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O espectador como colaborador-participante da cena: alguns norteadores do Agrupamento

2 O ESTREITAMENTO FÍSICO ENTRE A CENA CONTEMPORÂNEA E O

2.3 O espectador como colaborador-participante da cena: alguns norteadores do Agrupamento

Na busca do acolhimento do espectador transeunte, em uma articulação para quebrar as rígidas estruturas teatrais, parte do teatro contemporâneo visa à criação de novas molduras espaciais nas cidades, objetivando a troca de experiências entre a cena e o espectador: “O teatro é tudo que ocorre entre o espectador e o ator” (GROTOWSKI, 1992, p. 28).

Ao caminhar pela rua e se deparar com propostas cênicas, o espectador transeunte pode movimentar-se pela obra, experimentando, assim, a cena. Este espectador, que traz em si memórias diversas, pode, também, adentrar ao interior da obra, vendo-a, refletindo sobre a mesma, sintetizando e lembrando, sendo contaminado pelo teor da proposta. (LEHMANN, 2007). Este teatro, que é capaz de contaminar os participantes, pode provocar alterações nas formas de pensamento, restituindo conflitos adormecidos e inaugurando revelações implícitas em todos os envolvidos: “O teatro como a peste, deve contaminar” (ARTAUD, 1999, p. 18).

Esta relação com o público pode gerar respostas concretas ao procedimento da cena, pois o espectador torna-se fundamental ao jogo cênico. Fundamental, uma vez que ele é o elemento que concretiza o diálogo no jogo. Sem o espectador “[...] o teatro perde a conexão com a realidade” (DESGRANGES, 2003, p. 27), pois é a relação com espectador que sustenta a motivação em se fazer teatro.

Parte do teatro contemporâneo apóia as suas experiências na troca entre a cena e o espectador e, por isto, o gosto pela fruição artística precisa ser estimulado. Tal estímulo pode ser dado ao convidar o espectador a participar, a se comunicar com a cena. O público tem a chance de adentrar no jogo teatral. Desta forma, o ato cênico torna-se transgressor ao conceito de arte como mercadoria finalizada, pois a obra está aberta às modificações, sendo reestruturada a cada instante, afirmando assim, o espectador como agente ativo do processo.

A perspectiva de olhar a cena sob o espaço urbano-público em que ela acontece, pode dirigir uma diferente visão no espectador, criando um fluxo orgânico na condução da obra. Guenón (2004) defende que o jogo do teatro é dotado de uma necessidade de relação com o espectador, em um confronto com a verdade: “O teatro hoje está desnudado, consiste no jogo da apresentação da existência em sua precisão e a sua verdade” (p. 147). O autor afirma que a atividade do espectador está ligada ao jogo que a cena irá estabelecer, em momentos múltiplos de aproximação e de afastamento, de observação e de participação.

Segundo Ivone Barriga (2006), esta participação será diferenciada entre as pessoas, pois cada espectador transeunte poderá trazer consigo percepções individualizadas sobre o mundo: “Se as nossas memórias possuem particularidades específicas, é com estas particularidades que trabalhamos no intuito de ressignificá-las, de modo a elaborarmos um discurso artístico pertinente de ser dividido com o outro – o público” (p. 192). Sendo assim, tais ressignificações podem mudar o cotidiano habitual dos cidadãos, exigindo novas

perspectivas sobre a cidade. Com isto, o teatro nas ruas pode obter um grau avançado na relação com o espectador atuante, pois a rua permite a construção coletiva, visando à mistura de vozes e incitando sensações diferenciadas do dia a dia para despertar novas formas de consciência.

Diante de tais apontamentos, provocar a atitude física do espectador transeunte a fim de mobilizá-lo é um dos eixos norteadores do Obscena. Acreditando no espectador como um parceiro indispensável à proposta cênica, que muitas vezes já “está contaminado pela espetacularização da vida, que dá à realidade a roupagem de ficção” (SOLER, 2008, p. 40), o Agrupamento busca formas artísticas que dialoguem com o olhar do público transeunte. A presença de espectadores, advindos de diferentes grupos sociais, permeia a idéia de construção de uma rede colaborativa entre estes e a cena, nos cruzamentos de diálogos que viabilizem uma compreensão sobre as diferentes formas de atuação cênica na rua.

Mediante as experimentações públicas, os componentes do Agrupamento almejam relações que se retroalimentem através da comunicação próxima entre as pessoas que diariamente andam pelas ruas: “São eixos norteadores do Obscena, o procedimento work in

process, o conceito de intervenção em espaços públicos e urbanos”11.

Tendo a arte como um veículo de alteração da sensibilidade e da percepção social, o Obscena visa romper as fronteiras espaciais entre a cena e o público, objetivando uma reescritura dos signos dos espaços públicos de Belo Horizonte: “Nas zonas de ruptura, as forças de aceleração e desterritorialização se chocam com forças de permanência e reterritorialização, estabelecendo relações híbridas entre si” (HEEG in GARCIA, 2008, p. 49). Desta maneira, pode-se afirmar que o Obscena visa possibilitar o encontro entre o espectador

11 CAETANO, Nina. O Feminino. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acessado em: 15 de

transeunte e a cena, pautando-se entre a dimensão da percepção coletiva e a singularidade das percepções individuais.

O impacto almejado pelo Agrupamento se constrói em ressonância com o contexto social de Belo Horizonte, nas suas múltiplas formas de vida, visando estabelecer transgressões do espaço cotidiano desta cidade: “[...] as experimentações se retroalimentam através não só de um diálogo constante entre os pesquisadores envolvidos, mas também por meio da participação do espectador/colaborador”12. Com isto, o projeto “Às margens do feminino: texturas teatrais da beira” tem o transeunte como participante das intervenções artísticas. Assim, o projeto supracitado compôs um olhar sobre os exercícios performáticos de interrupção cotidiana na região central de Belo Horizonte, inserindo linguagens teatrais híbridas para a confecção de diálogos.

Desta forma, o projeto buscou utilizar as multiplicidades nas relações, em uma tentativa de convivência flexível com o espectador, visto como o elo entre as várias funções das obras artísticas. Portanto, “Às margens do feminino: texturas teatrais da beira” verticalizou a investigação do Obscena, apontando “tanto para uma avaliação diagnóstica quanto para a promoção de travessias estéticas, pedagógicas e teóricas” (CABRAL, 2008, p. 46).

12 CAETANO, Nina. O Feminino. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Belo Horizonte: 2010.

3. A CRIAÇÃO DO OBSCENA: AGRUPAMENTO INDEPENDENTE DE