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A ESSÊNCIA DA “INTEGRAÇÃO NA PRODUÇÃO”

No documento Maoísmo na Bahia (1967-1970) (páginas 52-56)

3 INTEGRANDO COM AS MASSAS: A EXPERIÊNCIA DA AÇÃO POPULAR NA BAHIA

3.2 A ESSÊNCIA DA “INTEGRAÇÃO NA PRODUÇÃO”

A “integração na produção” foi freqüentemente associada às origens cristãs da Ação Popular, tendo como referência para esse processo a experiência dos padres operários. Acreditamos que essa analogia feita por alguns pesquisadores entre a integração e a atuação dos padres junto aos operários é limitada, na medida em que a integração se constitui numa prática de essência política empreendida pelos militantes da Ação Popular.

Para o melhor entendimento dessa experiência, faz-se necessário conhecer as transformações ocorridas no seio da Igreja Católica no pós Segunda Guerra Mundial e a experiência dos padres operários, a qual não se constitui numa tarefa fácil, devido à lacuna e a carência de estudos existentes sobre este tema.

O contexto político nacional e internacional dos anos 50 e 60 exigiram mudanças na postura da Igreja Católica em relação ao seu laicato. Podemos definir esse período como um momento de crise desta instituição no seio da sociedade brasileira, sendo os indícios disto o crescimento de outras religiões, o menor comparecimento dos fiéis à missa, o crescimento da esquerda e a perda de influência entre as classes populares.

Na verdade, a expansão do protestantismo, do candomblé e do espiritismo demonstrava que a Igreja não estava atingindo as massas. Além disso, a Revolução Cubana (1959) e a XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (1956) foram alguns dos fatores que fizeram com que a propaganda anticomunista se

ampliasse em países que estavam sob influência norte-americana. No caso do Brasil, notava-se o crescimento do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que mesmo estando na ilegalidade, obtinha grande inserção no meio operário, sendo que isso era visto pela Igreja como um sinal de decadência da cultura católica e dos valores tradicionais. Dessa forma, os líderes proeminentes da Igreja viram nessas mudanças ameaças a sua instituição, que os fizeram repensar a missão social da Igreja. (MAINWARING, 1989).

Foi justamente nesse contexto que se sucederam mudanças significativas na Igreja Católica Romana tanto em nível internacional como no Brasil. Durante o Papado de João XXIII ocorreram importantes reformas, percebidas através das encíclicas deste Papa, tais como a Mater et Magistra (1961) e Pacem in Terris(1963), as quais desenvolveram uma nova concepção de Igreja comprometida com a melhoria dos destinos dos seres humanos na Terra e em promover a justiça social.

Justamente, nesse contexto dos anos 60 que o diálogo entre o marxismo e o cristianismo teve como conseqüência a propagação de manifestações importantes, tais como o surgimento da esquerda católica brasileira, sendo esta representada pela Juventude Estudantil Católica (JEC); Juventude Operária Católica (JOC); Juventude Universitária Católica (JUC); Juventude Agrária Católica (JAC) e a Ação Popular (AP), as quais se constituem como a primeira forma de articulação entre a fé cristã e a política marxista na América Latina. (LOWY, 1989).

Vale a pena ressaltar que, antes mesmo da popularização das resoluções do Vaticano II, esses movimentos da esquerda católica já eram atuantes. Segundo Lowy, um fator preponderante para isso foi a influência da Igreja e da cultura católica francesas sobre o Brasil, de modo que a teologia francesa no pós-guerra era a representante da renovação do catolicismo, levantando temas que seriam posteriormente ratificados pelo Vaticano II. Além disso, a cultura católica francesa foi marcada pela presença de algumas figuras e correntes socialistas: de Charles Peguy ao grupo “Espirit”, dos cristãos revolucionários da Frente Popular (1936-38) ao grupo “Témoignage Chrétien” da Resistência (1940-45), e dos padres operários da Missão de França à corrente socialista do sindicato cristão CFTC (hegemônica no começo dos anos 60).

A experiência dos “padres operários” franceses surgiu no final da década de 40, quando o Episcopado Francês encarregou alguns padres de passarem a viver como trabalhadores comuns e descobrirem os motivos que levavam a classe operária francesa a possuírem certa descrença em relação à religião. Porém, o objetivo principal dessa iniciativa era fornecer dados para que a Igreja pudesse combater as idéias materialistas e, obviamente, a influência, então, bastante expressiva do Partido Comunista Francês. (FERREIRA; ALMEIDA, 1993).

