirmando que a ágora grega, – que representaria a dimensão física –, e o ciberespaço, – espaço virtual –, são ambientes com características e diferenças substanciais e que, por isso mesmo, não devem ser comparados.

Uma questão, entretanto, permanece quase consensual: o advento das tecnologias digitais tem favorecido a ampliação da dimensão participativa da democracia. É importante perceber que, agora, sua natureza é hibrida – envolve o físico e o virtual – e nesta última, contando com uma arquitetura de participação permitida a partir dos territórios informacionais e virtuais do ciberespaço. Esses territórios híbridos, aqui chamados de ciberterritórios, são ambientes que possibilitam à sociedade contemporânea engendrar espaços de lutas, por meio de interações estabelecidas, através das redes sociais, nos espaços físicos e pela internet.

4.3 - DO TERRITÓRIO AO CIBERTERRITÓRIO: DA ÁGORA À INTERNET

Baseadas na idéia de que a dinâmica territorial, independentemente da escala em que está se dando, pode influenciar em todas as outras escalas, novas perspectivas sobre o território começam a surgir na contemporaneidade, não exatamente para se contrapor à importância da noção de territorialidade física nas relações humanas, indicada por Santos (2001), quando pensa processualmente as relações entre o lugar, a formação socioespacial e o mundo, mas como forma de trazer novas reflexões que possam alargar o conceito,

acrescentando às discussões sobre território elementos significativos relativos às novas dinâmicas territoriais.

Conforme se viu na primeira parte desta dissertação, Raffestin (1993) ampliou, de modo significativo, o conceito de território, quando dizia que ele não se reduz a sua dimensão material ou concreta, mas também se constitui num campo de forças, onde se davam as relações sociais. Silva e Silva (2006) ampliaram mais ainda quando comentaram sobre a complexidade e a dinâmica que os territórios trazem a partir das relações humanas em diversos aspectos e escalas.

Neste sentido, na medida em que as relações sociais começam a se submeter a ambientes virtuais, formados por um contingente de informações em um locus dissociado do espaço geográfico e físico, mostra-se que a noção de território e territorialidade, antes só pensada com relação ao material, também pode ser submetida a esses ambientes virtuais, uma vez que está relacionada a um espaço fidedigno de construção de cultura e de estabelecimento de relações humanas, ainda que sem relação direta com espaço geográfico, visto que são espaços de informação, intangível, imaterial e metafísico.

Albagli (2004) corrobora com a complexidade do conceito de território quando faz a distinção entre espaço e território, conforme também já visto anteriormente, observando que a noção de espaço de Agler (1995), que atribuiu ao espaço um nível elevado de abstração, e a idéia de Raffestin (1993), de que o território é o espaço apropriado por atores sociais para o exercício das relações de poder, em suas múltiplas dimensões.

Se o território pode ser pensado enquanto espaços apropriados por atores sociais, para o estabelecimento das suas relações, o ciberespaço poderia também ser pensado como um espaço que abriga essas relações e, portanto, dar base ao conceito de cibertório, não como algo que está em oposição, mas como um conceito complementar ao de território?

O primeiro autor a cunhar o termo ciberespaço, foi Gibson, em 1984, num livro de ficção científica, intitulado Neuromancer, premiado em todo o mundo. Para o autor, que não pensou o ciberespaço. enquanto pesquisador, mas como ficcionista, este estava em oposição ao território, numa visão simplista e pouco reflexiva sobre esse espaço, enquanto fenômeno sociológico. Gibson definiu ciberespaço como um espaço não-físico, ou territorial, que se compunha de um conjunto de redes de computadores através das quais todas as informações circulavam.

Já o sociólogo Lévy (2002), a partir de um olhar carregado de cientificidade, inseriu as pessoas nesse novo espaço e definiu ciberespaço como um novo meio de comunicação, que surgiu da interconexão mundial dos computadores e não compreendia apenas a infra-estrutura

da comunicação digital em todo o mundo, mas também o universo de informações que ela abrigava, assim como as pessoas que navegavam e alimentavam esse universo.

