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o espaço na caligrafia japonesa

e a materialidade da caligrafiaA linha e o espaço,

2.1.2 o espaço na caligrafia japonesa

Tão importante quanto a linha da caligrafia, é o espaço que ela percorre. Para Sato (1999: 55), o espaço da caligrafia tem uma conotação diferente do espaço branco ocidental (que implica, geralmente, num vazio ou numa falta de algo – um espaço à espera de ser preenchido). Ao contrário, na caligrafia, o espaço é ativado – apenas quando a composição ou as linhas não funcionaram, é que é um espaço esvaziado, num sentido negativo.

Em japonês, a palavra yohaku, mais que branco, refere-se ao branco ao redor da linha e dos caracteres. É o branco que não é usado para a escrita da linha e, assim, “que sobra”. De forma diferente do que a tradução para inglês pode sugerir, que o branco está em excesso e não é mais necessário, o branco é, na verdade, essencial para o impacto total das linhas individuais a serem sentidas, e parte integral do trabalho como um todo. A linha preta passa através do branco, como um barco pela água, as ondas criadas por esse passar são sentidas pelo branco. O branco não é um espaço passivo ou um vácuo a se entrar e que não é afetado pela linha; ele é energizado e ativado por ela. (ibidem: 58)

Esse espaço não se relaciona com o espaço negativo no sen- tido pictórico (o espaço demarcado pelo contorno/linha da composição), mas há semelhanças com o espaço da escultura e o espaço cênico (ibidem).

O calígrafo, quando encara a página branca antes de es- crever, não deve se perguntar como vai preenchê-la, e sim, qual a melhor forma de ativá-la (SATO, 1999: 55).

Assim, toda folha em branco é, para o calígrafo, um espaço em potencial no qual ele interage e modifica através do pincel, no fazer a linha. A autora citada, Christine Flint Sato (1999), escreveu o livro Japanese Calligraphy, de onde foram tiradas as citações sobre o espaço até agora, baseada na sua experiência de dez anos como estudante de caligrafia de Seika Kawabe, calígrafo da vanguarda; portanto, é natural que suas referências se contaminem de todo o trajeto do

zen’ei’sho.

Parece ser importante, para refletir melhor sobre o espaço da caligrafia japonesa, rever o conceito de ma, o elemento da cultura japonesa, que faz referência a tempo, espaço e tempo-espaço. O ma está presente nas artes, na arquitetura, no design, na religião, no cotidiano japonês e até mesmo na

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Trabalho exposto na exposição Mestres do Sho Contemporâneo, no MASP, em 2008. Poesia do tipo haiku.

MAINI

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O ideograma de ma, 間, é representado por

um sol no meio de um portão aberto. Vindo da China, no Japão ele adquiriu, além da noção de espaço, a de tempo e a de tempo- espaço (Komparu, 1983; Greiner, 2001). Masakatsu Gunji (1970: 72 citado por Greiner, 1998) o descreve como “o espaço ou tempo entre um movimento e outro. No entanto, não é simplesmente o espaço vazio. É um tempo-espaço que pode ser transposto artisticamente”. Hachimoto (citado por Greiner, 2001: 40) o define como “um lugar que estimula as energias potenciais e transforma a potencialidade em realidade”. Mas essa potencialidade, observa Michiko Okano (2007: 11),

à qual se faz referência, não correspon- de à infinita potencialidade de tudo vir a acontecer, porque, necessariamente, ma se apresenta como um entre-espaço. De acordo com Gilles Deleuze (1968 apud levy, 1996: 15-16) “O possível já está todo construído, mas permanece no limbo. O possível se realizará sem que nada mude em sua determinação, nem em sua natureza. É um real fan- tasmagórico, latente [...] só lhe falta existência”, enquanto “as virtualidades não tem existência prévia, necessitando para a sua concretização uma criação, constituindo-se num estágio anterior à possibilidade”. É plausível afirmar que ma se situa na conjunção entre possibilidade e a virtualidade; nele se insere, inevitavelmente, a característica do “entre-espaço”, o que não impede que ele esteja imbuído de uma cons- tante construção criativa com o meio circundante.

