• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 3 – Síntese e avaliação da ação antiproliferativa e antimicrobiana de análogos da

1.3 Esteroides com acção antitumoral e anti-infeciosa

1.3.4 Esqualamina enquanto agente antimicrobiano

De um modo geral, sabe-se atualmente que as principais ameaças relativas à resistência aos antibióticos provêm das bactérias Gram negativas (8). Neste âmbito, sabe-se também que o principal problema dos antibióticos ativos a nível membranar foca-se mais nas bactérias Gram negativas do que nas bactérias Gram positivas. Tal facto, deve-se às particularidades da parede celular que constitui uma bactéria Gram negativa, comparativamente à que constitui uma Gram positiva (Figura 7). Neste contexto, torna-se pertinente perceber quais são essas particularidades numa tentativa de contornar as resitências que destas advêm.

A parede celular das bactérias Gram positivas apresenta-se como uma monocamada justaposta à membrana celular, sendo a célula constituída praticamente sem periplasma (Figura 7). Na maioria dos casos esta parede é permeável a macromoléculas e de um modo geral não oferece resistência à difusão dos antibióticos (30).

A membrana externa de uma bactéria Gram negativa constitui uma barreira adicional à penetração dos antibióticos, o que faz com que muitos dos antibióticos que são ativos contra bactérias Gram positivas não o sejam contra estas (31, 32).

As bactérias Gram negativas possuem na sua constituição, além do peptidoglicano também presente nas Gram positivas, uma membrana externa constituída por lipopolissacarídeos (LPS), fosfolípidos, lipoproteínas e polissacáridos. Esta membrana externa funciona como uma barreira à difusão de antibióticos. Neste contexto, o LPS é a molécula mais característica das bactérias Gram negativas. Trata-se de uma molécula anfifílica, com uma região polissacárida (hidrófila) e o lípido A (hidrófoba). O LPS está ancorado na membrana externa através do lipídeo A e a região hidrófila projeta-se para o exterior da célula, fornecendo assim uma carga negativa à superfície bacteriana. A estabilidade da membrana externa é conseguida através das interações não covalentes que se estabelecem entre catiões divalentes dos vários LPS adjacentes (33).

Figura 7. Envelopes bacterianos das bactérias Gram positivas e negativas

Ainda que a membrana externa de uma bactéria Gram negativa constitua uma barreira adicional à penetração dos antibióticos, este não é o único mecanismo de resistência

73 bacteriana. A formação de biofilmes é um mecanismo transversal aos dois tipos de bactérias, sendo que, a formação destes aumenta a resistência contra a atuação dos antibióticos. Neste contexto, tanto bactérias Gram negativas como Gram positivas utilizam processos de comunicação que envolvem o “Quorum sensing” (QS) para regular diversas atividades fisiológicas, entre as quais, a formação dos referidos biofilmes. O QS consiste na capacidade de regulação da expressão génica em função da densidade celular. Através deste mecanismo, as bactérias libertam moléculas, que constituem sinais químicos, designados autoindutores que provocam uma alteração na expressão génica e consequentemente um aumento da densidade celular (34, 35).

Atualmente já se conhece o mecanismo de ação da esqualamina enquanto agente antimicrobiano (36) e sabe-se que está relacionado com a sua estrutura, nomeadamente com a presença da cadeia poliamina ligada ao seu núcleo esteroide, o que irá proporcionar uma interação eletrostática com as membranas aniónicas das bactérias (26, 27). De facto, a cadeia poliamina, com carga positiva, presente na estrutura da esqualamina promove a alteração da ligação dos catiões divalentes, levando à perturbação da organização da membrana externa de bactérias e, consequentemente, aumenta a permeabilidade membranar e a sensibilidade da bactéria a antibióticos hidrofóbicos (27, 31, 32, 37, 38).

Neste âmbito, foram já realizados diversos estudos para comprovar a ação da esqualamina sobre a membrana externa de bactérias Gram negativas. Assim, através da realização de estudos de bioluminescência foi possível detetar o efeito que a esqualamina sobre a concentração de ATP bacteriano intracelular, verificando-se um aumento do ATP a nível extracelular, indicando a propriedade permeabilizante da esqualamina (27, 31). Também no caso das bactérias Gram positivas de observa que ocorre uma forte despolarização da membrana celular, levando também à libertação do ATP e, consequentemente, à morte celular (27, 39).

Além de todas as propriedades já referidas que tornam a esqualamina uma molécula de elevado interesse, existe ainda outros fatores que lhe trazem ainda mais potencial. O facto de a esqualamina interagir com os vários glicerofosfolípidos das membranas celulares com diferentes afinidades torna esta molécula bastante importante para a aplicação em humanos, isto porque a esqualamina interage com uma maior afinidade com o fosfatidilglicerol, que é o principal glicerofosfolípido constituinte da membrana bacteriana, enquanto as células eucarióticas, que caracterizam os mamíferos são, essencialmente, constituídas por fosfatidilcolina (31). Ainda outro ponto a favor da esqualamina, enquanto nova aplicação terapêutica, está relacionado com o facto de a sua estrutura possuir um núcleo colestano, pelo que, os efeitos adversos ao nível das células eucariotas são muito reduzidos, ao passo que nas mesmas concentrações pode matar bactérias patogénicas (31).

Ainda que de modo prematuro, as diversas propriedades da esqualamina já são aproveitadas para a realização de novos estudos para determinar potencias aplicações terapêuticas para esta molécula. De fato, a capacidade de alteração eletrostática que a esqualamina é capaz de induzir ao nível da membrana celular, sugere que esta pode apresentar a capacidade de deslocar as proteinas ancoradas nesta membrana (26). Considerando que muitos vírus entram para as células através da ligação a proteínas membranares e tendo em conta a potenical capacidade de a esqualamina as deslocar da membrana celular, processos como a entrada do vírus para a célula, a síntese proteica, a montagem do vírus, e o processo de brotagem viral podem ficar comprometidos. Além disto, determinados vírus necessitam da presença do fosfolípido aniónico fosfatidilserina ao nível da membrana celular como elemento essencial para o processo de fusão, pelo que, a neutralização deste fosfolípido aniónico pela esqualamina pode eventualmente interromper este evento (26).

Com base nestes fatores, existem estudos a decorrer para determinar uma pontecial ação antiviral da esqualamina (26).

74

Documentos relacionados