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3 METODOLOGIA

3.1 Especificação do modelo econométrico

Para investigar a relação entre descentralização das atividades e o gasto público, foi estimado um modelo econométrico, por meio de regressão quantílica, testado individualmente para cada uma das cinco áreas de atuação governamental analisadas. O modelo estimado é composto por uma variável dependente, quatro variáveis explicativas de interesse e um conjunto de variáveis econômicas, demográficas, política e fiscal para controle de efeitos exógenos à descentralização e pode ser ilustrado pela Equação 1:

D L pc(fun)it = a t + y.D ESC l1 + y.DESC22 + y.DESC33 + y.DESC44

+ p 1POPlnit + fcPOPdenSit + p 3PIBpcit + p4RBpcit + p sSFit

m

+

^ 6RECdependjt

+ fí7AUTOorc + y.A E L5 + y.ANOdesc6

( )

+ y.C AP7+ y. UF8 + Pí

DLpc (fun) é a despesa liquidada

per capita

por área analisada, sendo essa a variável a ser explicada (dependente) no modelo estimado. A despesa

per capita

é utilizada para medir o nível de gasto governamental (ARRETCHE; VAZQUEZ, 2009). N a presente pesquisa, optou- se por utilizar como medida de gasto nas áreas a despesa

per capita

liquidada por função de governo. Isso porque é na fase da liquidação da despesa que o gestor público atesta a suficiência do bem ou serviço adquirido e gera, para a administração pública, a obrigação de pagamento ao fornecedor, independentemente do momento em que essa obrigação será quitada (BRASIL, 1964). Por esse motivo, considerou-se que essa medida é mais adequada para representar o gasto por área em cada exercício financeiro.

DESC1, DESC2, DESC3 e DESC4 são variáveis

dummies

que representam as descentralizações de compras, empenho, liquidação e pagamento, nessa ordem. Essas são as variáveis independentes de interesse nesta pesquisa e foram calculadas, atribuindo-se 1 - quando a atividade de referência era descentralizada no município e 0 - quando ocorria o contrário. Essas não são medidas usuais de descentralização, uma vez que a descentralização no setor público tem sido mensurada por meio de

proxies

nos estudos de descentralização fiscal (STEGARESCU, 2005). Entretanto, a medida de descentralização utilizada por Baldi e

Vannoni (2015), em que foram considerados descentralizados os órgãos governamentais com autonomia para decidir sobre compras públicas, serviu como base para elaboração da medida de descentralização das atividades utilizada na presente pesquisa.

As demais variáveis do modelo são, em sua maioria, controles sociodemográficos, econômicos, políticos e fiscais, e são tidas como determinantes do gasto público. POPln é o logaritmo natural da população absoluta, que se trata de um controle para os desequilíbrios horizontais (diferenças estruturais entre os municípios) que afetam a oferta/demanda por bens e serviços públicos nas diferentes localidades (ARRETCHE; VAZQUEZ, 2009). Quanto às despesas correntes (custeio, pessoal etc.), a população absoluta está associada ao aumento do gasto e, para despesas de capital (investimentos etc.), está associada à diminuição do gasto (MORAIS

et al

., 2018). Como a maior parte dos gastos municipais é composta de despesas correntes, na presente pesquisa, espera-se que a população absoluta esteja associada ao aumento do gasto.

POPdens é a densidade demográfica dos municípios, sendo esse um controle para as diferenças de oportunidade com o fim de explorar a economia de escala na gestão governamental. A maior densidade populacional está associada ao menor custo na provisão de bens e serviços públicos ofertados à população (ASATRYAN; FELD; GEYS, 2015; LETELIER-SAAVEDRA; SÁEZ-LOZANO, 2015; SACCHI; SALOTTI, 2016). Portanto, espera-se que, no modelo estimado, essa densidade esteja associada negativamente ao gasto.