Sendo algo culturalmente construído, o ma

pode se relacionar com o mu e kû budista92:

Kû (vazio) é a teoria central da Escola

Madhyyamika, do pensador Nagarjuna, para quem o mundo é formado por

kû e shiki (vazio e forma): para que a

forma se torne existência, deve haver também a não-forma e isso se aplica à

impermanência das coisas. [...] Daisetsu Suzuki salienta que o kû se relaciona com a coexistência dos opostos, e que só é compreensível por aquele que conse- guir entender que o momento presente, do aqui e agora é justamente o tempo in- finito, o que pode ser extensivo à idéia do

mu, que não é uma simples negação, que

se opõe à afirmação (OKANO, 2007: 18).

Essa possibilidade de se relacionar o ma com o kû talvez explique a visão do espaço como um local de “ativação” da escrita, que implica também a coexistência dos opostos, vista nas relações da forma/não-forma, da linha/ espaço.

Na caligrafia, as referências diretas ao ma aplicam-se ao espaço do papel. Pilgrim (1986: 259) o liga, em alguns casos, à palavra yohaku e kûhaku; Sato (1999) vai relacioná-lo especifi- camente ao espaço entre as colunas no estilo caligráfico kana. Komparu (1983: 72) cita o ma utilizando a relação figura-fundo da Gestalt, e dá como exemplos os três estilos caligráficos

kaisho, gyôsho e sôsho, onde o ma estaria

mais evidente na composição com o sôsho.

Finalmente, chegamos à composição do estilo sô, uma estrutura na qual a parte expressiva serve de suporte para a par- te em branco. Na forma mais extrema, a parte expressiva existe apenas para dar forma ao branco, e é progressivamente abreviada no processo de construí-lo afim de fazê-lo simbólico. A parte bran- ca criada pela parte expressiva é o cen- tro da composição, ma, uma entidade que realmente existe.

Durante essa pesquisa, me surpreendia que o ma só aparecesse através de referências escritas, e que essa palavra passasse completamente ignorada nas aulas,

entrevistas e conversas com as pessoas. Por isso, fiquei surpreso, quando, em outubro de 2008, num encontro com o sensei Morimoto Ryûseki, um dos calígrafos que expôs na

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Mu, por Morimoto Ryûseki.

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Cena de rã iniciando a hibernação (1969), de Aoki Kôryû. A linha diminui a sua intensidade, acompanhando o movimento da rã.

MAINI

75 mostra Mestres do Sho Contemporâneo, no

MASP, esse sensei citou nominalmente o

ma – exemplificando-o através dos espaços

entre as colunas de texto (em geral os textos em japonês são escritos verticalmente, de cima para baixo e da esquerda para direita) e entre as letras. Neste último tipo, Morimoto chamou atenção às “linhas imaginárias” que se formam entre os caracteres, que completam um fluxo de escrita ininterrupto. Embora o conceito tenha sido apresentado objetivamente, sem um apelo mais filosófico, ao refletir sobre essas linhas imaginárias, surgem indicações importantes sobre o ma na obra de caligrafia. Num texto vertical, a continuidade na escrita, mesmo nos espaços em branco, lembra um jogo do visível/

invisível93, em que o invisível mostra o visível.

Esses espaços correspondem a uma breve pausa na escrita da palavra, mas não no ato da escrita em si, já que o braço flutua levemente sobre o papel – para então retornar ao espaço branco que se faz linha. Esses intervalos (de tempo e de espaço) sempre são breves, devido à continuidade que a escrita caligráfica exige, mas eles são fundamentais no trabalho da caligrafia como um todo, se ele “funciona” ou não. Já no espaço entre as colunas, esses intervalos são um pouco maiores, pois envolvem uma distância maior, do fim da coluna (embaixo) ao início da outra coluna de texto (em cima).

O silêncio inicial sobre o ma, descrito antes, depois se revelou como um silêncio ”presente”, lembrando que o ma é um senso comum no Japão – e por isso muitas vezes não é nem sequer mencionado.

É interessante notar, também, que as pausas, os espaços, o ma, até agora descritos, podem se aproximar das pedras dos jardins japoneses, que também tem seu ma. Nos jardins, as pedras nunca são colocadas aleatoriamente, pelo contrário: cada pedra assume um papel importante dentro do

caminho todo, que provocam pausas que dirigem o olhar. Na caligrafia, pode-se dizer que a pausa também permite isso – um olhar entre, localizado na escrita como um todo – ainda que isso aconteça de modo diferente e intuitivo.

