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Em Busca da Essência: Uma perspectiva Reducionista Neste contexto, a exposição Em Busca da Essência: Elementos de Redução na Arte

CAPÍTULO 3 Anos 1980: Apontamentos para uma Segunda Recepção da Minimal

3.2. Em Busca da Essência: Uma perspectiva Reducionista Neste contexto, a exposição Em Busca da Essência: Elementos de Redução na Arte

Brasileira, (figura 30), desponta no panorama artísticos da década de 1980, em ocasião da 19ª Bienal de São Paulo, em 1987, como uma proposta curatorial para repensar os diálogos entre a Minimal Art e a produção artística brasileira. Circunscrita a uma Bienal cujo tema era “Utopia versus Realidade”, a curadoria de Gabriela Wilder para a exposição Em Busca da Essência buscou oferecer uma perspectiva sobre este tema elegendo obras em torno da questão do reducionismo por ser, segundo Wilder (1987, p.11), “uma das vertentes da arte auto-referencial que, por si só, representa a [noção de] utopia”. Para a curadora, o conceito de redução e utopia se relacionam sob as noções elencadas a seguir:

A utopia de um meio visual que transmite diretamente sua mensagem, sem códigos intermediários, sem transcrições literárias possíveis, na busca da essência da linguagem. A obra como objeto autônomo, substantivo, acrescido à natureza. O fazer artístico como caminho de vida. O gesto como criação do traço primeiro. A realidade social, cultural, política, econômica, totalmente excluída. Obras que condensam a experiência estética ao máximo. O universo da arte pelo seu próprio valor. (WILDER, 1987, p.11)

A partir dessa fala, torna-se explícito o fato de que a curadora pretende trabalhar o conceito de reducionismo no contexto da arte brasileira a partir da visualidade não- referencial, não-gestual e não-relacional das obras por ela escolhidas, trabalhos que, evidentemente, reforçariam, com suas formas reduzidas, o argumento curatorial. Notemos que Wilder engendra uma estratégia que nos parece familiar. O discurso notadamente formalista da curadora, busca entrincheirar o lastro conceptualista das obras dos artistas brasileiros tolhendo-lhes, logo de início, a possibilidade da uma leitura dos trabalhos que compreenda ambas suas qualidades formais e seu teor teórico, porque conceitual, e esse discurso revela-se subsumido à busca pela essência da linguagem.

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Essa estratégia curatorial se assemelha aquela empreendida por Hopps, com um intervalo de mais de duas décadas, na ocasião em que o curador californiano escolheu privilegiar uma leitura formalista dos objetos específicos da Minimal, em detrimento de assinalar a dimensão conceitual daquelas obras. Todavia, devemos destacar que essa semelhança, por nós observada, entre ambas as curadorias

Figura 30 — Capa do Catálogo da exposição Em Busca da Essência:

E l e m e n t o s d e R e d u ç ã o n a A r t e Brasileira, de 1987, com curadoria de

Gabriela S. Wilder.

Figura 31 — Franz Weissmann,

Coluna Essencialista, 1975, tubos de

possui suas limitações. Em primeiro lugar, o distanciamento temporal, possibilitou que a curadoria de 1987 concebesse uma visão de conjunto, notadamente mais holística, sobre os objetos e os pressupostos teóricos da Minimal Art que se apresentavam, para Wilder, de maneira sistematizada, o que, no contexto de Hopps, era algo inexistente.

