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CAPÍTULO 1. ESPAÇOS PLURIATIVOS DA AGRICULTURA FAMILIAR – UMA

1.4. Espaço

Para teorizar sobre a formação dos espaços pluriativos da agricultura familiar é preciso, antes, entender o conceito de espaço devido à centralidade do mesmo para esta pesquisa, buscando, desse modo, desconstruir a vaguidade muitas vezes presente em sua utilização.

O emprego da palavra espaço, tão utilizada por leigos e por estudiosos de diversas áreas, possui tantos significados – observando-se os usos listados em um dicionário – que por vezes torna-se difícil o entendimento do seu conceito. Em outros termos, a palavra adquire uma ambiguidade capaz de gerar uma confusão de conceitos, sendo até mesmo utilizada como sinônimo de paisagem, lugar e território (CORRÊA, 2010; SANTOS, 2012).

Observando as diversas correntes do pensamento geográfico e os intensos debates sobre os conceitos-chave desta ciência, Corrêa (2010) nos revela as acepções que a palavra espaço adquiriu no decorrer do tempo. Assim, segundo Corrêa (2010), para a Geografia tradicional, o conceito de espaço não era considerado central, sendo privilegiados os conceitos de paisagem e região. Entretanto, nesta corrente é possível encontrá-lo nas obras de Ratzel e Hartshorne.

Ratzel desenvolveu o conceito de espaço vital, o qual “[...] expressa as necessidades territoriais de uma sociedade em função de seu desenvolvimento tecnológico, do total de população e de recursos naturais” (CORRÊA, 2010, p. 18). O espaço vital pode ser percebido ainda “[...] como base indispensável para a vida do homem, encerrando as condições de trabalho, quer naturais, quer aqueles socialmente produzidos” (CORRÊA, 2010, p. 18).

Em Hartshorne (1939, apud CORRÊA, 2010, p. 18) o conceito de espaço adquire centralidade, sendo admitida a importância para a geografia de sua descrição e análise. Corrêa (2010, p. 19) afirma que Hartshorne desenvolveu o conceito de espaço absoluto, que representa “[...] um conjunto de pontos que tem existência em si, sendo independente de qualquer coisa. É um quadro de referência que não deriva da experiência, sendo apenas intuitivamente utilizado na experiência”. Assim, o espaço absoluto é utilizado com o sentido de área, surgindo como um “[...] receptáculo que apenas contém as coisas” (CORRÊA, 2010, p. 18).

Na geografia teorético-quantitativa, a partir da década de 1950, o conceito de espaço surge como conceito-chave, sendo pensado através da noção de planície isotrópica e por meio da sua representação matricial (CORRÊA, 2010). Dessa maneira, a primeira expressão se refere, teoricamente, a uma superfície de “[...] lugares iguais [nos quais] desenvolvem-se ações e mecanismos econômicos que levam a diferenciação do espaço. Assim o ponto de partida é a homogeneidade, enquanto o ponto de chegada é a diferenciação espacial [...]” (CORRÊA, 2010, p. 21). Já a representação matricial, buscava representar o espaço geográfico por meio de uma matriz, sendo utilizada tanto por economistas quanto por geógrafos (CORRÊA, 2010).

A partir da década de 1970, surge a geografia crítica e a questão espacial continua no cerne das discussões – as quais envolvem a presença ou não do espaço nas obras de Marx e, ainda, a compreensão da natureza do espaço. Assim, cabe destacar a obra de Henri Lefébvre e também a de Milton Santos – o qual foi influenciado pelo primeiro – e suas contribuições para a construção de uma teoria espacial. Segundo Lefébvre (1976),

Do espaço não se pode dizer que seja um produto como qualquer outro, um objeto ou uma soma de objetos, uma coisa ou uma relação de coisas, uma mercadoria ou um conjunto de mercadorias. Não se pode dizer que seja simplesmente um instrumento, o mais importante de todos os instrumentos, o pressuposto de toda produção e de todo o intercâmbio. Estaria essencialmente vinculado com a reprodução das relações (sociais) de produção (LEFÉBVRE, 1976, p. 34 apud CORRÊA, 2010, p. 26).

Na obra de Santos (1977) é possível encontrar uma teorização a respeito da formação socioespacial ou mesmo formação espacial, a qual estabelece que “[...] uma sociedade só se torna concreta através de seu espaço, do espaço que ela produz e, por outro lado, o espaço só é inteligível através da sociedade” (CORRÊA, 2010, p. 26). Segundo Santos (2012)

O espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável, de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento [...] O espaço, por conseguinte, é isto: um conjunto de formas contendo cada qual frações da sociedade em movimento (SANTOS, 2012, p. 30 e 31).

Ainda na década de 1970, nasce a geografia humanista, a qual se baseia na subjetividade, na experiência, na intuição e no simbolismo, e o espaço tende a ser entendido como espaço vivido, sendo aceito a existência de diversos tipos de espaço, tais como “[...] um espaço pessoal, outro grupal, onde é vivida a experiência do outro, e o espaço mítico-conceitual que, ainda que ligado à experiência, extrapola para além da evidência sensorial [...] e em direção a estruturas mais abstratas” (TUAN, 1979, apud CORRÊA, 2010, p. 30). Assim, temos que “O espaço vivido é uma experiência contínua, egocêntrica e social, um espaço de movimento e um espaço-tempo vivido... (que) se refere ao afetivo, ao mágico, ao imaginário” (HOLZER, 1992, p. 440, apud CORRÊA, 2010, p. 32).

Percebemos então, a existência de diversos tipos de espaço, cada qual com significados muitas vezes distintos, sendo utilizados segundo as necessidades explicativas de quem deles se apropriam. Nesta perspectiva, ao tentar explicar o espaço, Corrêa (2010) conclui:

Eis o espaço geográfico, a morada do Homem. Absoluto, relativo, concebido como planície isotrópica, representado através de matrizes e grafos, descrito através de diversas metáforas, reflexo e condição social, experienciado de diversos modos, rico em simbolismos e campo de lutas, o espaço geográfico é multidimensional. Aceitar esta multidimensionalidade é aceitar por práticas sociais distintas que [...] permitem construir diferentes conceitos de espaço.

Torná-lo inteligível é, para nós geógrafos, um tarefa inicial. Decifrando-o [...] revelamos as práticas sociais dos diferentes grupos

que nele produzem, circulam, consomem, lutam, sonham, enfim, vivem e fazem a vida caminhar... (CORRÊA, 2010, p, 44).

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