• Nenhum resultado encontrado

Conforme Athayde (2014), há uma tendência a conceituação da política de esporte de forma rasa e escassa de conteúdo, pois, comumente os indivíduos a conceituam baseados no senso comum. Assim, conceituar o esporte, dentro do aspecto científico, exige abandonar as ideias naturais e cotidianas do senso comum.

Existem várias linhas teóricas que apontam o surgimento do esporte. Há aqueles que acreditam em sua origem desde as sociedades primitivas, associando o esporte a arte da guerra. Outra linha argumenta que estas modalidades (competição de arco e flecha na Roma antiga, egípcios, chineses etc.) são “proformas do esporte” advogando que a origem do esporte moderno se dá com o desenvolvimento capitalista.

Assim, baseados nesta última linha argumentativa, Castellani Filho (2008 apud ATHAYDE, 2014) conceitua o esporte como uma construção humana, fruto de sua atividade, visando responder as necessidades da sociedade em seu processo civilizatório.

Neste sentido, embasado no pensamento Marxista, consideramos que as necessidades humanas são necessidades tanto de ordem biológica (comer, dormir e se reproduzir) bem como necessidades do espírito (cultura, religião, política). O esporte e lazer entram, portanto na segunda ordem de necessidade; as da cultura, devendo ser direitos defendidos em uma sociedade que busca ser democrática.

Neste contexto, das origens do esporte moderno, as olimpíadas de 1896 são ilustrativas das características que o esporte assumia na sociedade. Conforme Proni (2004 apud ATHAYDE, 2014), Pierre de Coubertin, barão que promoveu os jogos olímpicos de 1896, “almejava manter o esporte diretamente vinculado a um ideal aristocrático e, concomitantemente, associar a prática esportiva a um modelo burguês de educação, valorizando a igualdade de oportunidades dentro da concepção liberal” (p.93). Os jogos perpetuavam, conforme o mesmo autor, uma clara distinção entre classes, por meio da separação do esporte profissional e o amadorismo, o qual era destinado aos menos abastados e possuidores de tempo e condições matérias para as práticas esportivas.

Assim, o amadorismo tinha função educativa e de formação de caráter, de modo que fossem preservados os princípios éticos aristocráticos, enquanto o profissionalismo, com as competições e campeonatos, com seu potencial de mercantilização, afirmava o ideal liberal (ATHAYDE, 2014). Assim, para os idealizadores das olimpíadas, o esporte poderia ser

31 caracterizado com neutralidade, até mesmo recusando o financiamento do governo.

Entretanto, logo se mostram as características intrínsecas das competições esportivas, isto é, sua dimensão sociopolítica.

Nessa linha, o esporte alcançou níveis de competição internacionais, carregado do simbolismo de uma nação superior a outra ao passo em que essa se mostrava vitoriosa nas competições.

A Guerra Fria foi ilustrativa do processo de extremismo nas competições esportivas.

Há, neste período, uma forte disputa entre EUA e União Soviética, uma disputa esportiva que figura a disputa ideopolítica dos dois países. Assim, Athayde (2014) demonstra que neste momento ocorre uma diminuição dos valores pregados no esporte amador, sobrepujados pela necessidade de vencer a qualquer custo e representar a superioridade de sua nação. O autor assinala que justamente neste período que se destacam e proliferam os eventos de suborno e doping.

Seguindo ainda a linha de análise histórica do esporte na sociedade contemporânea, após o período de disputa entre ideologias de sociedade através do esporte, no período da Guerra Fria, há a queda do murro de Berlim e, portanto a “derrota” do Socialismo real e a vitória do Capitalismo. Assim, acompanhando o movimento histórico, as competições esportivas passam por uma ressignificação, como nos mostra Athayde (2014):

Com a queda do muro de Berlim, o fenecimento da Guerra Fria e o fortalecimento do capitalismo como formação social hegemônica, os investimentos no esporte mudaram de sentido. Para além de sua finalidade ideopolítica, como possuía a capacidade de mobilizar grandes agrupamentos humanos, o esporte passou a ser identificado e valorizado pelo seu potencial mercadológico. (p. 95)

Sob a ótica do mercado, o esporte passa a vincular-se com a sua especularização, ou seja, por meio dos grandes eventos esportivos (campeonatos, olimpíadas, Copa do Mundo de Futebol FIFA e demais megaeventos) o esporte torna-se um mecanismo de associação dos campeões com as grandes empresas, sendo os atletas “garotos propagandas”. Neste contexto o esporte, o qual deveria ser o elemento essencial dos eventos, acaba subsumindo-se3 a lógica do capital. Ou seja, os interesses da prática esportiva estão subsumidas aos interesses dos patrocinadores, das grandes empresas, impressas, financiadores do evento.

