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2.2 Aportes teóricos

2.2.4 Espacialidades territoriais

Antony Seeger e Eduardo Viveiros de Castro (1979) enfatizam a luta pela sobrevivência dos povos indígenas no que diz respeito ao acesso à terra. Ressalta-se que, atualmente, as lutas das coletividades Kaingang estão pautadas na recuperação de seus territórios. É por intermédio da conquista de seus espaços étnicos que depende a manutenção de suas identidades culturais.

No decorrer do artigo, Seeger e Castro (1979) argumentam que, para algumas pessoas, a expropriação territorial dos indígenas era a de que o uso da terra é improdutivo, ecologicamente destrutivo e irracional. Aponta, como exemplo, os indígenas do Alto Xingu, os Jê do Norte e os Yanomami, ressaltando que cada sociedade define e utiliza, de modo radicalmente próprio, seu meio ambiente. Destaca também que vários grupos indígenas dependem na construção de sua identidade tribal distintiva, de uma relação mitológica com um território.

Para os Kaingang, seus territórios representam um suporte identitário, pois ele não representa apenas uma porção do espaço politicamente delimitado e com fronteiras estanques, mas um espaço permeado de símbolos e significações pertinentes às coletividades.

Paul Little (1994), recorrendo a estudos etnográficos, apresenta três conceitos: espaço, memória e migração. Como exemplo, o autor cita os Lakota (Sioux). Segundo Little, os grupos humanos têm uma necessidade de criar raízes em lugares específicos. Buscam a localização de lugares de origem, envolvendo religião e mitos de criação. O autor enfatiza, no decorrer da obra, que as pessoas mudam de um lugar para outro por várias razões, sendo caracterizados como nômades, isto é, migrantes contínuos. Os grupos nômades têm um conjunto de orientações espaciais e temporais que incorpora noções de movimento regular e ciclos de concentração e dispersão demográfica. Outro grupo compreende a diáspora como sendo a dispersão demográfica de um grupo de um lugar específico num momento histórico particular; cria uma identidade única, em que o grupo é unificado pela memória desse lugar geográfico. Existem outras migrações, como os deslocamentos diretos e forçados, migração grupal relativa no qual um grupo responde a pressões externas, migrando coletivamente, e, para livrar-se dessa pressão, reagrupa-se numa localidade nova. Tem-se ainda as migrações colonizadoras, migrações laborais e a migração sobreviventista.

indigenistas do século XIX e XX. A partir disso, os Kaingang procuraram diferentes estratégias de sobrevivência que foram sendo colocadas em prática por famílias em diversas áreas indígenas. Nesse contexto, percebe-se que cada grupo se desloca à procura de uma ou outra forma sua relocalização no espaço. Little (1994) afirma que essas diferentes formas de territorialização criam lutas singulares pelo espaço, sendo casos de reterritorialidade.

Zilá Mesquita (1994) argumenta a partir de um trabalho empírico sobre autonomia territorial, partindo de reflexões a respeito do conceito de limites para a Geografia Política. Peter Taylor, autor citado por Mesquita, descreve que a fronteira vem da noção de in front, que significa em frente. Implica aquilo que sua etimologia sugere: o que está na frente, indicando a margem do mundo habitado. A fronteira é um lugar de comunicação e troca. Já limite origina-se da palavra bounds, que se refere a limites, fins, implicando limites territoriais.

Os conceitos de limite e fronteira só adquirem sentido quando integrados a outros, como, por exemplo, o conceito de divisa, demarcação e delimitação. A divisa é o aspecto visível do limite apoiado de acidentes naturais como curso d‘água, cristas montanhosas e coordenadas geográficas, ao passo que o limite de um Estado diz respeito a uma linha imaginária, sendo ela natural ou artificial.

Mesquita (1994) também faz uma conceituação para os termos território e territorialidade. Se há uma fronteira é porque há contato entre territórios soberanos distintos. Entretanto, o que constitui essa distinção entre territórios é a territorialidade. Para estes fins, a territorialidade pode ser concebida como o amálgama de impulsos internos e estímulos externos que se expressam pela sociabilidade e permitem a constituição da identidade de uma dada sociedade. As ações que desencadeiam um espaço transformado pelos grupos que o dominam constituem as territorialidades deste espaço apropriado.

Os territórios e as fronteiras são fundamentais para a construção das identidades, onde a alteridade fica muitas vezes condicionada a um determinado limite físico de reprodução dos grupos sociais. A territorialidade é a projeção sobre o território dos constituintes da identidade da população que o habita e que nele concretiza suas relações sociais.

José de Souza Martins (1997) apresenta uma análise dos conceitos de frente pioneira e frente de expansão. Para o autor, as sociedades latinoamericanas ainda estão no estágio da fronteira, ainda se encontram no estágio de sua história em que as relações sociais e

políticas estão, de certo modo, marcadas pelo movimento de expansão demográfica sobre terras não ocupadas ou insuficientemente ocupadas.

No Brasil, o processo de desenvolvimento das frentes de expansão e das frentes pioneiras desencadeou migrações, conflitos e alteridades. A partir da expansão e dos encontros dessas frentes, ocorreram processos de desencontros de indivíduos que tiveram, em sua formação, tempos históricos singulares.

As frentes se caracterizam no Brasil por serem locais de atração populacional e de contato de diferentes povos, etnias e culturas. O surgimento e desenvolvimento de frentes de expansão e frentes pioneiras ocorreram em períodos distintos da formação socioespacial brasileira. Nesse processo, cada expansão comportou indivíduos singulares que usaram e transformaram seus espaços de maneira seleta e os caracterizaram de acordo com suas visões de mundo e com suas culturas, isto é, com suas necessidades implícitas em tempos e espaços historicamente distintos.

