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A definição do espaço, objeto deste estudo de caso, quer do ponto de vista histórico, populacional, administrativo ou dos recursos, permite perceber a importância dos fatores naturais condicionantes, a posição de Esposende no recorte litoral, os poderes instalados e como as comunidades interagiram entre si, contribuindo para a análise das variáveis que podem explicar os processos de governo da natureza.

1.1 — O quadro geomorfológico e a ocupação do território

A freguesia de Fão situa-se hoje na margem sul da foz do Cávado, pertence ao concelho de Esposende, distrito de Braga. Faz fronteira a oeste com o Oceano Atlântico, a sul com a freguesia da Apúlia e a este com a freguesia de Fonte Boa (Figura 1).

Era uma unidade do concelho de Barcelos, em 1789, quando Lacerda Lobo explicava que, vindo de Viana para sul da vila da foz do Lima, a três léguas, ficava a vila de Esposende, na margem setentrional do Cávado, e quase meia légua distante da sua foz ficava o lugar de Fão, situado num areal próximo do mar, distante duas léguas da cabeça de concelho, que ficava a nascente64.

64 LOBO, Constantino Botelho Lacerda — Memória sobre algumas observações feitas no ano de 1789

relativas ao estado da pescaria da província de Entre Douro e Minho in Memórias Económicas da Academia da Ciências de Lisboa. Lisboa: Banco de Portugal, 1991. Tomo IV, p. 308.

Figura 1- Carta Militar de Fão

Fonte: Carta Militar do Instituto Geográfico do Exército: Escala 1/25000, folha nº68 (1997).

O rio Cávado nasce na serra do Larouco (Fonte da Pipa), a 1520 metros de altitude. Atravessa os concelhos de Montalegre, Terras de Bouro, Vieira do Minho, Amares, Póvoa de Lanhoso, Vila Verde, Braga, Barcelos e Esposende, desaguando no Atlântico, a 135 quilómetros da nascente65. Em 1758, o pároco de Esposende, Manuel Velho da Costa, referia que o Cávado nascia «adiante da villa de Monte Alegre em Barrozo, perto do Reino de Galiza»66 e o seu congénere de Fão, que nascia nas arraias do Reino da Galiza, e num percurso de doze léguas, passava por Bouro, Rio Caldo, Ponte do Porto, Amares,

65 PAREDES, Aquilino — A bacia hidrográfica do Cávado. Porto: Projecto de Gestão Integrada dos

Recursos Hídricos do Norte, Direcção Geral dos Recursos Naturais, 1990.

66 ESPOSENDE, Santa Maria dos Anjos de. CAPELA, José Viriato — As freguesias do distrito de

«Bao do Bico», Prado, Soutelo, Vilar de Frades, Barcelos, «Prelhal», «Gemezes», Fonte Boa, Fão e Esposende67.

Consta, como alguns autores escreveram, que o lugar de Fão e a foz do Cávado (Águas Celenas) seriam locais onde o rei Salomão explorara ouro. Em 1597, Frei Bernardo de Brito, na sua obra sobre a Lusitânia, esclarece que o rio Celando era o rio Cávado e não o rio Leça68. E em 1758, o então pároco de Esposende, Manuel Velho da

Costa, menciona que Celano era a designação atribuída «na antiguidade», segundo «dizem alguns historiadores»69 e o de Fão, Miguel Rodrigues Álvares. que a designação

seria Celando70.

A bacia hidrográfica do rio Cávado é limitada, a norte, pelas bacias dos rios Neiva e Lima e, a sul, pelas dos rios Ave e Douro, e abarca uma área de 1600 quilómetros quadrados. O escoamento anual do rio é de 2123 hectómetros cúbicos. A bacia hidrográfica deste rio apresenta uma armazenagem de recursos hídricos de 1180 metros cúbicos, em regime regularizado, que representa cerca de 30% do total existente no país71. João de Barros, na sua Geografia, em 1548, refere que a terra em redor do Cávado era fértil, suave a fresca72. No que respeita à fertilidade do Cávado, também Bernardo de Brito enumera que nele se pescavam muitos peixes, como trutas, bogas, sáveis, lampreias e outros peixes73, enquanto, em 1758, o pároco de Esposende escreveu que no rio se criavam escalos, vogas e trutas e que do mar entravam nele tainhas, mujes, robalos, lampreias, solhas e sáveis e que ao mar os pescadores iam buscar lagostas, congros e sardinhas e se «usazzem de caçar pescadas» seriam mais ricos como os pescadores de Fão e da Póvoa de Varzim74. O pároco de Fão, na mesma data, conta que no rio se pescavam lampreias, salmões e iris, que vinham do mar e que toda a pescaria era livre, exceto entre