3 O conceito de subsunção é utilizado por Marx para descrever a subsunção formal e real do trabalho ao Capital.

32 O esporte passa então por um processo de alienação de forma que, como pontua Marques (2009, apud ATHAYDE, 2014), para uma pessoa ser considerada um admirador do esporte, basta que este acompanhe os lançamentos de produtos na área, assine as revistas de esporte e compre um pacote de canais de televisão que transmitam os jogos, sem a necessidade real de praticá-lo.

Observa-se que o esporte enquanto categoria própria da construção humana e resposta a suas necessidades, o que lhe caracteriza como um dos direitos de cidadania perde foco para uma superconcentração do esporte enquanto mercadoria.

Devido ao crescimento do processo de mercantilização, o esporte passa a ser objeto voltado majoritariamente ao consumo. Diante desse contexto, verificamos a translação do esporte como direito do cidadão (baseado nos princípios do Estado de Bem-Estar e nos preceitos consignados na CF de 1988) para a condição de um esporte como “direito do consumidor”.

(ATHAYDE, 2014, p. 99)

O Esporte é posto como um direito de Cidadania, devendo, portanto, ser objeto de políticas sociais. Cidadania é aqui entendida como um conceito que, conforme exposto no capítulo anterior, carrega a disputa de ideologias distintas. Há os que consideram a cidadania como apenas o exercício do sufrágio universal, ou aqueles que compreendem esta como destinada ao mundo do consumo, isto é “Cidadão Consumidor”. Entretanto, consideramos cidadania como as condições reais e materiais de participação dos sujeitos na vida política.

Isto significa, nas palavras de Melo (2004, p. 108), considerar:

a cidadania não como algo outorgada definitivamente, mas sim fruto de uma luta permanente, sobretudo das classes trabalhadoras visando a incorporação de direitos, em processos históricos de longa duração. Estamos falando da capacidade conquistada por todos os indivíduos e grupos sociais de disporem dos bens socialmente produzidos, possibilitando uma vida onde o acesso às criações artísticas, científicas, do plano da subsistência material não seja privado a pequenos grupos. Um regime democrático precisa contemplar todos os chamados direitos de cidadania (COUTINHO, 2000).

De tal forma, coloca-se o esporte como categoria constituinte da cidadania plena:

Concebemos o acesso/permanência a práticas corporais como dimensão da cidadania, por relacionar-se com a tarefa de socialização da produção humana e não com a apropriação privada ou por pequenos grupos da produção de riquezas, seja material ou cultural. A Educação Física e os esportes se inserem no campo dos bens culturais, indispensáveis a condição

33 de ser cidadão, embora não suficientes. Com isso, o constante evocar de ações cidadãs nesse campo podem estar indicando um esvaziamento da dimensão política da cidadania de enfrentamento da ordem excludente do capitalismo. Assim, de bandeira de luta contra a organização excludente da sociedade capitalista, objetivando denunciar o acesso/permanência desigual aos bens produzidos pela humanidade, bem como sua apropriação privada, a cidadania torna-se simples palavreado vazio (MELO, 2004, p. 119).

Assim, põem-se uma definição de esporte diferente da hegemônica, de forma a ser reconhecido como direito de cidadania e, logo, direito de todos os sujeitos e dever do Estado.

Tal concepção diferenciada possibilita um primeiro passo para a reivindicação desse direito que, conforme exposto, é socialmente produzido e apropriado de forma privada, sendo uma expressão cultural da humanidade.

A Cultura, entendida no sentido subjetivo como um complexo de valores, significações e objetos simbólicos que estão inseridos no processo de formação intelectual do homem como um todo e, no sentido objetivo, como um conjunto de hábitos e criações humanas em todos os seus planos de atividades, permite nestas duas conceituações perceber que o Esporte deve ser compreendido como uma manifestação cultural.(BRASIL, 2005, p.16)

Documentos relacionados