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Estância é um município sergipano localizado no sudeste do Estado. Ao norte, limita- roba; a leste, com o Oceano Atlântico a oeste, com Salgado, Boquim e Arauá.

A cidade surgiu no território que pertence ao atual município de Santa Luzia do Itanhy, sob cumprimento de determinação do Ouvidor de Sergipe, Diogo Pacheco de Carvalho. O primeiro documento de que se tem notícia sobre a cidade de Estância data de 10 de setembro de 1621, quando o Capitão-Mor de Sergipe concedeu uma sesmaria de quatro léguas em quadro a Pedro Homem da Costa e a seu cunhado Pedro Alves, a fim de que plantassem cana- de-açúcar, edificassem um engenho e criassem gado8 (SOUTELO, 1995, p.15-16).

Pedro Homem da Costa desbravou as terras e nelas edificou uma capela dedicada a Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira do México, país em que nasceu. A origem do nome da cidade tem gerado uma relativa controvérsia entre os historiadores. Alguns defendem a versão de que a denominação surgiu em referência a uma fazenda de gado pertencente a Pedro Homem da Costa, pois, ao solicitar a concessão dessa sesmaria, ele afirmou que pretendia plantar cana e algodão, erguer um engenho e, também, criar gado.

A origem do nome está relacionada à condição geográfica do local. Este teria sido um ancoradouro para as embarcações que entravam pela barra do rio Real/Piauí, trazendo mercadorias de que necessitavam as populações do local e de regiões vizinhas (inclusive da Bahia) e levando os produtos da terra: farinha de mandioca, açúcar, couros, dentre outros.

Devido à sua posição geográfica privilegiada, o que favorecia o comércio e a agricultura, a povoação começou a prosperar e a se destacar economicamente em relação às localidades vizinhas. Tal situação gerou um certo anseio pela autonomia em relação à Santa Luzia, o que só ocorreu de fato, em 25 de outubro de 1831 através de um decreto da Regência,

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segundo o qual foram estabelecidos os limites do território e fixou-se a subordinação da antiga vila de Santa Luzia à Estância9.

Figura 4 Mapa do Município de Estância

Fonte: Prefeitura Municipal de Estância, SERGIPE. vol. 1. Estância Berço da Cultura Sergipana, 2013.

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Segundo Soutelo (1995), essa subordinação perdurou até 19 de fevereiro de 1835, quando uma resolução provincial recriou o município de Santa Luzia.

Gradativamente, a cidade adquiriu prestígio e consolidou-se como um centro político e econômico na região, tornando-se também um polo cultural expressivo.Em 1832, foi criado o

Recopilador Sergipano, de propriedade do Monsenhor Antônio Fernandes da Silveira, seguido

por mais 38 jornais no período compreendido entre 1832 e 1918. O campo literário, por sua vez, também era bastante fértil. Lima (1986) afirma que somente após os efeitos da publicação de Os (1851), do poeta Constantino Gomes10, romantismo começou a ganhar espaço em nosso meio literário:

A partir de 1852, surgem as nossas primeiras tentativas românticas nas e Erico Mondim Pestana, baiano residente em Sergipe, e dos ensaios poéticos iniciais de Pedro de Calasans. Ainda na fase primogênita desse jornal (setembro de 1852), são reproduzidos os textos românticos de Laurindo Rabelo, João de Lemos, inclusive a tradução da 43ª Meditação Poética de Lamartine. No período 1852/1853, vamos encontrar na então vila de Estância, estudando e convivendo juntos Tobias Barreto e José Maria Gomes. [...] Em 1854, também em Estância, chega o inditoso poeta Joaquim Esteves. EM 1855, é ainda em Estância que fixa residência Constantino Gomes, o primeiro intelectual sergipano de projeção nacional. (LIMA, 1986, p. 65-66).

Em janeiro de 1860, Estância foi visitada pelo Imperador Dom Pedro II e pela Imperatriz D. Teresa Cristina, durante viagem da comitiva real pelas Províncias do Norte. Foi a última cidade a receber o casal imperial nessa jornada pelo Brasil. Na edição do dia 13 de agosto de 1911, o jornal A Razão, n. 18, p. 2, em seção histórica retrata essa importante passagem da história da cidade. O texto destaca que a notícia chegou à cidade por meio de uma comunicação do Presidente da Província, Manuel da Cunha Galvão, datada de 17 de setembro de 1859, com a recomendação de que se deveria atentar para que o recebimento do casal fosse o mais solene e mais aparatoso possível. Uma comissão formada por um juiz, religiosos, comerciantes e senhores de terra da região ficou encarregada de providenciar a recepção, a hospedagem, a alimentação, as reformas necessárias, entre outras tarefas.