As reflexões sobre o ma se pautaram até agora sobretudo a partir do ma do papel da caligrafia. Porém, uma outra possibilidade de se pensá-lo na caligrafia é através do que sugere Christine Flint Sato: “o calígrafo que ativa o branco”, ou seja, o corpo do calígrafo envolvido diretamente no ma como intervalo enquanto possibilidade artística. No entanto, devido à própria complexidade envolvida na caligrafia, esse tema será retomado no capítulo 3, justamente aquele que pensa o corpo e a caligrafia.

A linha e o espaço, portanto, constituem elementos essenciais na caligrafia, mostram- se igualmente opostos e complementares e cabe ao calígrafo explorá-los bem. No entan- to, para que consiga isso, de fato, o calígrafo necessita concretizar essa expressão através de recurso materiais. Na caligrafia chinesa e japonesa, os materiais básicos da caligrafia são chamados os “quatro tesouros” do calí- grafo: a tinta, o recipiente de tinta, o papel e o pincel. No entanto, com a trilha aberta pelo

zen’ei’sho, no pós-Guerra, uma parte da cali-

grafia contemporânea, ainda hoje, continua expandindo o significado da caligrafia, o que dá novos contornos, suportes e conceitos para a materialização da caligrafia.

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Molde para confecção de sumi em barra (região de Nara)

2.2. A mAtEriAliDADE DA CAliGrAfiA

No Japão, uma palavra que pode definir bem a relação do calígrafo com seus materiais é aichaku (apego, afeto pro-

fundo). Os japoneses têm aichaku pelas coisas94, e isso não

poderia ser diferente na caligrafia, pois, desde antigamen- te, eles são reverenciados como itens importantes na sua prática. Ao contrário do que pode parecer, eles também não são meros detalhes técnicos, pois é na intimidade com esses materiais que a criação artística se concretiza. Afinal, eles são os instrumentos que o calígrafo utiliza como uma

extensão do próprio corpo95.

No Japão, como na China, os principais materiais da ca-

ligrafia são chamados “Os quatro tesouros”96 e são um

conjunto indispensável para a sua prática: o pincel fude,

77 o papel kami, a tinta sumi e o recipiente de tinta suzuri – a

água, lembra Fuyubi Nakamura (2006), constitui o elemento de ligação entre todos eles.

O fato de serem feitos de ingredientes naturais influencia grande parte do trabalho de caligrafia, numa relação que o calígrafo tenta aperfeiçoar, mas nunca domina completa- mente (Nakamura, 2007: 89).

Na história da caligrafia chinesa, Lady Wei (século IV d.C.) já orientava sobre a escolha dos materiais, dando até detalhes técnicos:

Pincéis devem ser feitos de pêlos de lebres de Chung- shan. O pêlo deve ser juntado no oitavo e nono mês. A cabeça do pincel deve ter uma polegada de comprimento, e o cabo 5 polegadas. A ponta deve ser lisa e o corpo forte. Os recipientes de tinta devem ser feitos da nova pedra de Ch’ien-ku, de uma qualidade tanto lisa quanto áspera que trará nosso lustre na tinta. A tinta deve ser feita da fuligem das pinhas de lu-shan com a cola de Tai-chun, mais velha que 10 anos e tão forte quanto uma pedra. O papel deve ser Tung-yang yü luan, leve e macio e puro (DRISCOll e TODA, 2007: 45).

Mais adiante, no tratado chinês Shu Pu (século VII), o autor Sun Qianli descrevia quais eram as condições ideais para uma boa caligrafia e uma má caligrafia: eram as “cinco harmonias” e as “cinco discórdias”. Duas das “cinco harmonias” referem- se aos materiais: “um clima simpático com a quantidade cer-

ta de umidade no ar”97 e “uma combinação perfeita de papel

e tinta” (Ch’ung-ho e Frankel, 1995: 7).

No Japão, Sei Shonagon, autora do Livro de cabeceira (séc. XI)98,

declarava a sua preferência por alguns materiais específicos: “Gosto de fazer caligrafia com um pincel grosso e pesado com tinta no papel de Michinoku. Eu não gosto de um pincel fino para este papel” (Boudonnat e Kushizaki, 2003: 166).

Chama atenção, por esses exemplos, a intimidade entre os calígrafos e seus materiais, numa relação sujeito-objeto bastante próxima, que não se resume a uma ligação pragmática. Esses objetos são cuidadosamente projetados em minúcias, com nomenclaturas definidas e inspiradas na natureza. E se a escrita caligráfica muitas vezes é descrita como reveladora da pessoa que a escreve, a variedade de materiais e o relacionamento de cada um com eles parece confirmar tal fato: o aichaku nesse caso não se revela como um fetiche, mas, antes, é a própria imagem do calígrafo que se encontra refletida neles, tamanha é a sua comunhão.