PIBpc é o produto interno bruto

per capita

dos municípios e foi incluído no modelo como controle para as desigualdades socioeconômicas dos municípios (ARRETCHE; VAZQUEZ, 2009), estando também associado a um aumento na demanda por bens e serviços públicos (LETELIER-SAAVEDRA; SÁEZ-LOZANO, 2015; SACCHI; SALOTTI, 2016). Por isso, espera-se que o PIBpc esteja associado ao aumento do gasto.

RBpc é a receita bruta

per capita

dos municípios e foi incluída como controle da diferença, entre os municípios, de receita orçamentária disponível para gastar. A RBpc está associada ao aumento do gasto público, uma vez que os gastos tendem a aumentar quanto mais orçamento estiver disponível para esse fim (ARRETCHE; VAZQUEZ, 2009).

SF é um indicador de situação fiscal incluído no modelo como controle da diferença no volume de estoque de dívida dos municípios (despesas de exercícios anteriores) que comprometem o orçamento disponível para gastar no exercício atual (SACCHI; SALOTTI, 2016), estando associado ao aumento da despesa pública e à piora da situação fiscal dos governos (NEYAPTI, 2013).

intergovernamentais dos municípios (AZEVEDO; CABELLO, 2020). Esse indicador evidencia o grau de capacidade de autofinanciamento dos municípios e está associado ao aumento do gasto governamental quando maior for a dependência de recursos de transferências para financiar gastos locais (ASATRYAN; FELD; GEYS, 2015).

AUTOorc é uma

proxy

criada para controlar a diferença no grau de automatização do processo de reserva de saldos orçamentários (empenho) a partir do setor de compras nos municípios. Considerando que os municípios podem utilizar diferentes qualidades e tipos de sistemas informatizados para gerir o orçamento, a medida é uma nota entre 0 e 10, a qual é atribuída pelos respondentes do questionário. Processos automatizados estão associados à melhor governança na gestão pública (PEREIRA, 2011) e, por isso, espera-se que a automatização do processo de reserva de saldos orçamentários permita maior controle da execução da despesa e esteja associada à diminuição do gasto no modelo estimado.

AEL é um controle político para indicar ano de eleições municipais no período analisado. O ano eleitoral está associado à variação no gasto, pois os agentes políticos eleitos tendem ao comportamento utilitarista no fim dos mandatos eletivos (MORAIS

et aí.,

2018). No final de um mandato (período pré-eleitoral), os governantes podem preferir aumentar os gastos, principalmente, em políticas públicas mais visíveis ao eleitorado a fim de se reelegerem (MORAIS

et aí.,

2018). Por isso, espera-se que, na ocorrência de ano eleitoral, o nível de gasto aumente.

ANOdesc é um controle para identificar a partir de que ano, no período analisado, a descentralização das atividades ocorreu. A inclusão dessa variável no modelo foi necessária para diferenciar o período em que uma atividade esteve centralizada no município e o período a partir do qual essa mesma atividade passou a ser executada de forma descentralizada. Assim, quando a mudança ocorreu dentro do período analisado, foi possível indicar o ano da mudança e correlacioná-lo com as medidas de descentralização (DESC 1, 2, 3 e 4), de forma que a atividade somente fosse considerada como “descentralizada”, no modelo, a partir do ano em que a variável

dummy

ANOdesc assumisse o valor 1 - ano da descentralização da atividade.

CAP é uma variável

dummy

para controlar quando um município se tratar de uma capital. Sua inclusão no modelo se deu porque os dados de municípios capitais tendem a se destoar dos dados dos demais municípios da amostra. Isso porque, em geral, esses municípios são as maiores cidades, com maior infraestrutura e por onde circula um maior volume de recursos públicos. Portanto, considerou-se relevante realizar esse controle na estimação do modelo.

pesquisa, tendo sido incluídas para captar efeitos das diferenças de controle externo exercido pelos Tribunais de Contas (LINO; AQUINO, 2018). Controles externos mais rígidos (coercitivos) tornam o ambiente de gasto mais controlado (LINO; AQUINO, 2018) e isso pode afetar o comportamento dos gestores públicos que estarão, prioritariamente, preocupados em cumprir a lei para não terem as contas municipais reprovadas pelos Tribunais de Contas.