67 FÃO, S. Paio de. CAPELA, José Viriato — As freguesias do distrito de Braga...pp. 263.

68 BRITO, Bernardo de - Geographia Antiga da Lusitania. Em Alcobaça: por Antonio Aluarez, 1597. p.

10

69 ESPOSENDE, Santa Maria dos Anjos de. CAPELA, José Viriato - As freguesias do distrito de

Braga...p. 261.

70 FÃO, S. Paio de. CAPELA, José Viriato — As freguesias do distrito de Braga...p. 263. 71 PAREDES, Aquilino — A bacia hidrográfica do Cávado...

72 BARROS, João de — Geographia d’Entre Douro e Minho e Tras-os-Montes. Porto: Tipografia

Progresso de D. A. da Silva, 1919. p. 28

73 BRITO, Bernardo de — Geographia Antiga da Lusitania...p. 11

74 ESPOSENDE, Santa Maria dos Anjos de CAPELA, José Viriato — As freguesias do distrito de

janeiro e o dia de Páscoa, em que apenas a Casa de Bragança podia mandar pescar com redes75.

O caudal do rio não era estável ao longo do ano76. O Padre Jerónimo Contador de Argote, ainda para o século XVIII, menciona que, no Verão, o rio era navegável até Mereces (Barcelinhos, Barcelos), a duas léguas de Fão, onde havia uma ponte por cima e que fazia a comunicação entre esta freguesia do termo e a cabeça do termo, Barcelos, e que não existia memória de que as embarcações conseguissem a proeza de ultrapassar, para montante, este local. Já no Inverno, era possível navegar-se até Barcelos, sendo que, anteriormente, apenas até Vilar de Frades (uma légua a montante de Barcelos), como faziam os fangueiros77. A propósito do caudal, em 1758, o pároco de Esposende refere que o rio nascia «bastantemente caudelozo», mas ao passar na sua paróquia «hé morto», mas corria durante todo o ano. Este clérigo também refere que o rio corria «bastantemente arebatado», mas que a partir de Barcelos «hé bastantemente morto» e que, durante o Verão, e somente quando a maré o permitia, embarcações pequenas conseguiam nele navegar78. Em 1863, Arnaldo Gama, no seu romance intitulado Sargento-Mor de Vilar a propósito da invasão francesa de 1809, escreveu que no Verão o rio se estreitava a noroeste, dividindo-se em cinco ou seis regatos, muito facilmente transponíveis a salto, mas durante o Inverno «transmonta caudaloso»79.

Os afluentes do Cávado, com percursos mais ou menos sinuosos, formam uma rede hidrográfica apertada80. O rio Cávado tem como afluentes, na margem direita, o rio Cabril (que desagua na barragem de Salamonde, após um percurso de 14 quilómetros), o rio Caldo (nasce em Vilarinho das Furnas e desagua em Rio Caldo), o rio Homem (com 37

75 FÃO, S. Paio de. CAPELA, José Viriato — As freguesias do distrito de Braga...p. 263.

76 Atualmente, o controlo do caudal foi sujeito a um processo de regulação. Com efeito, o sistema Cávado-

Rabagão-Homem é composto por diversas barragens para aproveitamento hidroelétrico: Paradela, Salamonde, Caniçada, Alto Cávado, Alto Rabagão, Venda Nova, Penide e Vilarinho das Furnas. Este sistema hidroelétrico contribuiu com 4% para a disponibilidade hídrica do país. Veja-se PAREDES, Aquilino — A bacia hidrográfica do Cávado...