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A tinta | Sumi

O sumi é feito de fuligem, cola de osso ou gelatina de ani- mal, conhecida como nikawa, perfume e água. Inicialmente ela era produzida de uma mistura de carbono, provavelmen- te grafite, e água ou goma, e era usada até mesmo antes da invenção do papel, em tiras de madeira. Há evidências ar- queológicas de que a tinta era esfregada nos suzuri e usada em papel no Período Han Tardio (25 a 220 a.C.) (Sato, 2003: 4). Na China, originalmente, a fuligem vinha da queima de pinheiros (shoen boku). Esta técnica foi importada para o Japão, onde, a partir da século X, os japoneses começaram a utilizar a fuligem da queima de óleos vegetais:

Registros mencionam que os sacerdotes em Kofuku-ji, em Nara, coletavam fuligem das lamparinas no templo e a misturavam com cola de osso para produzir o sumi. Artesãos logo imitaram este método de produção. Esta forma de sumi, ou yuen boku, é vista como nativamen- te japonesa (IDIDEM: 5).

Padronagens para sumi.

79 Atualmente, tem se feito sumi a partir da queima de elemen-

tos minerais, como petróleo ou materiais derivados de carvão, como a naftalina (Nakamura, 2006: 238).

Boudonnat e Kushizaki (2003: 174) mencionam um poeta chinês, conhecido em japonês pelo nome Soshoku (1036-1101), que dis- se que “não era o calígrafo que esfregava o bastão de tinta no

suzuri, mas a tinta que se polia contra o coração do calígrafo”.

Recomendações sobre as melhores tintas são encontradas em escritos antigos, como o tratado japonês de caligrafia Yakaku Teikinsho (1170-1175), que alerta: ”As melhores tintas são as chinesas. Ainda que haja [entre elas] muitas de qualidade ruim. Uma boa tinta chinesa se dissolve lentamente e é soberba” (DeCocker, 1994a: 323).

Uma de suas qualidades mais interessante é a capacidade da tinta em se dissolver e transformar-se não apenas em tinta preta, mas também em cinzas e cinzas cromatizados, depen- dendo de como a tinta é produzida. Às vezes, alguns sumi incluem pó de ouro, que depois, quando seca, deixa resíduos verdes na linha.

Atualmente, as tintas sumi se apresentam em duas formas: os bastões de tinta tradicionais e as tintas líquidas, prontas, conhecidas como bokuju, que já vêm diluídas e precisam de pouca ou nenhuma água para o uso. A tinta bokuju é uma criação japonesa e recente, do pós-Guerra. Com o aumento do tamanho dos trabalhos, a procura pelo sumi cresceu. No entanto, o método tradicional demandava muito tempo. Boku-Undo, da província de Nara, com a ajuda dos calígrafos Kaneko Otei e Ueda Sokyu, conseguiu produzir, em 1950, o sumi líquido (Nakamura, 2006). Embora tenha sido feito como um substituto do sumi tradicional, há diferenças consideráveis entre eles. Em geral, o

bokuju é recomendado para treinamento, e para trabalhos finais

recomenda-se usar tintas tradicionais de bastão, pois, se feitos com tinta preparada, as linhas dos trabalhos podem acabar

borrando no processo de esticagem.99 Para pincéis de qualidade

superior, também não se recomenda o uso da tinta pronta. A diluição do sumi no suzuri é feita geralmente com água. A den- sidade da água influi diretamente na formação da tinta, mas há processos alternativos; álcool, por exemplo, deixa a tinta mais su- ave; clara de ovo, ao contrário, tende a deixar a tinta mais pesada. O sensei Morimoto recomenda que a tinta seja preparada, e se espere de 3 a 7 horas para usá-la, tempo para as partículas se as- sentarem. Nesse tempo de preparo, enquanto fricciona o bastão

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Etapas no preparo do sumi.

O efeito nijimi e o kasure.

RM

81 Os efeitos da tinta podem ser mais bem compreendidos

pelas imagens. Um dos mais conhecidos é o nijimi, no qual ao redor das linha forma-se uma “borda”, mais clara; quando a tinta é mais densa, ou quando se descarrega do pincel, deixando um “rastro” incompleto, é chamado ka-

sure. Ambos são efeitos bastante utilizados em trabalhos

expostos no Mainichi, mas, mal-empregados, resultam apenas em efeito gratuito.

