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1. U M ESTUDO ANALÍTICO EM TORNO DA TEMÁTICA DA Q UALIDADE EM E DUCAÇÃO

1.3. A especificidade Organizacional

Tratando-se de um “factor transfuncional que transversaliza todas as dimensões da organização” (Estevão, 2009, p. 37) verificamos que grande número de estudos organizacionais e sociológicos tem subjacentes o conceito de qualidade, ainda que não se debruçando especificamente sobre o tema. A solução que tem sido apontada para o incremento da qualidade assenta numa lógica em que o gerencialismo, ou managerencialismo, associado, pelo menos na retórica do discurso político, a uma diminuição do “controlo normativo de tipo burocrático” (Clímaco, 2005, p.62) e apresentado como “the

60 Luísa Cortesão fazendo alusão às conclusões de trabalhos de investigação, refere que a “igualdade de acesso que a escola de massas tenta oferecer não é geralmente acompanhada de uma igualdade de sucesso dos alunos que a frequentam (1998, p.11). A respeito dos mesmos trabalhos, a autora salienta que “o sucesso acontece, de modo desigual, nos diferentes grupos sócio-culturais que constituem a população escolar, sobretudo a nível de ensino básico (mas também nos outros graus de ensino) em que se verifica claramente e de uma forma muito acentuada que, “quem tem mais sucesso na escola são sobretudo, os alunos da classe média e classe média alta” (Cortesão, 1998, p.11). A ligação entre sucesso e proveniência sócio-cultural e económica ainda que não possa ser reduzida de forma tão elementar a uma relação de causa – efeito absoluta, como atestam estudos ainda recentes (Sá & Antunes, 2010a), onde se conclui acerca da influência que as dimensões relacionadas com a organização dos estabelecimentos de ensino também propiciam o aparecimento de desigualdades nos fluxos escolares dos alunos.

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one best way” para a levar a bom porto as organizações educativas61. Esta fórmula aparece,

consubstanciada pelo aparecimento de lógicas, em que os agentes escolares estando conscientes dos efeitos das suas escolhas, atuam de acordo com um cálculo de custos, meios e benefícios assentes em princípios puramente racionais e instrumentais. De acordo com esta conceção a posição da escola nos rankings publicados, conotada com a qualidade de ensino prestado, resulta de uma estratégia definida a priori.

Para Natércio Afonso esta lógica de gerencialismo empresarial pressupõe que,

“ […] cada escola deve definir e executar o seu próprio plano de desenvolvimento de acordo com a missão, os objectivos, os recursos disponíveis e o contexto, em vez de se limitar a assegurar a prestação do serviço na forma prescrita pelo Estado, como acontece na lógica da burocracia estatal. As escolas definem metas obedecendo apenas a uma estrutura de tutela política, com princípios e objectivos gerais definidos pelas autoridades governamentais” (2002, p.97).

O recurso em exclusivo a esta conceção, poderá revelar limitações quando da análise organizacional pelo que, e concordando com Estevão, teremos que considerar comos premissas, a existência de pluralidade nas “escolhas axiológicas” patentes nas “estratégias e racionalidades plurais que os actores escolares (pessoas ou grupos) mobilizam, negociando comportamentos (…) e resistindo a imposições com as quais não se identificam” (Estevão, 1998b, p.21). Tais dissemelhanças, são reveladoras da existência de distintas lógicas de acção dos atores da organização.

Em referência à conceção de lógica de acção, Van Zanten considera que “supõe (…) um conceito mais alargado de racionalidade, de escolhas axiológicas conduzidas por valores e normas, não estando confinada a processos exclusivamente instrumentais” (2006, p. 196), que vem permitindo entender, explicar e descrever as escolhas, e as “práticas, no contexto de uma acção individual ou colectiva”62. Para

Barroso & al. “os sentidos (princípios legitimadores) e as orientações expressas pelas lógicas de acção” (Barroso, Viseu, Dinis, & Macedo, 2006, p. 184) podem ser explicadas por fatores internos mas também por fatores externos63 à organização o que desde logo nos permitirá colocar a questão de saber se a

