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Fundamentado na argumentação teórica exposta, elaborou-se um esquema conceitual (Figura 1) que demonstra a inserção da assistência domiciliar à saúde no contexto social e suas interfaces. Através deste esquema é possível identificar e correlacionar de maneira nítida os temas apresentados, permitindo a busca pela compreensão das articulações entre as interpretações dos aspectos relacionados ao serviço de home care, e as práticas sociais dos atores diretamente envolvidos (família/equipe interdisciplinar), objetivo dessa pesquisa.

Figura 1 - Esquema Conceitual Fonte: do autor (2013).

Inicialmente o esquema situa os serviços de home care na estrutura social. A assistência domiciliar, de acordo com Duarte e Diogo (2000), é uma modalidade de atenção à saúde que consiste em encaminhar para o tratamento domiciliar o paciente clinicamente estável, que não mais necessita de todos os serviços específicos oferecidos pelos hospitais. De acordo com essas autoras, ao se considerar o contexto de um atendimento de saúde domiciliar, faz-se importante ponderar sobre seus aspectos fundamentais, a saber: o paciente, a família, o

contexto domiciliar, o cuidador e a equipe de saúde.

O paciente, que em geral é idoso, é o foco dessa modalidade de atendimento, pois devido à estimativa do crescimento mundial desse grupo etário, incrementam-se as doenças crônico-degenerativas e a consequente necessidade de intervenção dos serviços de saúde. A família consiste no grupo de pessoas que têm uma relação de pertencimento (aliança, filiação) com o portador do sintoma e que assume a responsabilidade do cuidado, seja ele físico, financeiro ou emocional. O contexto domiciliar como um local que tem história, lembranças e significados próprios é o ponto chave que diferencia o atendimento “convencional” hospitalar/ambulatorial do domiciliar. O cuidador é aquele que assume os cuidados do paciente, sendo ainda o elo entre o paciente/família e a equipe interprofissional de saúde. Em relação a esta última, trata-se de vários profissionais com seus conhecimentos específicos, que trabalham em prol de um objetivo comum, sendo que seus conhecimentos específicos são complementares e não concorrentes entre si.

O atendimento domiciliar à saúde surgiu em resposta a vários fatores envolvidos, dos quais é possível salientar: mudança demográfica na pirâmide populacional, mudança de paradigma do sistema de saúde mundial (ênfase nos pacientes crônicos), redução de custos, redução de risco de infecção, disponibilização de leitos hospitalares, desenvolvimento tecnológico que facilita e dá suporte à assistência domiciliar, maior envolvimento do paciente com a família nas atividades relacionadas à saúde e atendimento humanizado e individualizado oferecido no atendimento em domicílio (DUARTE; DIOGO, 2000; SILVA et al, 2005).

Segundo Pitta (1996), todas as organizações contemporâneas, e nessas incluem-se as organizações de saúde, produzem relações sociais e sistemas simbólicos que exercem influência sobre o individual, o coletivo, a sociedade e o mundo. Ainda de

acordo com a autora, essas organizações impõem exigências especiais que visam atender às permanentes e complexas necessidades específicas desse setor, onde casos supostamente simples podem comportar riscos não presumíveis.

Estudar as organizações sob a perspectiva simbólica permite identificar um ponto de vista comum e uma história que foi desenvolvida pela instituição ao longo de sua trajetória, e assim entender que as organizações expressam padrões complexos de atividades culturais (MORGAN; FROST; PONDY, 1983). Na abordagem simbólica, os símbolos resultantes das interações sociais precisam ser interpretados e traduzidos para a compreensão de seus significados (CARRIERI; LEITE-DA-SILVA, 2007).

O esquema conceitual também apresenta a construção social da realidade como estando presente em toda a estrutura social. Nesse sentido, pretende-se demonstrar que a vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles, na medida em que forma um mundo coerente (BERGER; LUCKMANN, 1978).

Berger e Luckmann (1978) consideram a relação entre o homem e o mundo social como uma relação dialética, em que o homem, em sua coletividade, e o cotidiano social atuam reciprocamente entre si. Essa realidade, socialmente construída, e também a sua superação, vão além do que pode ser observável, pois, os sujeitos, depois de instituir tal realidade, vivem-na dotada de legalidade própria (PECI; VIEIRA; CLEGG, 2006).

Para Berger e Luckmann (1978), a realidade da vida cotidiana é partilhada com outros, e há uma contínua reciprocidade de atos expressivos simultaneamente acessíveis a ambos (eu e o outro). E isso pode ser claramente visualizado através da interação existe entre os atores de um serviço de home care. Essas interações também estão expressas pelas relações de poder, que envolvem também relações de saber.

Para Foucault, o poder são relações de força que são exercidas nas práticas sociais, é algo que não há como alguém possuir, pois não é um objeto concreto, uma propriedade, é sim uma estratégia, uma rede que circula livremente em todos os pontos da estrutura social (SOUZA, 2004).

O objetivo do estudo de Foucault é oferecer uma análise interpretativa do cotidiano, tratando os fatos sociais como coisas (DREYFUS; RABINOW, 1995). Essa análise interpretativa do cotidiano não significa a busca por algo dado, por uma origem, pois para Foucault

[...] a história é feita de rupturas, descontinuidades. A ideia de que a história é algo contínuo, que sempre tende para o progresso, de que existe uma origem a ser descoberta e em cuja origem pode-se encontrar a essência do homem, toda a sua pureza, sua perfeição, enfim, tudo o que prega a metafísica socrático-platônica, é [...] mera ilusão (SOUZA et al, 2006, p.19).

Compreender as relações de saber como uma construção social vinculado à noção de poder é uma perspectiva relevante para entender a realidade da vida cotidiana, e a sua manutenção (VIEIRA et al, 2009). Essa realidade é construída socialmente e a sociologia do conhecimento procura compreender o processo que dirige este fato (BERGER; LUCKMANN, 1978).

Compreender, então, que o serviço de atendimento domiciliar pode ser interpretado de diferentes maneiras pelos atores diretamente envolvidos nesse processo de construção da realidade, é o que justifica esse estudo. Portanto, através da metodologia de pesquisa descrita no próximo tópico, em consonância com o esquema conceitual articulado, pretende-se responder ao seguinte problema proposto: como a interpretação dos aspectos relacionados ao serviço de home care se articula nas práticas sociais dos cuidadores familiares e da equipe interdisciplinar?