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virava a cidade, visitando diversos locais como: a matriz (em reforma), o quartel, a cadeia, os cemitérios, as pontes, o sítio do Monsenhor Silveira. A nota dominante no diário localiza-se nas observações sobre as aulas de Isaías de Souza, Leopoldina Rocha, do professor Florêncio

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Constantino José Gomes de Souza nasceu em Estância no dia 18 de setembro de 1825. Era filho de José Maria Gomes de Souza e D.Maria Joana da Conceição e irmão de Maria Gomes de Souza. Formou-se em Medicina na Faculdade do Rio de Janeiro a 12 de agosto de 1853. Foi poeta, romancista e dramaturgo. Colaborou em jornais de Sergipe, da Bahia e do Rio de Janeiro onde faleceu a 02 de setembro de 1877, (GUARANÁ, 1925).

arguiu vários alunos. Durante a visita, referiu-se a Estânc -

passou a ser ostentado com orgulho pelos habitantes da cidade. O destaque nos âmbitos culturais e artístico da cidade em meados do século XIX até o início do XX foi assinalado por Dantas (2004, p. 20): Centro precursor da imprensa em Sergipe, a publicação continuada de seus jornais foi estimulando as letras, as artes e a construção de uma opinião pública. [...] Em seu ambiente floresceram poetas e escritores, pintores e músicos, tornando sua população certamente a mais civilizado do Estado.

Outro pesquisador que procurou registrar aspectos das terras do Piauitinga no século

inha botica, defesas da

No decorrer do século XIX, a cidade prosseguiu em destaque nos cenários cultural, artístico e econômico e, após a Proclamação da República, passou por um momento marcante com relação a esse último aspecto, com a abertura da sua primeira fábrica de tecido, a Santa Cruz, pertencente ao Comendador Souza Sobrinho11. A respeito das mudanças provocadas na cidade pela chegada da fábrica, Gilberto Amado manifestou-se da seguinte forma:

Foi há sessenta anos: foi ontem. É hoje. Estou na Estância dos meus bisavós apanhando araçá. E estou vendo o rebuliço criado pela Fábrica (de tecidos), inaugurada, por esse tempo, toda nova, espelhando-se na água quieta. Vejo mães encompridando saias de meninotas para que elas pudessem trabalhar na Fábrica, mocinhas mudando de penteado, suprimindo tranças e laços de -Já o revolvimento, a alteração na rotina do velho burgo. Alemão gordo ou

-24).

Digno de nota é o comércio de Estância, ao qual deve ser creditada boa parte do seu desenvolvimento. Os pequenos estabelecimentos comerciais espalhavam-se em toda cidade, mas os de grande porte concentravam-se nas praças Barão do Rio Branco (Matriz) e 24 de outubro (do Rosário), assim como nas ruas do Rosário e Pernambuquinho, locais para onde afluíram imigrantes sedentos por oportunidades, a maior parte composta de portugueses que chegaram a Estância através da Bahia.

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As mercadorias chegavam da Bahia pelos vapores, em carros de boi ou no lombo de burros. A maior parte desses produtos era importada principalmente devido à grande atração exercida por produtos estrangeiros, em especial, os franceses e ingleses, como relata Amado (1966) em suas memórias. As roupas quentes totalmente inadequadas para o calor nordestino eram usadas com elegância ainda que a duras penas nas procissões, quermesses e saraus por senhores abastados, suas esposas e filhos.

Figura 5 - Praça Barão de Rio Branco em Estância no início do século XX

Fonte: Acervo de Selma Barreto. Autoria não identificada.

Como havia poucas opções de lazer, a chegada de circos, companhias teatrais e exibições de filmes eram bem prestigiados pelo público local. Havia, inclusive, com certa frequência, encenações amadoras organizadas por professores como Hugolino Azevedo e

jovens da comunidade, que participavam mais pela algazarra do que propriamente pela vocação teatral12. Alguns espetáculos eram realizados em prol do Asilo Santo Antônio, de

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Em edições dos anos 1910 a 1912 do jornal A Razão, há diversas notas divulgando e comentando sobre essas encenações teatrais.

obras da Igreja Católica e até mesmo da Lira Carlos Gomes, que costumava se apresentar em algumas exibições de filmes ou apresentações teatrais.

Devido ao caráter festivo da cidade, a música sempre teve destaque não só nas festas religiosas, mas, principalmente nas profanas: aniversários, casamentos, batizados, bailes, tudo era motivo para dançar valsas, dobrados e quadrilhas. Souza (2009) afirma que no velho sobrado da família Nabuco, local em que se hospedou o Imperador, na época em que ali funcionava o Parque Hotel, ocorriam bailes entre o dia de Ano Bom e o de Reis, geralmente, no andar superior, enquanto no inferior se apresentavam os reisados que, outrora, em Estância, tinham o nome de função. As missas, procissões e novenas também ocorriam com frequência e foram amplamente noticiadas pela imprensa local, em particular, pelo jornal A

Razão.

Assim, munida de uma economia forte e de um movimento cultural promissor, Estância desenvolveu-se sob a tradição de primazia em relação aos demais municípios de Sergipe. Apesar dos limites, embates políticos, de carências e dificuldades típicas de uma comunidade do interior do Brasil, construiu-se uma representação de pujança econômica e cultural em torno da cidade. Fortaleceu-se um imaginário ao longo dos anos por seus jornalistas, poetas, memorialistas e intelectuais, imbuídos de uma consolidação identitária, que, muitas vezes, entrava em conflito com o entusiasmo pelos modelos importados da França.

O fato é que Estância assumiu uma posição de grande destaque entre os municípios sergipanos, por razões variadas e justificáveis. A força de sua imprensa era uma das mais reconhecidas, notadamente, o jornal A Razão, fonte e objeto deste estudo, impresso que será abordado com mais profundidade no tópico a seguir.