Justamente, nessa linha de trabalho, se iniciaram as ações dos “padres operários” na Região do ABC Paulista a partir de meados da década de 50. Visando analisar a experiência dos “padres operários” para melhor apontar as suas diferenças em relação à experiência junto aos trabalhadores praticada pela AP, faz se necessário trazer a discussão que Moraes (2003) realizou em sua dissertação de mestrado sobre as lutas operárias e a atuação da Ação Católica, especificamente da Juventude Operária Católica, no ABC Paulista entre os anos de 1954-1964; demonstrando-nos através da figura de D. Jorge Marcos a atuação dos “padres operários”.

Moraes (2003) demonstrou que D. Jorge Marcos, bispo da Arquidiocese do ABC Paulista, era bastante atuante no seio da comunidade desta região. A autora observou que o bispo estava inserido nos problemas locais, sendo que sua prática não se restringia ao trabalho de cunho assistencialista, mas estavam relacionados aos problemas da classe operária.

O discurso da Ação Católica incentivava o leigo a participar das organizações da classe e da política local e resultaram no envolvimento dos militantes com estas instâncias. O envolvimento do Bispo nos problemas da população operária foi além do acompanhamento dos trabalhos dos vereadores ou das exigências para a aprovação de projetos. O Bispo, ao tomar a frente nas lutas dos trabalhadores e ao tornar-se um líder para esta classe, parece ter ocupado um lugar que, segundo o ideal da Ação Católica, deveria ser militante cristão. (MORAES, 2003, p.156).

Sua atuação junto aos operários em movimentos grevistas fez com que D.Jorge fosse denominado de bispo dos operários e até mesmo de bispo vermelho. No entanto, em sua declaração no Convento dos Dominicanos, ele deixou claro que seu trabalho era mais voltado para o ideal de missão social pregada pela Igreja do que vinculado a uma prática política. Segundo Moraes (2003), o Jornal do ABC, o

News Seller (14/12/1960), teria noticiado a presença de D. Jorge do Convento dos

Dominicanos em São Paulo, onde ele teria falado o seguinte:

Vamos fazer uma greve cristã que seja tão sedutora para os operários quanto a mensagem dos comunistas. Oitenta por cento das famílias famintas estão ouvindo a mensagem do Partido Comunista do Brasil. A greve da Aymoré foi a greve cristão pelo respeito a dignidade humana, tão diferente da greve-revolta, da greve do ódio. (MORAES, 2003, p.158).

Dessa maneira, a partir do discurso de D.Jorge percebemos que sua vinculação com os trabalhadores tinha como intenção à evangelização dos mesmos para afastá-los do comunismo. Além disso, sua atuação na resolução dos problemas sociais era feita através da união das forças das diversas instâncias do poder político. Esse ideal de conciliação era pregado pelo bispo D.Jorge para intermediar as negociações entre operários e patrões, incentivando sempre o fim da greve e a aceitação das ofertas patronais.

É importante ressaltar que desde o final dos anos 50, os “padres operários” franceses, membros da Associação Filhos da Caridade, se encontravam na Região do ABC, sendo que eles eram comprometidos com a mesma linha de trabalho do Bispo D.Jorge.

Com isso, podemos observar que a intenção desses religiosos era a evangelização, mas para isso era necessária sua aproximação com a realidade dos trabalhadores. Foi justamente essa proximidade que fez com que eles se envolvessem nos movimentos de reivindicação e greves promovidas pelos operários. Porém, como foi dito anteriormente, essa participação era feita sem fins políticos.

Através do que foi explicitado, pode-se perceber que a ligação com massas promovida pelos padres operários franceses foi bastante distinta da “integração na produção” empreendida pela Ação Popular, a qual tinha uma conotação totalmente política, visando à transformação da realidade sócio-econômica das classes operária e camponesa.

3.3 A PRÁTICA DA “INTEGRAÇÃO NA PRODUÇÃO”: A IDA AO CAMPO OU A

No documento Maoísmo na Bahia (1967-1970) (páginas 52-56)