77 ARGOTE, J. Contador de — Memórias para a História Eclesiástica do Arcebispado de Braga,

Primaz das Hespanhas. Lisboa: Officina de Joseph Antonio da Silva, 1732-1734. Livro III. Cap. VII, p. 866 e 867

78 ESPOSENDE, Santa Maria dos Anjos de. CAPELA, José Viriato — As freguesias do distrito de

Braga...p. 261.

79 Citado por MARQUES, Francisco - Rio Cávado. [S.l.]: Edição de Autor, 2009. pp. 5-6.

80 TEIXEIRA, Carlos; MEDEIROS, A. Cândido — Carta Geológica de Portugal. Notícia Explicativa

quilómetros e que nasce na Serra do Gerês), o rio Labriosca (nasce em São João de Bastuço, Barcelos) e o rio Tamel (que se estende do monte de Tamel de Louzada e de Santa Maria de Alheira). Na margem esquerda, recebe o rio Rabagão (nasce entre a Serra do Larouco e Barroso e, após, 37 quilómetros, desagua entre Montalegre e Vieira do Minho) e o rio Saltadouro ou da Cabreira (que nasce na Serra da Cabreira, na freguesia do Salto, Montalegre).

Em 1548 e 1610, João de Barros e Duarte Nunes de Leão, respetivamente, referem que o rio Cávado, que tinha como afluente o rio Neiva, desembocava no mar entre Esposende e Fão. Nele havia algum espaço navegável e grandes e variados géneros de pescado81. Como conclui Suzanne Daveau, os eruditos coreógrafos copiavam-se uns aos outros e Fernando Álvares Seco, no seu mapa de 1561, que representa a rede hidrográfica de Portugal já demonstrava que o rio Neiva desaguava a norte e não era um afluente do curso fluvial em estudo82.

Em 1758, o vigário esposendense menciona que o rio Homem entrava no Cávado «ondem chamam o Vao do Bico acima da villa de Prado», um riacho que «dece por Nossa Senhora da Abadia» (que se pode tratar do rio Caldo) e outro que «dece das montanhas do Gerês» (que se pode tratar do rio Cabreira), «além de muitos outros regatos»83. Já o vigário fangueiro refere somente o rio Homem que desembocava «na freguezia de Sam Joam de Soutello, nas vizinhanças da villa de Prado»84.

No seu troço terminal, nas secções a montante do Marachão, as marés já se fazem sentir, conseguindo a água salgada penetrar quando o caudal é mais baixo85. A propósito das marés, João Baptista de Castro expõe que entre Fão e a barra, o curso fluvial volta

81 BARROS, João de — Geographia d’Entre Douro e Minho e Tras-os-Montes...p. 28; LEÃO, Duarte

Nunes de — Descrição do Reino de Portugal. Em Lisboa: impresso com licença, por Iorge Rodriguez, 1610. p. 37.

82 DAVEAU, Suzanne — A Rede Hidrográfica no mapa de Portugal de Fernando Álvaro Seco (1560).

Finisterra. Lisboa: Centro de Estudos Geográficos, 2000. Vol. XXXV, nº 69 (2000). p. 27.

83 ESPOSENDE, Santa Maria dos Anjos de CAPELA, José Viriato — As freguesias do distrito de

Braga...p. 261.

84 FÃO, S. Paio de. CAPELA, José Viriato — As freguesias do distrito de Braga...p. 263. 85 PAREDES, Aquilino — A bacia hidrográfica do Cávado...

para norte, fazendo uma espécie de C, o que faz com que as marés quebrem a sua força86 (Figura 1).

O rio Cávado, entre Barcelos e a foz, corre no sentido nordeste-sudoeste, descaindo, e depois, de este para oeste, na parte final, infletindo para nor-noroeste87. Em 1651, os beneditinos Frei Leão de São Tomás, Frei António de Aveiro, Diogo Gomes de Loureiro e Manuel de Carvalho referem que o «rio Cadavo», com um curso no sentido Nascente- Poente, banhava a vila de Barcelos e que daí desaguava no «mar Oceano» entre Fão e Esposende88.