61 “In education circles the term ‘management’ now holds a particular and reverential place. The need for ‘good’ management in schools, colleges, and universities provides a point of massive agreement among educational practitioners of all learning and persuasions. Management is firmly established as ‘the one best way’ to run educational organizations” (Ball, 1991, p. 153). 62 Para Barroso, Viseu, Dinis & Macedo (2006), “a noção de ‘lógica de acção’ remete para a existencia de racionalidades próprias dos actores que orientam e dão sentido (subjectivo e objectivo) às suas escolhas e às suas práticas, no contexto de uma acção individual ou colectiva (…). Estas ‘lógicas’ são construídas ‘na acção’ e pela ‘acção’ ( pelo que além de ‘conteúdos’ são também dispositivos), podem referir-se a actores individuais ou colectivos, serem objeto de justificação pelos próprios actores (a partir do sentido que atribuem à sua acção) ou unicamente percebidas (e interpretadas) pela descrição e análise dos seus efeitos” (p. 178).

63 “Quanto às determinantes externas, são de destacar. Os princípios, normas e processos que sustentam a regulação externa (central ou intermédia); a procura social da escola no seu espaço local de pertença, a pressão exercida pelo jogo das

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qualidade, conotada com os resultados e com a posição da escola no ranking, poderá ser devidamente certificada.

No referente às “lógicas internas”, poderemos encontrar práticas e “sentidos” indiciadores da procura de uma qualidade educativa assente na defesa dos valores democráticos, de promoção da equidade justificada pelo desenvolvimento de projetos64 e atividades extracurriculares e de apoio ao

estudo. Em análise a trabalho de Michael Rutter (1979), Jorge Ávila de Lima procura identificar “processos escolares que pudessem estar associados aos resultados dos alunos” (2008, pp. 74-75), e que estejam ou possam ser imputados à “organização social das escolas”. Neste trabalho, é confirmado que “factores relativos aos processos de escola apresentam inúmeras associações significativas” (Lima J. Á., 2008, p. 84) entre as sete áreas conceptuais em que o trabalho se encontra organizado: “ênfase académica, comportamento dos professores nas aulas, recompensas e castigos dados aos alunos, condições oferecidas aos estudantes, responsabilidades atribuídas a estes últimos e a sua participação na vida da escola, estabilidade da docência e dos grupos de amizade dos alunos e organização do pessoal da escola”. Particularizando, destaca-se o fato de os alunos tenderem a apresentar melhores resultados académicos e comportamentais nas escolas que colocavam uma ‘ênfase apropriada’ (…) nas questões académicas” (Lima J. Á., 2008, p. 78), ressalvando as dimensões relacionadas com o desenvolvimento do currículo e as expectativas dos “professores sobre o currículo dos alunos”.

Sem menosprezar as outras decisões, destacamos igualmente a importância atribuída, ao nível da “organização do pessoal docente da escola”, nomeadamente no respeitante ao “padrão de tomada de decisões na escola”. A este respeito verificou-se que os melhores resultados educativos estavam associados a escolas onde a tomada de decisão acontecia “ao nível dos responsáveis máximos da instituição” (Lima J. Á., 2008, p. 82) mas em associação, que se revela fundamental, à consideração pela opinião dos restantes docentes65.

Existem também evidências da existência de “pretensões e reivindicações particulares de segmentos cada vez mais significativos de encarregados de educação” (Sá & Antunes, 2010a, p. 50)

interdependências entre escolas que pertencem a uma mesma área escolar. Quanto às dinâmicas internas. A ‘identidade’ da escola e a sua cultura organizacional dominante [ethos organizacional]; as formas [ou estilos de gestão]; as micropoliticas organizacionais” (Barroso, Viseu, Dinis & Macedo, 2006, p. 184).