Por fim, CONSIST é uma

dummy

incluída no modelo para tratar as respostas ao questionário aplicado que apresentaram contradições que não puderam ser dirimidas por meio da análise das demais respostas concedidas pelos respondentes. Na pergunta sobre descentralização das atividades, por exemplo, o respondente marcou que as atividades eram descentralizadas, entretanto, na pergunta que solicitava a indicação do ano da descentralização, o respondente marcou a opção “não é descentralizada” . O tratamento para respostas contraditórias (25), como a exemplificada, se deu por meio da classificação dessas respostas como “inconsistentes”, ocorrendo, portanto, a não consideração dessas respostas na estimação.

Na Equação 1, os valores das variáveis DLpc, DESC1, DESC2, DESC3, DESC4 e ANOdesc assumem valores diferentes de acordo com a área analisada. Se a área analisada é a Educação, por exemplo, os valores dessas variáveis corresponderão, respectivamente, às despesas líquidas

per capita

com educação, à descentralização das atividades de compras, ao empenho, à liquidação e ao pagamento para a área de Educação, bem como ao ano em que a descentralização dessas atividades ocorreu.

No Quadro 5, apresentam-se um resumo de todas as variáveis que compuseram o modelo estimado, suas descrições, forma de mensuração, justificativas para inclusão e sinais esperados.

Quadro 5 - Variáveis utilizadas no modelo econométrico

Nome Descrição Forma de

mensuração Justificativa

Sinal esperado Variável dependente

DLpc(fun) Despesa liquidada

p e r c a p i ta

Despesa liquidada ^ população absoluta

Medida para nível de gasto público

(ARRETCHE;VASQUEZ, 2009). - Continua

Continuação

Nome Descrição Forma de

mensuração Justificativa

Sinal esperado Variáveis independentes de interesse

DESC1 Descentralização de compras D u m m y (1) para descentralizada; (0) para centralizada. Medida de descentralização. H1: (-) H2: (+) H3: (s/e.) DESC2 Descentralização de empenho D u m m y (1) para descentralizada; (0) para centralizada. Medida de descentralização. H1: (-) H2: (+) H3: (s/e.) DESC3 Descentralização de liquidação D u m m y (1) para descentralizada; (0) para centralizada. Medida de descentralização. H1: (-) H2: (+) H3: (s/e.) DESC4 Descentralização de pagamento D u m m y (1) para descentralizada; (0) para centralizada. Medida de descentralização. H1: (-) H2: (+) H3: (s/e.)

Variáveis independentes de controle

POPln Logarítmo natural de

população ln (população)

Controlar as diferenças estruturais entre os municípios (ARRETCHE; VASQUEZ, 2009; MORAIS e t a l , 2018) (+) POPdens Densidade demográfica População absoluta ^ território (km2) Controlar possibilidade de se explorar economia de escala no fornecimento de bens e serviços públicos (ASATRYAN; FELD; GEYS, 2015; LETELIER- SAAVEDRA; SÁEZ-LOZANO, 2015; SACCHI; SALOTTI, 2016).

(-)

PIBpc Produto interno bruto p e r capita PIB/população absoluta Controlar as desigualdades socioeconômicas (ARRETCHE; VASQUEZ, 2009) e determinante da demanda por bens e serviços

públicos (LETELIER-SAAVEDRA; SÁEZ-LOZANO, 2015; SACCHI; SALOTTI, 2016). (+) RBpc Receita bruta p e r capita Receita bruta ^ população absoluta

Controlar a diferença de orçamento disponível para gastar (ARRETCHE; VASQUEZ, 2009). (+) SF Indicador de situação fiscal Dívida consolidada líquida ^ Receita corrente líquida

Controlar o estoque de dívidas que comprometem o orçamento atual (SACCHI; SALOTTI, 2016). (+) RECdepend Dependência de transferências intergovernamentais Receita tributária ^ Transferências correntes recebidas

Controlar os efeitos da diferença de capacidade de autofinanciamento dos municípios (ASATRYAN; FELD; GEYS, 2015). (+) AUTOorc Automatização da reserva de saldos orçamentários Nota entre 0 a 10, em que 0 - não é automático e 10 - é automático.