Figura 2 — Carta Geolóica de Portugal. Folha 5-C

Fonte: Serviços Geológicos de Portugal — Carta Geológica de Portugal. Folha 5-C. Lisboa; [s.n.], 1969.

86 CASTRO, João Baptista de — Mappa de Portugal. Lisboa: Off de Francisco Luiz Ameno, 1762-1763.

Parte I, p. 115

87 TEIXEIRA, Carlos; MEDEIROS, A. Cândido — Carta Geológica de Portugal...p. 7

88 SÃO TOMÁS, Leão de; AVEIRO, Frei António de; LOUREIRO, Diogo Gomes de; CARVALHO,

Manuel de —Benedictina Lusitana dedicada ao grande patriarcha S. Bento. Coimbra: na officina de Manoel de Carvalho, 1651. Vol. I, p. 375.

O leito do rio é variável: ora é estreito e apertado, ora é largo e de margens baixas89. Nestas existem diversas manchas de depósitos de terraços, escalonados a diversas cotas, que testemunham a evolução do rio durante o Quaternário90. Existem importantes depósitos de terraços formados por calhaus rolados, areias e argilas, escalonados a diferentes altitudes. Entre Fão e Barcelos, estes terraços definem o antigo estuário do Cávado91. Os depósitos fluviais existentes entre Barcelos e Apúlia mostram que o rio

Cávado teve o estuário localizado nesse espaço, durante parte do Quaternário. Provavelmente, devido a um fenómeno de captura, orientada pela tectónica, que a existência de uma falha geológica comprova, o rio passou a correr no leito atual92 (Figura 2).

Relativamente a este último aspeto, Helena Granja afirma que a foz de Fão se assoreou desde o século XVI e que a desembocadura do Cávado se situaria mais a sul, no momento anterior ao final do século XV93 (Figura 3).

89 A montante de Penide (Areias de Vilar, Barcelos), o rio corre encaixado, de tal forma que a topografia

foi aproveitada para a instalação da Central Hidroelétrica de Penide. Próximo da foz, o rio corre também encaixado entre Arnelas e a Sr.ª da Consolação. Vide TEIXEIRA, Carlos; MEDEIROS, A. Cândido — Carta Geológica de Portugal...p. 7

90 TEIXEIRA, Carlos; MEDEIROS, A. Cândido — Carta Geológica de Portugal...p. 7 91 TEIXEIRA, Carlos; MEDEIROS, A. Cândido — Carta Geológica de Portugal...p. 11. 92 TEIXEIRA, Carlos; MEDEIROS, A. Cândido — Carta Geológica de Portugal...p. 43-44.

93 GRANJA, Helena — Multidisciplinary Analysis of Historical Sources. The Geo-Morphological

Approach. European Seaport Systems in The Early Modern Age- A comparative approach. International Workshop, Proceedings. Porto: IHM-UP, 2007. pp. 70-78.

Figura 3 — Paleoestuário do rio Cávado e localização hipotética da antiga foz Fonte: Reconstituição paleoambiental da zona costeira, a norte da laguna de Aveiro, desde a Idade Média até à Actualidade. O Litoral em Perspectiva Histórica (séc. XVI a XVIII). Porto: Instituto de História Moderna, 2002. p. 109.

As bases de salinas, de xisto, à beira-mar, entre São Bartolomeu do Mar e Belinho, assentam num leito de areia grossa de mistura com seixos miúdos, estando cobertas por dunas de grandes proporções. Estas, que se encontram hoje a 3 metros acima do nível médio das águas do mar, poderiam estar, num momento anterior, a uma altitude superior94 (Figura 4). Por outro lado, alguns textos históricos e descobertas arqueológicas, no estuário do rio Cávado, localizaram os destroços de um navio do século XVI, no