Outro ponto importante que devemos salientar sobre as diferenças entre as curadorias de Hopps e de Wilder é o fato de que, a exposição de 1987, buscava aproximar trabalhos pontuais de artistas brasileiros ligados aos movimentos concretos e neoconcretos, bem como artistas da geração dos anos 1980, às premissas teóricas e visuais da Minimal Art estadunidense sem, no entanto, incorrer numa inversão que tomaria a Minimal como modelo tópico e visual apriorístico para esses trabalhos, como de fato foi concebida a presença da Minimal na 8ª Bienal de São Paulo. Wilder não afirma que os trabalhos dos brasileiros foram concebidos a partir do movimento estadunidense, pelo contrário, elucida que é por meio do que idêntica como reducionismo e essencialismo, nas obras desses artistas, que os aproxima da Minimal Art. Neste sentido, a curadora assinala que

As obras apresentadas serão as de alguns artistas brasileiros que pesquisam a essência da própria linguagem, do ser, da percepção, dos limites da arte e que, por isso, resultam herméticas para o espectador. A perplexidade domina a maioria do público quando se encontra diante de uma tela monocromática, de um cubo de espuma de borracha que vibra, de uma placa de ferro dobrada, de obras que intimidam por suas grandes dimensões ou incomodam pela sua pobreza de elementos. (WILDER, 1987, p.11)

Portanto, trabalhos de artistas como Arcangelo Ianelli (1922-2002), Sérvulo Esmeraldo (1929-2017), Franz Weissmann, Carlos Fajardo (1941), Eduardo Sued (1925) e Waltércio Caldas (1946), reuniam-se a obras de artistas, os quais a curadora classificou como pioneiros do reducionismo no Brasil, a exemplo de Willys de Castro (1926-1988), Hércules Barsotti (1914-2014) e Décio Vieira (1922-1988). Deste maneira, ao estabelecer uma breve genealogia do reducionismo na arte mundial, partindo de uma breve análise do reducionismo nos monocromos de Kasimir Malevich (1879-1935) e, posteriormente, nas telas de Ad Reinhardt, Wilder se deparada com a manifestação do que chama de reducionismo na Minimal Art. Para Wilder (WILDER, 1987), o reducionismo da Minimal residia na sua qualidade de “arte pela arte” como resultado de uma “resposta de vários artistas à conjuntura

político-econômica e cultural” dos Estados Unidos durante a década de 1960 (Ibid., p.13). Em seguida, Wilder afirma que os artistas da Minimal

Formalmente tinham em comum o uso econômico, sintético de elementos e significados, tornando-se amplamente conhecidos pela regra "o máximo de eficiência com um mínimo de elementos". Seu apogeu deu-se entre 1965/68. Em linhas muito gerais, pode-se dizer que seus representantes também pretendiam libertar-se do peso da história da arte, porém, mais especificamente, do acúmulo de informações visuais veiculadas pela sociedade de consumo, saindo do circuito comercial da arte, recusando-se a criar obras-primas. (WILDER, 1987, p.11)

Deste modo, Wilder almeja construir uma espécie de genealogia do reducionismo na arte brasileira sem, contudo, admitir que tenha existido no país uma corrente minimalista de fato, mas sim, “diversos caminhos orientados por posturas diferentes que levam a obras morfologicamente reducionistas” (WILDER, 1987, p.14). Todavia, ao estabelecer um pressuposto contato entre aquilo que denomina de Reducionismo Brasileiro e a Minimal Art, Wilder inelutavelmente cria um nexo genealógico entre ambos os contexto artísticos, com base em uma semelhança estrutural dos pressupostos teóricos discutidos pelos artistas brasileiros e estadunidenses. No entanto, ao observar as obras de Franz Weissman (figura 31), a curadora deixa entrever uma fissura no próprio discurso. Sobre a obra deste artista, Wilder acentua o seguinte:

Veterano escultor, presença constante em nosso cenário artístico, não podíamos deixar de incluir nesta mostra este artista cujos trabalhos resultam da preocupação com questões inerentes à arte. Weissmann historicamente caminhou lado a lado com os escultores construtivistas (Amilcar de Castro e Willys de Castro), trabalhando estruturas formais através de chapas recortadas e do vácuo da estrutura interna. (WILDER, 1987, p.22)

Por esta breve introdução, Wilder busca localizar os trabalhos de Weissmann no interior de uma pesquisa visual construtivista, de cunho exclusivamente formalista. Todavia, ao introduzir a fala do crítico de arte Frederico Moraes sobre Weismann que, como sabemos, participara do Movimento Neoconcreto cujas investigações visuais residiram em torno da fenomenologia da percepção, Wilder revela uma disjunção em relação a sua fala anterior. A curadora cita Moraes dizendo:

