• Nenhum resultado encontrado

Um dos espaços de sociabilidade coletiva é o campo de futebol (Fig. 21) que representa um entretenimento na semana, através dos treinos realizados no fim da tarde quando já estão livres do trabalho e aos finais de semana quando acontecem as partidas de campeonatos dentro da aldeia. Os indígenas têm um time masculino que é organizado pelo Sr. Zé Bananeira como é conhecido. Já o feminino, foi criado recentemente no ano de 2016, por iniciativa das próprias mulheres e treinam em um espaço menor, situado ao lado da escola e que é utilizado pelos

alunos no horário do intervalo da aula. Assim como o masculino, a faixa etária é diversificada. Um aspecto importante é que os times carregam uma marca de identificação coletiva, pois ao passo que se representam como “indígenas”, também estão criando um espaço social que reifica o grupo e ainda intensifica o sentimento de pertencimento do ser Tapuya Kariri perante aos outros e a si.

Nessas situações, é bem perceptível nos dias de jogo, o transitar das pessoas sejam moradores locais ou da vizinhança, que se deslocam para o campo a pé, de bicicletas, de moto ou carro. Compartilham o mesmo espaço, seja para jogar, assistir às partidas ou ainda para realizar vendas de dindinho, sorvetes e demais lanches. Uma ressalva é que a concentração de gente, não ocorre somente pelo futebol. Considero um espaço em que acontece a sociabilidade geral, pois além dos jogadores e dos moradores locais, outros habitantes das redondezas afastados aproveitam para visitar os parentes.

Ainda existe outros espaços de sociabilidade que reúnem um quantitativo de gente principalmente aos fins de semana, como por exemplo, pequenos mercantis e outros estabelecimentos como lanchonetes, bares e principalmente a escola. Esta última é para além de professores, alunos e funcionários, afinal, é um local que abraça a população em geral.

É bastante comum a visita ao espaço escolar de um quantitativo de pessoas em vários horários, além das lideranças que sempre estão presente conversando com os professores e com a cacique Andrea. Por vezes, de lá seguem para a casa do pajé Sebastião, ponto de encontro para conversas sentados no alpendre de sua casa (quando o sol está muito quente) ou no cantinho do terreiro. Ali, é possível acompanhar o transitar de pessoas e todo movimento da comunidade (Fig. 22). Aliás o reconhecimento de quem circula, de quem fala, de quem faz Figura 21-Em A, o time indígena masculino; em B, o time indígena feminino praticando futebol

no campo feito na área retomada.

barulho, de quem está doente, dos acontecimentos ocorridos na aldeia, entre outros, faz parte da rotina dos indígenas.

As imagens acima, refletem o dia a dia da aldeia. A casa do pajé Sebastião está sempre assim, com visitas, sejam elas os próprios indígenas locais, de outras aldeias ou ainda pessoas e pesquisadores que vão conhecer a localidade. Logo se forma uma roda de conversa onde as falas giram entorno do presente e do passado, nos “tempos antigo”.

Outro ponto que chama atenção e que merece uma reflexão é o uso da tecnologia que adentrou as aldeias e apesar das inúmeras críticas feitas pelos não indígenas, por considerarem que isso não é “coisa de índio”, o acesso a esses meios de comunicação tecnológica, seja ela via telefone móvel, ou acesso à internet, ambos bem presente na Aldeia Gameleira, possibilitou aos indígenas alargarem suas redes e também se tornou uma ferramenta na mobilização e divulgação de suas lutas, conhecimentos e problemas enfrentados não somente por si, mas pelos diferentes povos.

Através desses recursos, várias reuniões, encontros e mobilizações locais, regionais ou nacionais, são comunicadas e socializadas via internet, bem como visitações a aldeia de grupos escolares, universitário, entre outros. Além disso, aproxima também os Tapuya Kariri que se encontram ausentes da aldeia momentaneamente ou por tempos prolongados, constituindo um meio de comunicação entre os parentes que estão fora, como tantas vezes presenciei ligações recebidas, informação sobre encontros, reuniões que chegavam via internet.

Figura 22 - Roda de conversa na casa do pajé Sebastião.

Nesse sentido, o uso da tecnologia em nada acarreta prejuízo aos Tapuya Kariri, ao contrário, possibilita uma maior circulação de informação não somente entre eles, mas com o movimento indígena em geral. Essa visibilidade que os aparatos tecnológicos modernos permitem, são vistos por eles como um suporte responsável para fazer circular informações sobre si e com isso tem levando inúmeras pessoas a irem conhecer seus modos de vida. Isso é bem evidenciado quando o pajé Sebastião fala sobre tirar foto:

Se eu me incomodo de tirar foto? Me incomodo não, pode tirar foto. Todo mundo que chega aqui e quer tirar foto minha eu deixo. Pode ‘levarem e botarem’ no computador, nesse negócio de internet, acho ruim não... Acho é bom. Quanto mais foto, mas o povo conhece a gente e vem aqui saber como é. Tem foto minha em toda parte que você imaginar. Esse negócio de computador é ligeiro (refere-se à internet), em toda parte que você tiver você ver e é por isso que já veio foi muita gente aqui, por causa disso daí (internet). Porque vê as fotos aí vem saber como é (pajé Sebastião, setembro de 2016).

O pajé compreende que o acesso à internet, bem como a tecnologia, facilita a comunicação numa proporção para além aldeia. Logo, isso traz conhecimento sobre a história que eles, Tapuya Kariri, vem contanto ao longo dos anos e possibilitado que outras pessoas conheçam e promovam também a circulação dessa informação, trazendo assim, mais visibilidade para o povo.

Todos esses mecanismos, tem possibilitado uma melhor organização política dos Tapuya Kariri, direcionada para a busca da efetivação dos direitos indígenas relacionados a saúde, educação, território, entre outros. Entretanto, é válido dizer, que essa organização, busca a participação de todo povo em torno de um propósito comum, a demarcação da terra. Além disso, verifica-se que a organização política não está desvinculada do social, que se configura, sobretudo, pelo parentesco. Com isso, a organização Tapuya Kariri está relacionada num conjunto de relações que podem ser representados pela Figura 23.

Figura 23 - Fluxograma da organização sócio-política dos Tapuya Kariri.

5 TERRITORIALIDADE, RELAÇÕES E IDENTIDADES EM CONFLITOS

Esse capítulo busca refletir sobre o processo de territorialização, que tem gerando ao longo dos anos uma série de conflitos. Serão descritos e analisados alguns mecanismos de expropriação territorial operados contra os indígenas, bem como outras formas de violência de que estes foram vítimas e, de certo modo, continuam sendo. Nesse sentido, constituirão aqui, narrativas recorrentes acerca dos posseiros que passaram a circular intensamente na localidade desde que tiveram início os processos de apropriação e que, consequentemente impactaram os modos de vida indígena que aqui serão descritos.