Lemos (1997, p. 4) inspirou reflexões importantes quando, ao tentar entender melhor o ciberespaço, lhe deu status de lugar, quando observou que,

Hoje entendemos o ciberespaço à luz de duas perspectivas: como o lugar onde estamos quando entramos num ambiente virtual (realidade virtual), e como o conjunto de redes de computadores, interligadas ou não, em todo o planeta (BBS, videotextos, Internet...). Estamos caminhando para uma interligação total dessas duas concepções do ciberespaço, pois as redes vão se interligar entre si e, ao mesmo tempo, permitir a interação por mundos virtuais em três dimensões.

A partir dessas reflexões, pode-se inferir que o ciberespaço se constitui num locus virtual, originado da junção de tecnologias diferenciadas de telecomunicação e informática e que, em geral, são gerenciadas por computador. Nesse espaço, boa parte da cultura mundial está sendo produzida ou nele circula, bem como é onde se dá boa parte das relações humanas na atualidade.

Este espaço virtual é proporcionado por uma rede física, que segundo Haesbaert (2002, p.132), “pode ser vista tanto como um elemento fundamental constituinte do território, como pode até mesmo se confundir com ele, como na noção de território-rede”, defendida pelo próprio Haesbaert (1994) e Veltz (1996). Haesbaert (2002) afirmou ainda que a estrutura social em rede pode atuar como elemento fortalecedor do território.

Neste sentido, torna-se real a possibilidade de elaboração do conceito de ciberterritório, que diz respeito à formação de um determinado território na intersecção do território físico e o espaço cibernético, proporcionado por uma rede física de dispositivos digitais, em que as relações humanas se estabelecem. É um ambiente virtual, intangível, onde as pessoas e instituições produzem cultura e disseminam informação e conhecimento, a partir de uma grande rede social que se forma, conforme observou Castells (1999a), em escala global, mas com possibilidade de participação e inserção em todas as escalas.

É fato que a condição primordial da existência humana continua sendo indissociável do espaço físico, como constatou Haesbaert (2004) e, ainda que seu espaço de interação seja virtual, os dispositivos mediadores das relações estão espacialmente situados no ambiente físico. Assim, o ciberterritório, apesar de se estabelecer como um conceito, deve ser compreendido como um subconjunto da noção geral de território, e não como uma noção autônoma, que possa sobrepor-se ao conceito tradicional.

No entanto, à medida que o ciberterritório torna-se, na contemporaneidade, cada vez mais importante como meio de transformações sociais, é importante contribuir para o

fortalecimento desta noção. Pode-se contar com as idéias de Park (1987) para entender esta questão. Segundo esse autor, as relações sociais estão conectadas às relações espaciais. As distâncias físicas constituem índices de distâncias sociais. Neste sentido, à medida que o ambiente cibernético possibilita a interconexão de pessoas que estão em diferentes locais do mundo, as relações sociais não mais deixarão de se estabelecer por limitações geográficas e até mesmo por diferenças sociais, visto que a relação do homem com o espaço vem gradativamente mudando e transformando o mundo contemporâneo.

Um exemplo disso são as relações cidadãs, que vêm se transformando significativamente, segundo Lévy (1995, 2002), Castells (1999a), O’Reilly (2005), Bruns (2005), Gilmmor (2007), Cobo e Pardo (2007), dentre outros autores, que trataram sistematicamente do alargamento da participação cidadã no cenário mundial contemporâneo, propondo uma arquitetura de participação democrática ampliada, baseada em maior simetria de poder, potencializada pela multiplicidade de vozes e pela pluralidade de opiniões, fundamentos para um possível ressurgimento da democracia participativa.

4.4 O CIBERTERRITÓRIO, A INTERATIVIDADE E AS INTERFACES DIGITAIS