Para os Kaingang, o avanço das frentes expansionistas e a imigração alemã e italiana os afetaram drasticamente, pois foram colocados diante de uma humanidade desconhecida, a do não indígena, perderam vidas e alguns elementos culturais e territórios. Cada expansão comportou grupos sociais singulares que usaram e transformaram seus espaços de maneira seleta e os caracterizaram de acordo com suas visões de mundo e com suas culturas, isto é, com suas necessidades implícitas em tempos e espaços historicamente distintos. As frentes pioneiras e frentes de expansão se caracterizam por serem locais de atração populacional e de contato de diferentes povos, etnias e culturas.

Ainda segundo Martins (1997), as últimas décadas têm sido uma época em que grupos humanos de diferentes tribos indígenas foram contatados pela primeira vez pelos civilizados. O que poderia ter sido um momento fascinante de descoberta do homem foi um momento trágico de destruição e morte. Os não indígenas utilizam as palavras atração, pacificação e contato para se referirem à ação de neutralização das populações indígenas que geralmente reagem quando percebem que seus territórios estão sendo invadidos.

Para o indígena, o avanço da frente de expansão repercute nos rearranjos espaciais de seus territórios e nas suas relações com outras tribos, sobretudo as inimigas. Essas mudanças resultam em muitas perdas, não só do território, mas também de vidas e de elementos culturais. A frente de expansão se expande indiretamente, empurrando os grupos indígenas

mais próximos para territórios de seus vizinhos mais distantes.

Gallois (2004) evidencia que os problemas de terra continuam no foco central do noticiário desalentador que a mídia divulga a respeito dos índios no Brasil. Dessa forma, a autora define, no decorrer do artigo, os três conceitos do título: Terras, territórios e territorialidade. Conforme Gallois (2004), Terra Indígena e a compreensão antropológica da territorialidade são concebidas e praticadas por diferentes coletividades indígenas. Para a autora, territorialidade é uma abordagem que não só permite recuperar e valorizar a história da ocupação de uma terra por um grupo indígena, como também propicia uma melhor compreensão dos elementos culturais em jogo nas experiências de ocupação e gestão territorial indígena. No decorrer do artigo, a autora evidencia que uma Terra Indígena deve ser definida, identificada, reconhecida, demarcada e homologada. Ela descreve também as diferenças existentes entre terra e território e as diferentes formas de territorialidade de coletividades indígenas, elencando, ao mesmo tempo, a ideia e concepção de território para os povos indígenas.

Clovis Antonio Brighenti (2012) faz um estudo referente às Terras e Reservas Indígenas no estado de Santa Catarina ocupadas pelas coletividades Kaingang, Guarani e Xokleng. O autor considera como Terras/Reservas Indígenas a junção dos procedimentos administrativos com a organização social de cada povo. No decorrer de seu estudo, Brighenti analisa a situação fundiária que envolve a demarcação das TIs, elencando que, no Brasil, é de responsabilidade da União demarcar os territórios indígenas e enumera as oito etapas, que são: Identificação e delimitação; Publicação; Contraditório; Análise das Contestações; Declaração de Ocupação; Demarcação Física; Homologação e Registro. Após, Brighenti (2012) evidencia a designação legal de Terra Indígena como categoria jurídica e não descrição sociológica, destacando que as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas encontram amparo na Constituição Federal de 1988, estabelecidas no artigo 231. Posteriormente, o autor analisa a transitoriedade do indígena no Brasil Republicano, o lugar do índio a partir da desterritorialização e os Toldos e Terras Indígenas desconsiderados, no caso em estudo, pelo Estado de Santa Catarina.

Garlet e Assis (2009) analisam os primeiros contatos interétnicos com os Mbyá-Guarani e, por meio deles, reconstitui as características básicas do território original e os impactos sofridos pelo contato. Na sequência do artigo, os autores trazem conceitos relacionados a território e territorialidade e as concepções para as sociedades humanas. A

partir disso, é elencada a historicidade dos indígenas Mbyá-Guarani e o contato interétnico a partir de documentos históricos e trabalhos etnográficos. Os autores também abordam as aproximações com o território de origem e as pressões interétnicas e desterritorialização dos Guarani. Por fim, os autores evidenciam as doenças causadas pelo contato interétnico e os confrontos entre indígenas e a sociedade envolvente.

Eduardo Nunes (2010) tem como pretensão refletir sobre o tema da presença de indígenas em áreas urbanas no cenário brasileiro. Segundo este autor, devemos pensar sobre o que ―leva‖ os indígenas a procurarem os centros urbanos e serem vistos de forma preconceituosa. Visando caracterizar a problemática, o autor em questão aponta, como exemplo, a coletividade Karajá de Aruanã, que vive acima do rio Araguaia. Segundo Nunes, o universo indígena com os quais estamos nos familiarizando envolve-se com processos de nosso próprio mundo, como, por exemplo, o consumo, a monetarização e dependência de mercadorias industrializadas. Também almejam melhores oportunidades na educação, buscando formação acadêmica ou técnica, modos de sociabilidade, modos de se vestir, modos de comer, modos de pensar e melhores oportunidades de saúde e trabalho.

No decorrer do artigo, Nunes (2010) estabelece uma reflexão sobre alguns conceitos para tentar formular a questão indígena em área urbana de uma maneira mais sensível ao ponto de vista do próprio sujeito, o indígena. Para o autor, devemos pensar a cidade como uma analogia com outros espaços, atentando para a maneira como os indígenas se relacionam com os diferentes lugares e com os seres que os habitam.