64 Para Barroso & Viseu “A realização de projectos e actividades extracurriculares surge com o fim de melhorar a prestação do serviço educativo, de os professores obterem uma realização profissional não satisfeita pelo modelo uniforme decidido centralmente e de adaptar (a maior parte das vezes de maneira isolada e sectorial) as condições de funcionamento da escola às características dos alunos e meio social de pertença” (2006, p. 155).

65 Outro aspeto organizacional a salientar, diz respeito à “planificação conjunta das aulas” que segundo o autor, aparecia, no trabalho analisado, “associada negativamente com a assiduidade e a delinquência dos alunos” (Lima J. Á., 2008, p. 82).

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configuradas em formas de participação quer no dominio formal quer no dominio informal, e que assoma para a organização escolar uma dimensão que extravasa o dominio restrito dos docentes e direção66. As

escolas perante a necessidade de atenderem às demandas dos Encarregados de Educação, recorrem a “práticas pedagógicas e processos organizacionais” (Melo, 2009, p. 86) que nem sempre formalizadas no “plano da acção”67, e embora não representem desconformidade legal, poderão indiciar um ethos

organizacional imbuido de principios éticamente questionáveis. A investigação revela-nos alguns exemplos empíricos como “alterações na distribuição de serviço dos professores que leccionam o 12º ano e dos cuidados particulares que são tidos com os horários das disciplinas que constam nos rankings” (Melo, 2009, p. 422); o cuidado que há em cruzar interesses de alunos (e pais) com interesses de professores promovendo “uma convergência de interesses entre os professores que leccionam aos anos mais avançados, que são também os ‘mais antigos’, e uma agenda mais geral de preparação para a universidade” (Sá & Antunes, 2010a, p. 49, )68; o “enviesamento étnico e social” (Barroso & Viseu, 2006,

p. 155) concretizado nas turmas de nível, ou através do encaminhamento de certos alunos para medidas profissionalizantes como os Cursos de Educação e Formação.

Tais medidas, apresentadas no despacho conjunto n.º 453/2004 como a solução a ser seguida de forma sistemática para a “promoção do sucesso escolar, bem como a prevenção dos diferentes tipos de abandono escolar, designadamente o desqualificado”, são questionadas pelo fato de poderem constituir evidencia da “incapacidade [do sistema](…) responder eficazmente à formação global dos alunos” (Morgado, 2001, p.14), potenciando desta forma o “risco de exclusão que, começando por ser escolar, provavelmente acabará por conduzir a situações de exclusão social” (idem), que será tanto mais consideravel quanto maior for a diversidades do público escolar.

Associando aos autores que estamos a referenciar neste ponto, o trabalho de Clímaco, e tendo como referência o lapso temporal que privilegiamos nesta análise, todos concordam que “o controlo e a responsabilização pela qualidade educativa tem passado do Estado para estruturas mais próximas da escola e para comunidades locais” (Clímaco, 2005, p. 61), pelo que à regulação normativa e burocrática se associam outras formas de “pressão política e social”, compondo uma panaceia de “determinantes

66 Ver Melo (2009); Barroso & Viseu (2006); Barroso, Viseu, Dinis & Macedo (2006); Sá & Antunes (2010a e 2010b). 67 Ver Lima1998 (1992, 1ª Ed.), p. 582.

68 Sá e Antunes comentam este fenómeno, referindo que se trata “da distribuição desigual de um recurso escasso que, aliado a outras distribuições desiguais, pesa também na produção do sucesso/insucesso, aqui igualmente com vantagem para os (que já eram) privilegiados (os que acedem aos últimos anos do nível secundário e às suas fileiras de maior prestígio)” (2010a, p.49).

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externos”69 que permitem explicar o desenvolvimento de lógicas centradas na promoção, no marketing e

nas “relações com outras escolas”, transformando num vetor fundamental para as lógicas organizacionais, a visibilidade pública positiva que permite atrair não só alunos em número suficiente para o “funcionamento da escola”, como os melhores alunos70. Segundo Barroso et. Al. “entendida como

a capacidade, que a escola demonstra ter, de suscitar a vontade dos alunos em querer frequentá-la” (2006, p. 169), a atratividade 71 sobrevém como dimensão organizacional que interessa considerar tendo

como objectivo intenção de uma imagem de qualidade que interessa construir e fazer entender.