“A escultura de Weissmann tem um pólo conceitual, o artista tendendo, ao longo de sua obra, a um comportamento sistêmico, que define uma lógica interna entre os vários trabalhos e fases — e é justamente esta lógica que caracteriza a existência de uma obra-pensamento", escreveu Frederico Morais em meados de 70. (MORAES apud WILDER, 1987, op.cit., p.22)

Ao mesmo tempo que deseja estabelecer uma dimensão excepcionalmente formalista das estruturas de Weissmann, aproximando-as de uma concreticidade inelutável, Wilder busca reconhecer a dimensão conceitual das obras de Weissmann ao tomar emprestada a fala de Moraes, na qual, o crítico salienta as qualidades conceituais da obra desse artista. Reconhecemos que este é apenas um exemplo localizado na extensão da curadoria de Wilder, cuja complexidade demanda um estudo isolado e mais aprofundado. Como afirmados anteriormente, nossa proposta, com essa breve apresentação da mostra Em Busca da Essência, não é de estabelecer conceituações definitivas, tampouco explorar o assunto em sua inteireza, mas oferecer apontamentos acerca desse evento de excepcional relevância para compreendermos a recepção da Minimal Art no Brasil.

3.3. 1965 e 1987: Entre duas Bienais Para finalizamos nossa discussão sobre o segundo contexto de recepção da Minimal Art no Brasil, é de fundamental importância estabelecermos alguns pontos de contato e de contraste entre ambos os momentos dessa recepção, tanto em 1965, quanto em 1987. É necessário lembrarmos que a curadoria de Wilder buscou apresentar, de maneira extensiva, obras que compreendessem o contexto da década de 1980 sem, contudo deixar de considerar a relevância de artistas cujas produções referenciais dataram das décadas anteriores, sobretudo os anos 1960 e 1970. Na verdade essa abrangência reitera a noção de que, a segunda recepção da Minimal Art no Brasil procura englobar grande parte da produção artística dos anos 1980, diferentemente da primeira recepção, cuja reverberação estendeu-se aos meses em torno da 8ª Bienal de São Paulo.

Ambos os momentos da recepção da Minimal no Brasil foram analisados, no decorrer deste trabalho, tomando como ponto de partida acontecimentos relativos a duas edições da Bienal, e este fato não pode ser ignorado. Com efeito, a Bienal

almejou, desde sua primeira edição, em 1951, ser um espaço de internacionalização da arte brasileira e, de igual modo, ensejar a circulação de modelos artísticos provenientes de vários países. Não por coincidência, as recepções da Minimal no Brasil mostraram-se intimamente relacionadas aos acontecimentos vinculados às Bienais de São Paulo, tanto em 1965, quanto em 1987, justamente por conceber o evento da Bienal como uma vitrine de modelos visuais e teóricos e, por semelhante modo, considerá-la uma arena de embates discursivos.

É, portanto, nesses termos, que compreendemos a primeira recepção da Minimal Art no Brasil, em 1965, como um contato inicial em que há uma tensão interpretativa, tanto por parte dos enunciadores quanto dos enunciatários. Já a segunda recepção da Minimal, abre uma discussão sobre a reversibilidade das pessoas da enunciação nessa peculiar situação enunciativa. Neste segundo contexto, aquele que outrora havia sido enunciatário (a recepção brasileira), torna-se enunciador na medida em que estabelece as próprias bases de aproximação da Minimal com a produção artística brasileira. Portanto, distanciando-se da relação hierárquica estabelecida no primeiro contexto de recepção (em que havia a pressuposição tácita de um acolhimento passivo), esta segunda recepção da Minimal Art no Brasil parte de uma posição ativa em direção a uma possibilidade associativa — e não de exclusiva aderência — com os modelos visuais e teóricos da Minimal Art.