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O espaço das ruas e suas relações

3. A DINÂMICA DAS RUAS

3.1. O espaço das ruas e suas relações

De uma forma geral, nas cidades antigas, a rua como meio aberto e articulado de circulação, era um ambiente excepcional. Segundo Mumford (1998), nas escavações

de Ur2 é possível constatar que o canal comum de tráfego era a viela estreita e tortuosa que, protegida por sombras do sol escaldante, era adequada ao clima. Segundo Lamas (2007), as ruas estreitas, entretanto, não comprometiam a salubridade das casas, pois a ventilação e iluminação eram compensadas com a criação de espaços livres, como hortas e jardins, no interior dos quarteirões. Ainda neste contexto, Mumford (1998) afirma que a rua larga não seria uma invenção resultante do surgimento dos veículos de roda, mas que fora inicialmente traçada para as procissões e para as marchas de soldados.

Mais à frente na linha histórica, Gonsales (2005) ressalta que todas as estruturações urbanas a partir do Renascimento tiveram a rua como componente fundamental: a caminhada das procissões nas avenidas de Roma de Sixto, a marcha do exército vitorioso nas Viae Triumphales na cidade barroca, a corrida das carruagens nos boulevares da cidade oitocentista e do deslocamento veloz do automóvel nas vias de circulação da cidade do século XX, são exemplos dessa importância histórica das ruas no contexto do espaço urbano.

Pode-se observar que a história da rua conta, também, a história da cidade, configurando ciclos, marcando épocas, acompanhando os movimentos sociais e estruturais da sociedade. O resgate dessa história incita o desejo de melhoria dessa relação de simbiose que por vezes foi degradante, mas por outras foi saudável e enriquecedora, tanto para a cidade, quanto para o cidadão.

Alguns autores, como Dias (2005), Ghel e Gemzøe (2001), afirmam que o século XX, mais intensamente do que os séculos anteriores, foi marcado pelo surgimento de novos lugares voltados principalmente para o entretenimento. Essas novas e mais modernas possibilidades fizeram com que as ruas, as calçadas, as praças e outros tipos de espaços públicos tradicionais na história urbana ganhassem novas conotações e valores. Ainda segundo os autores, mesmo com o desenvolvimento e a mudança de padrões de uso, a rua, enquanto lugar de trabalho e encontro permanece oferecendo uma alternativa importante às outras opções de convívio,

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Ur foi uma cidade da Mesopotâmia localizada a cerca de 160Km da grande Babilônia, junto ao rio Eufrates, habitada na Antiguidade pelos caldeus e que, de acordo com o livro de Gênesis, foi a terra natal do patriarca dos hebreus Abraão. Fonte: Ur..., acesso em 13 jan 2009.

demonstrando que seus usuários ainda a valorizam e necessitam de maior qualidade para estes espaços.

Mumford (1998) afirma que a rua é o palco sobre o qual o drama da vida comum acontece. Junto com as quadras, parques e jardins, ela confere forma aos fluxos e refluxos da troca humana. São espaços dinâmicos que dialogam com outros mais calmos; geram movimentação, comunicação, suporte para o cotidiano e espaços comuns para recreação e relaxamento. Para Segre (2005) dinamismo, recreação, relaxamento são necessidades urgentes da cidade que a rua pode ajudar a atender, bem como proteger direitos humanos e manter significados culturais.

Dentre as intervenções no sentido de conceber o ambiente urbano mais democrático, Carr (1992 apud SEGRE, 2005) chama a atenção para as intervenções atuais no espaço da rua, observando que, nos últimos trinta anos, inúmeras novas ruas de pedestres, parques, praças e jardins comunitários foram construídos em grande parte das áreas urbanizadas do mundo, com grandes investimentos públicos e privados. Além disso, observa-se que antigos parques, áreas de lazer e praças públicas deteriorados estão sendo restaurados e reestruturados em muitas cidades. Os objetivos mais citados para a justificativa dessas intervenções incluem o bem estar público, as melhorias visuais e ambientais e o desenvolvimento econômico. Desta maneira, condicionantes urbanos como uso do solo e qualidade das calçadas e o papel do pedestre na ação de revitalização do espaço da rua se tornam decisivos na formação do ambiente urbano favorável ao usuário.

Independente do continente em que se viva, para Bauman (2005), o papel do espaço público – e consequentemente da rua – no século XXI será ainda ponto focal de discussões, palco de várias e novas ações e um campo fértil de atuação do homem em comunidade. O autor acrescenta que o desafio se trata de buscar uma adaptação da rua e dos espaços públicos a uma cidade onde a velocidade das mudanças é rápida e constante, onde vive uma sociedade que se contenta, em muitos casos, com espaços de passagem que sejam fluídos o suficiente para não se tornarem obstáculos a sua pressa.

Em contraponto ao caos das grandes cidades, a rua se torna vital como um respiro, um lugar de descompressão e precisa ser valorizado como tal, como forma de se equilibrar à tendência de espaços de convívio introvertido. Este espaço pode

inclusive ser coerente com a pressa citada por Bauman, permitindo o tráfego fluido e o estacionamento não só de carros, mas também de bicicletas e o caminhar de pedestres em espaços criados especificamente para cada um deles, como ciclovias, vias de alto tráfego e vias de caminhada, ou mesmo vias que permitam a coexistência dessas apropriações da cidade de maneira harmônica e eficiente. Desta maneira, torna-se possível a concepção do lugar público como um espaço urbano acessível, onde se produz o encontro da diversidade decorrente da presença e da coexistência de uma multiplicidade de pessoas, ofícios, comunidades e culturas que se complementam mutuamente (SEGRE, 2005).

Assim, a rua pode ser considerada como reflexo direto da essência da cidade, e neste sentido, suas características – quando dinâmica, quando viva, quando oferece mais qualidades do que desvantagens – incentivam a convivência por toda a cidade e podem até estimular as vias de trânsito rápido, mas poderá promover uma renovação de interesses no espaço e proporcionar um leque de atividades urbanas (GEHL, GEMZØE, 2001).