Há tintas que permitem pequenas graduações de valor cromático. São os cinzas cromatiza- dos, em que é possível perceber uma tendência mais quente ou fria, acompanhados levemente de algum matiz, em geral vermelho ou azul.

O bastão de tinta, desde a China, tem sido reverenciado como um objeto que tem um formato próprio, de caráter artístico. É comum que as tintas mais valorizadas tomem as formas em moldes com inscrições e desenhos cavados com ferramentas apropriadas. Embora algumas dessas tintas sejam colecionadas ou compradas com especulações em cima de sua possível valorização nesse mercado, a natureza da tinta sumi em geral é desaparecer. Um artesão da região de Nara, tradicional na fabricação de tintas, parece resumir bem o ciclo de tinta, quando perguntado sobre a brevidade do bastão, que se transforma em tinta líquida no suzuri: “Isso não me chateia porque eu sei que a tinta terá uma nova vida como caligrafia ou pintura”, diz Gaho Nakamura, da sétima geração de artesões fazedores de tinta sumi (Sumigata, 2008).

Quanto à água, que auxilia o sumi a tomar a forma líquida, Nakamura menciona (2006: 242):

Diferentes tipos de água produzem vários efeitos mesmo quando o mesmo tipo de sumi é usado. A temperatura da água é outro elemento que afeta a dispersão da fuligem do sumi. Água fria diminui a capacidade do nikawa de dispersar a fuligem. O

nikawa solidifica numa forma gelatinosa numa

temperatura por volta de 18ºC. A fim de evitar isso, o suzuri deve ser aquecido e a temperatura da água deve ser entre 40-50ºC. O sumi na forma gelatinosa, por outro lado, pode ser usado para produzir o

tanboku (sumi claro), que se assemelha ao efeito

de um sumi envelhecido – um efeito popular nos trabalhos de sho contemporâneos.

| Alguns tons das barras de sumi produzidas em Nara.

THE WORLD (2008)

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Shinoda Toko preparando o sumi.

83 Mas a relação tinta e água também pode ganhar ares de

poesia, como coloca Shinoda Toko (1913), para a qual esses elementos assumem a função dos elementos água e fogo:

O material da tinta é a cinza. As chamas queimam e mor- rem, a cinza é deixada pela fumaça e a tinta é uma cinza endurecida [...] A tinta que resulta da coleta do resíduo final das chamas parece a mim o espírito, a encarnação, a sublimação do fogo.

Sinto que a tinta é o último estágio da vida e da matéria. Sem duvida, enquanto esfrego silenciosamente a tinta antiga, conhecida como “a fumaça mais alta”, contra um suzuri, eu tenho uma impressão estranha, de alguma forma sensual. É como se a vida, no mais alto das chamas extinguidas, fossem levadas até mim.

Eu sinto o poder do físico, a delicadeza das partículas, a elegância da ordem, mas também sinto a presença de algo alem do físico.

A tinta, que é a última manifestação da chama, é trazida de volta à vida pelo extremo oposto, a água [...]. Sentir o suzuri nas minhas mãos, o cheiro da velha fragrância, o brilho da tinta no papel: o encontro do fogo e da água é uma benção dos céus. [...]

Água e tinta trazem de volta a inocência e a imersão numa tentativa de atingir o inatingível: este é o convite da tinta e da água (SUMI, 2003).

o pincel | Fude

Olhar um catálogo de uma loja japonesa especializada em caligrafia é olhar uma vasta coleção de tipos de todos os ma- teriais imagináveis para caligrafia. De pesos para serem pen- durados no kakejiku (a moldura oriental, em formato de rolo), a tipos variados de papéis, tintas e até mesmo máquinas para friccionar o sumi em formato bastão no suzuri. Segundo me disse a sensei Etsuko Ishikawa, há lojas de caligrafia que são como butiques, com um tratamento bastante pessoal. “Há quanto tempo pratica a caligrafia?” é a pergunta que vai nor- tear o vendedor na apresentação dos materiais mais adequa- dos ao seu nível.

No caso dos pincéis, chamados de fude, no Japão, essa talvez seja a pergunta mais importante. O domínio do pincel, ou dos pincéis, já que há de todos os formatos, pêlos, e propósitos,

é um processo longo e demorado101. Há vários tipos de pêlos,

e cada um deles tem uma característica própria. De todos os