SUMÁRIO
5. PROPRIEDADES FOTOLUMINESCENTES 145 1 Processo luminescente da matriz ZrO 2
1.4. Espectroscopia de fotoluminescência
1.4.1. Terras raras
Os elementos terras raras (TR) compreendem os elementos lantanídeos (Ln: La, Ce, Pr, Nd, Pm, Sm, Eu, Gd, Tb, Dy, Ho, Er, Tm Yb, Lu) além dos elementos Sc e Y. Esses 17 elementos pertencem ao grupo 3B da tabela periódica e suas propriedades químicas são muito semelhantes. O termo terra rara deriva, principalmente, da dificuldade de sua separação, considerando que os elementos terras raras menos abundantes na crosta terrestre Tm (0,5 ppm) e Lu (0,8 ppm) são mais abundantes que elementos como Ag (0,07 ppm) e Bi (0,008 ppm)
[50,51].
Nos íons terras raras, o estado de oxidação predominante é o estado trivalente (Ln3+, Sc3+,
Y3+ e La3+), entretanto, também podem ser encontrados os estados divalente (Sm2+, Eu2+, Tm2+
e Yb2+) e tetravalente (CeIV, PrIV e TbIV). A configuração eletrônica dos íons Ln3+ é representada
por [Xe]4fn, que apresenta um aumento gradual no número de elétrons n com o aumento do
A blindagem exercida pelas subcamadas 5s2 e 5p6 sobre os orbitais 4fn exerce um efeito
direto na estrutura dos níveis de energia dos íons TR3+, conduzindo ao desdobramento dos
subníveis 2S+1L
J em torno de 200 cm-1 muito menor comparado com aqueles das configurações
dos elementos de transição 3d (~15000 cm-1), 4d (~20000 cm-1) e 5d (~25000 cm-1) [52]. Esta
propriedade espectroscópica confere um caráter atômico às transições intraconfiguracionais dos íons TR3+. O pequeno desdobramento dos subníveis implica em bandas de absorção e emissão
estreitas características de seus níveis de energia, com fraco efeito nefelauxético. A presença de bandas finas oriundas de transições intraconfiguracionais dos íons TR3+, devido a fraca
influência do campo ligante, facilita a interpretação dos dados espectrais de absorção e de emissão tornando estes íons potenciais sondas espectroscópicas (Figura 1.4).
As transições 4f-4f dos íons TR3+ são proibidas pela regra de Laporte, a qual permite
transições por dipolo elétrico entre estados de paridade oposta (Δl = ±1). No caso das transições 4f-4f (Δl = 0) não se observa bandas de absorção e de emissão para o íon livre e sistemas que têm centro de simetria. Contudo, essa regra pode ser relaxada quando o íon terra rara encontra- se na presença de um campo ligante cuja simetria não apresenta centro de inversão. Portanto, o tempo de vida de emissão das transições intraconfiguracionais é consideravelmente longo (da ordem de milissegundos). Nesse caso, ocorre uma mistura de configurações eletrônicas de paridades opostas (4fn e 4fn-15d) pela componente ímpar do campo ligante, sendo as transições
Figura 1.4. Diagrama parcial das energias dos níveis espectroscópicos dos íons TR3+ baseado
nos sistemas TROCl e TROBr.
Os íons TRs também apresentam as transições interconfiguracionais 4fN-1-5d. Por
exemplo, os íons terras raras divalentes (Sm2+, Eu2+, Tm2+ e Yb2+) e os íons TR3+ que tem
tendência a oxidar, como Ce3+, Pr3+ e Tb3+, apresentam essas transições na região do UV-Vis [51]. Vale ressaltar que as transições interconfiguracionais 4f-5d são permitidas pela regra de
δaporte (Δl = ±1) e, consequentemente, possuem alta intensidade de absorção e emissão, além de tempos de vida muito curtos, variando da ordem de ns (Ce3+), s (Eu2+ e Tb3+).
Como os orbitais 5d sofrem maior influência do campo ligante, seus espectros apresentam bandas largas e sofrem forte efeito nefelauxético. Portanto, a diferença de energia entre o níveis fundamentais e os níveis 4fn-1-5d dos íons terras raras dopados em uma determinada matriz
hospedeira segue sempre a mesma tendência, independente da material [54].
Assim como as transições 4fn-1-5d, as transições de transferência de carga ligante-metal
(LMCT: Ligand to Metal Charge Transfer) também são permitidas, possuindo altas intensidades de absorção e emissão. A faixa de energia para essas transições encontra-se na região do UV-Vis para os íons terras raras tetravalentes (CeIV, PrIV e TbIV) e para os íons
trivalentes que possuem tendência a reduzir, como Sm3+, Eu3+, Tm3+ e Yb3+. Por exemplo, os
óxidos Pr6O11 e Tb4O7 possuem coloração intensa devido a presença das transições LMCT dos
íons PrIV e TbIV na região do visível.
