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Essa terra tinha dono: a “limpeza” da terra

FRENTE DE EXPANSÃO E FRENTE PIONEIRA EM JALES

4.3. Essa terra tinha dono: a “limpeza” da terra

A Ponte Pensa já possuía ocupantes, antes mesmo da chegada dos grileiros. Havia uma ocupação dispersa ao longo da Estrada Boiadeira162, que servia como via de ligação das áreas de criação de gado a São José do Rio Preto e daí até Barretos, local de engorda e abate de bovinos. Muitos mantinham posses e baseavam sua produção em uma economia de excedentes, não possuindo vínculo direto com o mercado. De qualquer forma, outros sobreviviam, em localidades à beira da estrada, oferecendo serviços aos boiadeiros e a outros viajantes que se serviam dessa via. Um desses serviços era dar pouso às boiadas e aos boiadeiros, oferecendo refeições, pernoites e vigia dos bovinos, enquanto os peões descansavam.

Com a chegada dos grileiros, dos fazendeiros e dos especuladores imobiliários, essa população dispersa foi considerada como “intrusa”163. Certamente, muitos desses moradores foram expulsos e outros incorporados dentro da lógica de apropriação capitalista da terra, efetuada por aqueles provenientes das regiões mais antigas de ocupação, que possuíam a noção

162 Sobre esta estrada ver MONBEIG (1984), p.113.

163 “Quando aqui viemo em 40, almoçamo na casa de um tal de Mané Costa, que já morava aqui.

O Dr. Eufri pediu para que assinasse carta de agregação. Ele disse que não assinava não, pois não sabia de quem era aquelas terras, já que o Paulo Leitão e o Paulo Ferraz já tinha pedido para assinar também. Lá pelas bandas da Subida Preta também tinha uns preto que morava aqui”. Depoimento de Domingos Paz Landim em entrevista, gravada em fita cassete no dia 10 de maio de 2001, sobre sua primeira viagem à Jales no ano de 1940.

jurídica da propriedade da terra e a viam como terra de negócio, diferentemente daqueles primeiros que tinham a noção da terra para o trabalho164.

A incorporação dos moradores da Ponte Pensa, à lógica do mercado, se deu pela transformação na forma da relação com a terra, com a produção e das relações sociais. Foram, na verdade, transformados de posseiros em agregados, ou seja, de trabalhadores, que tinham a posse sobre a terra, em moradores de favor nas terras de outro. Passaram a fazer plantações e servir como vigias para assegurar a posse e domínio, então, do “legítimo” proprietário. Entre os posseiros transformados em agregados e os então proprietários das terras eram assinados contratos denominados de cartas de agregação. Por esses contratos, os trabalhadores tornavam-se subordinados às vontades e às determinações dos mesmos.

Euphly Jalles usou desse artifício para “limpar” e, ao mesmo tempo, proteger as terras nas quais fez possessões a partir do final dos anos 1920 e durante os anos da década de 1930. Data de 19 de abril de 1938, carta de agregação estabelecida entre Euphly e Redozinno Ozébrio de Souza. Pelo documento, ficou estabelecido que o agregado se instalou por ordem do proprietário, “em terreno de sua propriedade na localidade denominada córrego da Ribada (sic)”. Ainda o agregado afirma: “(...) onde ficarei como seu preposto tomando posse de suas terras em seu nome e para au snr (sic), declaro, outrossim, que nas terras em que eu fizer roças me obrigo a formar pastos,

164 MONBEIG (1984), escreveu que “pouca gente vivia nesses domínios: só algumas famílias de

caboclos que eram tolerados ou instalados propositalmente, porque serviam como vigilantes. Um exemplo, é a grande fazenda Pajé (pertencente a John Bing Paget, gleba da Ponte Pensa), onde uma quarentena de famílias forma um povoamento de sentinelas, junto aos limites”. p. 220.

semeiando (sic) capim nas covas de mantimento desde au (sic) primeiro ano de plantio e terminando a formação no segundo anno (sic)”. E prosseguiu na carta de agregação: “declaro também que nada cobro pelas bem feitorias que eu fizer não ficando au snr (sic), obrigado a nenhuma indenização pelo meu trabalho e deixarei as benfeitorias intactas quando me retirar por minha livre vontade ou por sua ordem”. Fica evidente, pela transcrição, a transformação nas formas de relação de produção e com a terra e a subordinação desses trabalhadores diante daquele que tinha interesse puramente mercantil com a propriedade rural.

Para caracterizar ainda mais a subordinação do trabalhador, na carta, aparecem os seguintes dizeres: “apresente por mim assignada (sic) com as testemunhas abaixo. Assino arrogo de Redozinno Ozébrio de Souza por este não saber escrever”. Logo em seguida aparecem, na carta, as assinaturas de Quitéria Nunes Pereira, que assinou por Redozinno, das testemunhas Josephina Nunes de Britto e Raymundo Nonato e de Euphly Jalles, concedendo a agregação, no dia 24 de maio de 1938. No documento, consta o reconhecimento de firma do cessionário da carta de agregação.

Outra carta foi assinada no dia 10 de setembro de 1938 e concedida a agregação, por Euphly, no dia 15 de janeiro de 1939 a José Rita. As condições da carta são as mesmas da já mencionada, ou seja, plenos direitos ao fazendeiro e nenhum ao agregado. Nota-se, também, que as ocupações feitas pelos agregados eram estratégicas para o fazendeiro, pois estes ficavam em pontos limítrofes de sua propriedade com outras, sob o domínio de outros proprietários, garantindo, assim, a posse do imóvel.

Existiam contratos mais sofisticados em forma de carta de agregação. Sofisticados no sentido de aumento da subordinação dos trabalhadores. Um dos agregados de Euphly, chamado Turibio Teodoro de Santana, firmou contrato no dia 8 de março de 1948, se comprometendo a “fazer roças que lhe convier, dentro dos locaes (sic) que lhe forem indicados. Além desta condição, o agregado ficava obrigado a plantar um pé de colonião, que deixará crescer e perfilhar livremente, (...) plantio esse que será realizado no primeiro ano de roscío (sic) no mesmo local o agregado terminará a formação do capim, plantando de 15 em 15 palmos um pé de colonião”. Além do pasto formado, o agregado só poderia ficar dois anos no mesmo local fazendo roças. Do pasto formado, o agregado poderia aproveitar um alqueire para seu uso, usando seu próprio arame. As madeiras de lei beneficiadas pelo agregado para fazer serviços, como mangueirões para criação de porcos, o proprietário incumbia-se de pagar a mão-de-obra na ocasião da saída do agregado, ficando o preço ajustado no momento do serviço e o pagamento só no futuro. Quando da saída, o agregado poderia levar seus pertences (arame, telhas), mas deveria dar preferência de venda ao proprietário pelo preço estipulado por peritos locais. A produção excedente ficava com opção de compra também pelo proprietário, pelo preço corrente do dia nos mercados locais. Finalmente, o agregado se submetia “a respeitar todas as regras estabelecidas pelo proprietário e sua administração em todos os assuntos ligados com a boa ordem e segurança da fazenda e seus habitantes”.165