94 ALMEIDA, Carlos Alberto Brochado de — Salinas Medievais entre o Cávado e o Neiva. Bracara

Varadouro95, indicando que se estaria perante um canal mais largo e profundo, desassoreado, onde, possivelmente, caravelas poderiam navegar. Este facto é também comprovado pela existência de uma zona húmida, hoje ocupada, parcialmente, pela mancha construída da cidade de Esposende. Por outro lado, a foz do rio seria na barra de Fão que, como já foi referido, nos finais do século XV estaria completamente assoreada. Com a obstrução da saída natural, foi aproveitado o braço norte, tendo-se para tal aberto e alargado uma barra perto de Cepães, que deu lugar à barra de Esposende e a partir da qual a vila se viria a desenvolver96. Sondagens levadas a cabo no lugar da Bonança (Fão),

parecem indicar que os sedimentos neste local têm uma origem fluvial e, provavelmente, a foz do Cávado passaria perto deste local, mais a sul (Figura 3).97

Durante o Holocénico final, o Cávado teve vários paleoambientes. Antes de 1780 ± 150 anos BP, existiu uma abrupta invasão marinha do estuário, que, à época, seria um ambiente de água doce ou salobra. Posteriormente, o paleoestuário evoluiu para um ambiente pantanal, de água salobra e estagnada, com sucessivos enchimentos provocados por tempestades ou pela mudança da posição do estuário. Seguidamente, formou-se uma espécie de sapal, com a continentalização do espaço, povoado por plantas aquáticas e água doce98.

Pouco mais a sul, há que referir que a lagoa da Apúlia, hoje completamente assoreada, receberia, no primeiro milénio, alguns barcos que transportavam ânforas de azeite e vinho (Figura 3)99. De igual modo, na costa a norte, navegariam barcos que transportavam estes produtos, como o demonstra a escavação na praia de Rio de Moinhos100. O padre Jerónimo Contador de Argote retoma o nome mítico do rio, 95 ALVES, F. — A arqueologia subaquática em Portugal em velocidade cruzeiro. Mundo submerso. Nº50,

Ano V (2001). p. 39.

96 FELGUEIRAS, José — A pilotagem e pilotos-mores da barra de Esposende. Esposende: [Edição de

Autor], 1998. p. 18.

97 GRANJA, Helena Maria — Repensar a geodinâmica da zona costeira: o passado e o presente: que

futuro? (O Minho e Douro Litoral). Tese de doutoramento apresentada à Universidade do Minho. Braga, 1990.

RIBEIRO, Orlando; LAUTENSACH, Hermann; DAVEAU, Suzanne — Geografia de Portugal. 2ª edição. Lisboa: Edições João Sá da Costa, 1987-1990. Vol I, p. 139.

98 GRANJA, Helena — Late Pleistocene and Holocene Sea-level, neotectonic and climatic indicators in the

northwest coastal zone of Portugal. Geologie in Mijnbouw. Nº 77 (3-4) (1999). pp. 233-245.

99 NEIVA, Manuel Albino Penteado Neiva — Esposende: Páginas de Memórias...

100 O irado mar Atlântico: o naufrágio bético augustano de Esposende (Norte de Portugal); ed. Rui

«Celando», para referir que, no período romano, o espaço navegável do curso fluvial era muito superior ao que o era nos inícios da década de 30 do século XVIII101.

Quer na foz do Cávado, quer ao longo do seu curso (Barca do Lago, Fonte Boa, Rio Tinto, areal de Caíde) acumulam-se aluviões recentes: areias e lodos fluviais, depósitos argilosos de fundo de vale102. A argila destes terraços tem uma importância económica

na medida em que se constituíram e constituem como matéria-prima da indústria cerâmica que se desenvolveu entre Barcelos e o Prado103 (Figura 2).

No que concerne ao espaço costeiro em estudo, é baixo e arenoso, mas em alguns pontos surgem afloramentos estreitos xistosos ou quartzíticos, como os “Cavalos de Fão”104 (Figuras 1 e 2). No sentido sul-norte, desde a Apúlia até à foz do Neiva, a costa é

