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A ação do romance acontece nas Ilhas do Arquipélago de Cabo Verde, localizado na Costa Ocidental Africana. O palco principal é a Ilha de Santia- go, uma das mais importantes do arquipélago desde o início do povoamen- to, já que se trata da primeira a ser povoada, estando ali fixada a sede do governo que, anteriormente, estava instalada na vila da Ribeira Grande, por onde houve grande movimentação de comércio, tanto de escravos quanto das demais mercadorias.

O espaço principal da narrativa é o sítio onde vivia Maria e seus pais, localizado a pouco mais de meia légua da Vila da Praia. No período em que a trama ocorre, o porto de Ribeira Grande tinha perdido sua posição de en- treposto comercial e sede do governo, agora instalado na Vila da Praia.

Observando a questão climática que assolava o arquipélago, percebe- se que a trama adota a idealização típica do Romantismo. Mas o narrador

não deixa de relatar as dificuldades pelas quais passariam os europeus que ali se aventurassem, dentre as quais enfatiza-se o clima insalubre e as fe- bres, que estão sempre à espreita, e podem levar à morte:

Quando, levado ao leito de dor pela violenta febre do país - sentindo o cérebro em fogo - epigástrio torturado por agudíssimas dores - que fora dele - dizemos - se houvesse de contar unicamente com seus próprios recursos? Os dedos gelados da morte viriam breve imprimir-se-lhe sobre o coração! (ALMEIDA, p. 42)

A aridez do clima é elemento importante na sociedade caboverdiana, já que, desde o início da colonização até os dias atuais, a situação do arqui- pélago é bastante prejudicada por este fator. A falta de chuva é responsável pela saída da maioria da população, que vai em busca de melhores condi- ções de vida, sem deixar de aspirar pelo dia do retorno. O grande êxodo, ainda hoje, é motivado pelas dificuldades de sobrevivência em função das questões climáticas. No século XIX, isto era agravado pela falta de investi- mentos por parte da metrópole.

É neste quadro de dificuldades em várias esferas, tanto físicas quanto sociais, que se compõe o espaço do romance O escravo. A ficção se mistura a questões reais, e o espaço idealizado dá lugar a descrições realistas.

A primeira abordagem de espaço é a do jardim de Maria, que assim é descrito:

Em 1835, o sítio de B..., pouco mais de meia légua distante da Vila da Praia da ilha de São Tiago – uma das ilhas de Cabo Verde – não tinha ainda experimentado os melhoramentos, que hoje lhe dão a aparência de uma quinta européia. Contudo, apesar da falta de arte no seu amanho, com quanto não houvesse ali outra cultura além da das plantas indígenas, nem por isso deixava de ser aquele sítio – na época a que nos referimos – um dos mais aprazíveis para quem saía da Vila da Praia, cuja aridez contrasta de um ponto que lhe fica tão próximo. (ALMEIDA, 1989, p. 26)

O narrador está seis anos depois dos fatos e comenta as melhorias implantadas no local, com certa nostalgia. Evidencia as características pa- radisíacas daquele espaço, e reforça a idéia de que era um sítio menos cas-

tigado pela aridez do que era comum naquela ilha.

Já quando se vai descrever o lugar onde Júlia morava, o Monte Ver- melho, tem-se uma descrição mais próxima da aridez do arquipélago:

Aquele antro era medonho! Aí não moravam os morcegos, os mochos, as corujas, nem as demais aves sinistras, lúgubres e agoureiras, que costumam habitar os lugares funestos; nada que significasse a vida; nada que fizesse persuadir, que de fora existia um mundo povoado. Aí não podiam nutrir-se idéias de ventura; a imaginação sucumbia ao lúgubre aspecto do nada; e aquelas paredes sepulcrais pareciam dizer ao ente que lá entrava: Infeliz, cuida na morte! (ALMEIDA, 1989, p. 112)

O Monte Vermelho, no qual ficava a morada de Júlia, era assim de- nominado em razão do rubro da terra. Ali, não havia sinal de vegetação. Era seco, porém “rico em minerais” (ALMEIDA, 1989, p. 112).

O fato é que se trata de uma descrição mais próxima do clima inóspi- to das ilhas. A realidade retratada na moradia, onde ninguém poderia so- breviver, recupera um pouco do espaço verídico, no qual estava inserida grande parte da população caboverdiana no século XIX.

Mas o espaço do Monte Vermelho tem o sentido de espaço de fuga, lugar de resistência do escravo fugitivo. Além das freqüentes revoltas que assolaram o arquipélago e outras colônias nesse período, havia o problema da mencionada fuga de escravos que, conforme é sabido, eram constantes e em direção aos montes, motivada pela seca ou por outras razões, o que gerava alto custo diante da necessidade de pessoal para atuar na busca e captura dos fugitivos.

Sobre esta questão, pode-se citar o governador de Cabo Verde, An- tonio Coutinho Lencastre que, através de ofício, em agosto de 1804, propõe que:

[...] cada uma das freguesias desta ilha tenha dois homens com as qualidades precisas para preencherem os empregos, um de capitão-do-campo (também conhecido como capitão- do-mato) e outro de meirinho da serra, os quais terão de obrigação, não só prenderem os escravos fugitivos, mas também aquelas pessoas que os ocultarem e forem autores de semelhantes fugas. (CARREIRA, 1972, p. 348)

Com exceção do jardim de Maria, o espaço descrito no romance con- tém as características gerais do arquipélago e, de certo modo, dá lugar à representação da sua história e da cultura local, bem como dos hábitos e costumes daquele povo. É dentro deste espaço de encontros e embates en- tre povos e culturas, entre desigualdades e diferenças, que é construída a narrativa. É do contraponto entre o espaço romanticamente idealizado, e outro mais ao modo realista, que o espaço do arquipélago é delineado, a- pontando para a tensão idealismo / realismo que caracteriza o romance.