1.4.2. Metal de transição: Titânio
O elemento Ti apresenta configuração eletrônica [Ar] 3d²4s² e, portanto, seus elétrons de valência encontram-se nas subcamadas 3d e 4s. O estado tetravalente ([Ar] 3d0) é o mais
estável e comum, entretanto esse elemento é observado também nas formas trivalente ([Ar] 3d1)
e divalente ([Ar] 3d2). Os íons titânio comumente adotam sítios de coordenação octaédrico em
complexos, entretanto é possível observar complexo TiCl4 de estrutura tetraédrica. O íon TiIV
possui alto grau de covalência das ligações químicas devido ao alto estado de oxidação. O óxido mais importante é o TiO2, que existe em 3 diferentes polimorfos: anatase, brookita e rutilo [55– 57]. Todos os óxidos são sólidos brancos e diamagnéticos, embora alguns minerais (e.g. rutilo) podem apresentar coloração escura. Os óxidos de titânio adotam estruturas em cadeia onde o Ti é rodeado por seis átomos ligantes de oxigênio em um arranjo octaédrico que é ligado a outro
octaedro. Os titanatos usualmente se referem aos compostos de titânio (IV), como representado pela perovskita BaTiO3[58].
Uma variedade de óxidos de titânio reduzidos é conhecida. Ti3O5, que possui espécies
TiIV-Ti3+, é um semicondutor de cor púrpura, produzido a partir de TiO
2 em fornos de alta-
temperatura com fluxo de H2. O óxido Ti2O3 possui apenas espécies Ti3+ e apresenta coloração
escura devido a defeitos presentes na rede cristalina do óxido não-estequiométrico [59]. Em todos os casos, o íon Ti3+ em um ambiente químico composto de átomos de oxigênio assume
preferencialmente número de coordenação 6 em sítios octaédricos.
Tabela 1.1. Carga, número de coordenação (N.C.) e raio iônico dos estados de oxidação mais comuns do titânio.
Carga N.C. Raio Iônico (Å)
2+ 6 0,86 3+ 6 0,67 4+ 4 0,42 5 0,51 6 0,61 8 0,74
O estudo sobre espectroscopia eletrônica de íons Ti3+ (3d1) é de importância histórica
desde que Ilse e Hartmann interpretaram pela primeira vez a banda de absorção de baixa intensidade (~20100 cm-1), que ocorre em soluções aquosas de Ti3+ (hexaaquotitânio (III) como
sendo oriunda da transição 2T
2g→2Eg. Todos os compostos octaédricos de Ti3+ possuem uma
banda de absorção nessa região e apresentam coloração roxa. Os complexos hexacoordenados de Ti3+ de simetria mais baixa que O
h apresentam desdobramento do dos níveis 2Eg, de
magnitude comparável aos complexos Oh que sofrem o “efeito Jahn-Teller”. As propriedades
fotoluminescentes dos íons Ti3+ em matrizes inorgânicas são bem conhecidas para alguns
ultracurto e emissão sintonizável de 650 a 1100 nm. A emissão característica do material Ti- safira é também oriunda dos íons Ti3+, presentes na matriz de Al
2O3, atribuída a transição 2E→2T
2.
Os íons TiIV (3d0) não apresentam elétrons d e, portanto, não são opticamente ativos.
Entretanto, é possível observar materiais inorgânicos dopados com TiIV que apresentam
luminescência de alta intensidade devido a transições de transferência de carga. Nesses materiais, a fotoluminescência, usualmente na região do azul, origina-se da transferência de carga de orbitais 2p dos íons oxigênios circunvizinhos para os orbitais externos vazios 3d do TiIV, na unidade poliédrica O2--TiIV→τ--Ti3+, e com emissão subsequente oriunda da transição 3T
1→ 1A1.
A caracterização da valência dos íons Ti em matrizes inorgânicas não é uma tarefa fácil. A utilização de técnicas de espectroscopia de absorção de raios X (XAS), é geralmente inconclusiva devido a complicada estrutura de pré-borda K. A espectroscopia de fotoelétrons excitados por raios X (XPS) mostra-se mais promissora, porém com dificuldades experimentais de diferenciar o íon TiIV do Ti3+, devido a energia de ligação dos elétrons serem bem próximas.
Somado a essa dificuldade, o potencial de redução do TiIV pode ser tão baixo quanto 0,3 V, o
que faz com que, em termos práticos, toda matriz possua ambos estados de valência. Em materiais dopados com titânio, fatores como raio iônico, carga e formação de defeitos têm que ser levados em consideração quando se quer inferir a valência do íon na matriz hospedeira (Tabela 1.1) [23].