Controlar a diferença no grau de automatização do processo de execução orçamentária da despesa nos municípios.

(-)

AEL Ano eleitoral

D u m m y (1) para ano eleitoral; (0) o

contrário.

Controlar o setor político (MORAIS

e t al., 2018). (+)

Continuação

Nome Descrição Forma de

mensuração Justificativa

Sinal esperado Variáveis independentes de controle

ANOdesc Ano da descentralização D u m m y (1) para ano de descentralização das atividades; (0) o contrário.

Controlar a mudança na estrutura de decisão sobre as atividades durante o período em análise. - CAP Capital D u m m y (1) para capitais; (0) o contrário. Controlar a diferença de

infraestrutura entre os municípios. ( - )

UF Unidade da Federação

D u m m y (1) para UF de referência; (0) para

as demais.

Controlar os efeitos da diferença de controle externo exercido pelos Tribunais de Contas (LINO; AQUINO, 2018).

-

Conclusão Fonte: Elaborado pela autora. Nota: Siglas (H1,2 e 3 = hipóteses; s/e. = sem efeito).

Inicialmente, a estimação do modelo se daria por meio de regressão linear

ordinary least

squares

(OLS). Entretanto, os testes dos pressupostos para estimação por OLS (GUJARATI, 2011) indicaram a presença de heterocedasticidade e não normalidade dos resíduos, sendo comum a ocorrência desses problemas nos estudos em que são utilizados dados contábeis e financeiros na estimação de modelos econométricos (DUARTE; GIRÃO; PAULO, 2017). O problema de heterocedasticidade tem sido contornado nos estudos com a aplicação de regressões com erros robustos (GUJARATI, 2011), podendo a não normalidade dos resíduos ser tratada com a realização de transformações matemáticas de maneira que as grandezas das variáveis constantes nos modelos se aproximem ou, ainda, tratando os dados

outliers

(PINO, 2014).

Embora se argumente que o pressuposto da normalidade dos resíduos possa ser relaxado para grandes amostras, esse problema afeta a estimação da média e do desvio padrão, podendo prejudicar a eficácia na interpretação de modelos estimados por OLS (PINO, 2014). Por isso, algumas tentativas para resolver o problema da não normalidade foram realizadas, tais como, a transformação logarítmica e a relativização de algumas variáveis pela população absoluta. Ainda, utilizou-se a técnica de

winsorização

(GHOSH; VOGT, 2012) para tratamento dos

outliers

de modo que não fosse necessário excluí-los da amostra. Entretanto, mesmo após os tratamentos realizados, os erros continuaram apresentando uma distribuição não normal.

Em decorrência da falta de normalidade, a pesquisa adotou a regressão quantílica (DUARTE; GIRÃO; PAULO, 2017). Esse é um método semiparamétrico que não se fundamenta no pressuposto da normalidade dos resíduos, como no caso dos modelos OLS (KOENKER; BASSETT, 1978). Os estimadores são calculados por meio da mediana em vez da média e, por isso, os valores extremos não impactam tão fortemente na estimação

(DUARTE; GIRÃO; PAULO, 2017). Por esse motivo, os modelos quantílicos têm apresentado resultados mais robustos na comparação com modelos OLS diante de problemas de heterocedasticidade e de não normalidade dos resíduos (DUARTE; GIRÃO; PAULO, 2017; KOENKER; BASSETT, 1978).

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