povoada por afloramentos rochosos, vulgarmente conhecidos por “recifes”. Os fundos são de pedra, exceto nalguns pontos da costa onde são de areia105 (Figura 2). Entre estas cadeias de recifes há passagens com fundos que variam entre os 5 e os 15 metros de profundidade em baixa-mar, sendo o mais conhecido o do Forcadinho. Estes recifes podem tornar-se uma armadilha para o navegante que não conheça a sua localização, associada às correntes, aos ventos e ao nevoeiro. Junto a Esposende, existem três linhas de recifes, maioritariamente submarinos, orientados para noroeste. No sentido norte-sul, a primeira linha é formada, a partir do lado da terra, pelos recifes de Cernelha, Eiró, Lares e Barril; a segunda linha, central, é formada pelos recifes de Queixada, Cavalo, emergentes nas suas cristas, Cavalinho, Moinhos, Forcadinho, Pinheiro e Foz, mais ao largo; a terceira linha é formada pela Pena, emergentes, Calas e Roncador106. No que respeita ao Foz situa-se a uma milha a oeste de Esposende e é uma armadilha para quem navega, uma vez que fica a três braças abaixo do nível das águas do mar, não sendo visível107.

101 ARGOTE, J. Contador de — Memórias para a História Eclesiástica...Livro I, Cap. VIII, p. 104. 102 TEIXEIRA, Carlos; MEDEIROS, A. Cândido — Carta Geológica de Portugal...p. 11.

103 TEIXEIRA, Carlos; MEDEIROS, A. Cândido — Carta Geológica de Portugal...p. 12 104 TEIXEIRA, Carlos; MEDEIROS, A. Cândido — Carta Geológica de Portugal...p. 8. 105 TEIXEIRA, Carlos; MEDEIROS, A. Cândido — Carta Geológica de Portugal...

106 RIBEIRO, A. Sousa — O fundeadouro na costa em frente a Esposende. Revista Colonial. 46 (1913). p.

2.

Os “Cavalos de Fão” são afloramentos de xisto visíveis na maré vaza, situados a uma milha da costa, entre a praia de Ofir (Fão) e a oés-sudoeste da barra de Esposende (Figura 1). Estes afloramentos estão referenciados nas mais antigas cartas de navegação, pela sua localização e características da área, muito propensa a nevoeiros cerrados, considerados perigosos. Os “Cavalos”, compostos por seis afloramentos, formam uma espécie de baía (Figura 1), e o maior, “O Cavalo”, só nas marés equinociais é que é coberto pelo mar, e o “Pena” só nas preias-mares de marés vivas. Já o Cavalinho, Moinho e Revés são visíveis nas restantes marés altas. A Queijada, a ponta sul, é visível a meio da maré das águas mortas e a ponta norte na maré cheia. Os naufrágios ocorridos devem- se às pedras destas pontas, onde as embarcações se fraturam, naufragando mais adiante ou então porque passaram pela terra destes baixos108.

Das corografias e descrições geográficas analisadas, apenas duas aludem aos ditos “Cavalos de Fão”. António Carvalho da Costa, no início do século XVIII, refere que nos Cavalos de Fão, na baixa mar, entre Janeiro e o dia de Páscoa, há muito marisco e que é colocada uma estacada no rio, que se arma de noite com redes109. Por outro lado, João Baptista de Castro, por volta de 1762, refere que os navios podiam bordejar nestes cachopos110, pois em preia-mar tinham cerca de cinco a seis palmos de fundo111. Já em 1758, o pároco de Fão refere «um sitio de penedos a que chamam os Cavallos que está nas vizinhanças da praia», apto para que nele ancorem grandes navios, «sem perigo da furia do mesmo mar, em rezam de os ditos penedos fazerem hum meio circolo, que por modo de enseada, conserva ali as embarcaçoens»112.

Entre o rio Neiva e a Póvoa de Varzim existe uma costa baixa e coberta de areias. Durante o primeiro milénio ou ainda antes, o mar avançava mais a este, no território entre o rio Neiva e Esposende, verificando-se que o mar atingiria o traçado da atual Estrada

108 LARCHER, Jorge das Neves — Monografia de Fão. Esposende: Typografia e Papelaria Cávado,

1948. p. 8

109 COSTA, António Carvalho da —Corografia portugueza, e descriçam topografica do famoso reyno

de Portugal.... 2ª ed.. Braga: Typographia de Domingos Gonçalves Gouveia, 1868-1869 [1ªedição 1706- 1712]. Tomo I, p. 311.

110 Navegar em ziguezague, quando se veleja próximo do vento, o que exige virar de bordo para ser possível

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