Embora Van Zanten faça referência às “escolas do território português”72 como as menos

preocupadas em agir sobre o recrutamento dos alunos, não só por serem “as menos afectadas por regulações locais, mas também por se terem observado estratégias de escolha pouco intensas por parte dos pais e encarregados de educação” (2006, p. 199) assumimos a opção de considerar o conceito de “interdependência competitiva”73 explorado pela autora considerando que nos permitirá uma focalização

mais real dos esquemas de racionalidade que orientam a ação organizacional das escolas. As lógicas concorrências embora confinadas a uma dimensão territorial aparece associado à conformação da “posição das escolas nas hierarquias locais”. O modelo explorado por esta autora vem romper “com uma concepção vertical de escola” (2006, p.197), colocando ênfase nas “dinâmicas locais” que derivam da relação entre “estratégias das famílias para produzir um envolvimento escolar diferenciado” (Sá & Antunes, 2010b, p. 470) e a resposta da escola, como responsável pela gestão de recursos que se

69 Van Zanten refere que as escolas “tal como outras organizações, são afectadas não só por directivas nacionais ou locais ou pelos seus processos internos, mas também pelo funcionamento das escolas vizinhas, exercendo elas próprias influência de formas recíproca nos estabelecimentos de ensino que lhe estão próximos” (2006, p. 194)

70 Garantido desta forma resultados escolares e “diferenciais entre as classificações dos alunos: internas (atríbuidas pelo professor) e externas (obtidas nos exames)” (Sá & Antunes, 2010a, p. 118), que lhes permitam melhoria no ranking e a construção de uma visiblidade mais positiva.

71 Barroso et. al., considera que a construção da atractividade, “resulta de factores de diferente natureza” (2006, p.170), podendo ser diferenciada da seguinte forma: (a) “atractividade passiva”, “quando os factores que levam os alunos a frequentar a escola resultam de situações e/ou determinações (em regra de natureza institucional) exógenas à própria escola” (2006, p.170) como a localização da escola no território, “as características do edifício escolar”, a “composição social do meio e as características da população escolar” (idem)e o corpo docente; (b) “Atratividade activa”, que “resultará da acção intencional das escolas da escola, desenvolvida com o intuito de ‘captar’ e ‘satisfazer’ os alunos, traduzindo-se, nomeadamente, na definição de estratégias, na promoção de acções , no despoletar de iniciativas ou medidas que têm esse objectivo claro, ou em última análise, embora não tendo essa intenção expressa concorrem para o efeito de atracção sobre os alunos” (2006, p.170). 72 No âmbito da participação no projeto “interdependências competitivas e lógicas de acção nas escolas: uma comparação europeia”, a autora apresenta “uma análise interpretativa e comparativa” (Barroso, 2006, p.33) do fenómeno da “interdependência entre escolas como espaço de regulação local”, apresentando um modelo baseado “numa tipologia que prevê a existência de quatro ‘ideais tipo’ de escolas quanto ao seu grau de ‘coerência’ e de ‘consenso’ das suas lógicas de acção: ‘integradas’, ‘polarizadas’, ‘anómicas’ e ‘conflituais’” (Barroso, 2006, p.33).

73 Segundo Van Zanten, este conceito “pressupõe que as escolas, tal como outras organizações, são afectadas não só por directivas nacionais ou locais ou pelos processos internos, mas também pelo funcionamento das escolas vizinhas, exercendo elas próprias influência de forma recíproca nos estabelecimentos de ensino que lhes estão próximos” (2006, p.194).

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apresentam como escassos. A estratégia do estabelecimento de ensino centra-se em processos de fabricação da excelência74 que se pretende visível, na melhoria dum ranking de âmbito local, ou no

produto da imagem que se pretende assumida pela comunidade ou pelas instituições a quem se presta contas.

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