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estão os almoços de borla?

No documento PREVISIVELMENTE IRRACIONAL (páginas 195-200)

O Carolina Brewery é um bar da moda na Franklin Street, a rua principal fora da Universidade da Carolina do norte em Chapei Hill. E uma rua maravilhosa com prédios em tijolo e árvores antigas, e mais restaurantes, bares e cafetarias do que seria de esperar numa cidade pequena.

Quando se abrem as portas da cervejaria Carolina, vemos um prédio antigo com tectos altos, vigas à mostra e alguns recipientes de cerveja em aço que prometem passar bem o tempo. Há mesas com alguma privacidade espalhadas na sala. E um sítio preferido pelos estudantes e pessoas mais velhas para gozar comida com boa cerveja.

Pouco depois de ter entrado no MIT, Jonathan Levav (professor em Columbia) e eu matutávamos sobre o tipo de questões que poderiamos evocar num bar tão agradável. Primeiro, será que o pro­ cesso sequencial de receber pedidos (perguntando a uma pessoa de cada vez o que deseja) influencia as escolhas de quem está sentado ao lado? Por outras palavras, os clientes são influenciados pelas selecções dos que estão à sua volta? Em segundo lugar, e se for esse o caso, isso encoraja o conformismo ou o não conformismo? Ou seja, os clientes sentados numa determinada mesa escolhem cervejas intencionalmente diferentes ou iguais às das pessoas que pediram antes deles? Finalmente, quisemos saber se o facto de sermos influen­ ciados pelas escolhas dos outros nos deixa em melhor ou pior posi­ ção, por termos ou não gostado do que bebemos.

Ao longo deste livro, espero ter descrito experiências ilustrati­ vas e surpreendentes. Se assim foi, é porque elas refutam a suposi­ ção natural de que somos todos fundamentalmente racionais. Dei vários exemplos que contrariam a descrição de Shakespeare, quando diz «que obra-prima é o homem». Na verdade, os exemplos demons­ tram que o raciocínio humano não é nobre, as nossas faculdades não são infinitas e a percepção é algo fraca (francamente, acho que Sha­ kespeare sabia disto muito bem e que o discurso de Hamlet pre­ tende ser irônico).

Neste último capítulo, descrevo uma experiência que constitui mais um exemplo da nossa irracionalidade previsível e também da perspectiva econômica geral do comportamento humano, confronto- -a com a economia comportamental e deduzo algumas conclusões. Comecemos pela experiência.

PARA CHEGAR AO fundo do barril de questões que elaborámos na cer­

vejaria Carolina, Jonathan e eu decidimos mergulhar nelas, metafo­ ricamente, é claro. Pedimos autorização ao gerente para oferecermos amostras grátis aos seus clientes, que seríamos nós a pagar (imagine como depois foi difícil explicar aos contabilistas do MIT a legitimi­ dade de uma despesa de 1.400 dólares em cerveja, numa pesquisa científica). O gerente aceitou de bom grado. Afinal, ia vender-nos cer­ veja e os seus clientes teriam amostras grátis, o que aumentava o desejo de lá voltarem.

Ao entregar-nos os aventais, impôs-nos uma só condição. Tínha­ mos que nos dirigir às pessoas menos de um minuto depois de se terem sentado. Se não o fizéssemos, isso indicaria aos seus emprega­ dos que deveriam aproximar-se para servir os clientes. Era razoável. O gerente não sabia se seríamos empregados eficientes e não queria atrasar o serviço geral. Começámos a trabalhar.

Aproximei-me de um grupo assim que se sentaram. Pareciam dois casais de estudantes num encontro duplo. Os dois tipos vestiam as suas melhores calças largas e a maquilhagem das raparigas deixaria pobre a imagem de Elizabeth Taylor, em comparação. Cumprimen­ tei-os, anunciei que a cervejaria estava a oferecer amostras grátis e descreví os quatro tipos de cerveja:

PREVISIVELMENTE IRRACIONAL >211 (1) Copperline Amber Ale: uma cerveja de textura média, com

bom equilíbrio de malte e lúpulo e o tradicional sabor picante da cerveja inglesa.

(2) Franklin Street Lager: cerveja dourada ao estilo Pilsen da Boêmia, com um sabor suave de malte e um travo forte de lúpulo fresco.

(3) Indian Pale Ale: uma cerveja robusta com forte sabor de lúpulo, originalmente produzida para suportar a longa via­ gem marítima de Inglaterra para a índia, passando pelo Cabo. E preparada com lúpulo seco em cascata para obter um aroma floral acentuado.

(4) Summer Wheat Ale: cerveja do tipo da Baviera, fermentada com 50% de trigo para obter uma bebida de Verão leve, bor- bulhante e refrescante. Possui uma mistura ligeira de lúpulo e um aroma exclusivo a banana e cravinho, resultantes do autêntico fermento alemão.

Qual destes tipos de cerveja escolhe? □ Copperline Amber Ale

□ Franklin Street Lager □ Indian pale Ale □ Summer Wheat Ale

Depois de ter feito a descrição completa, olhei para um dos rapazes, o de cabelo louro, e perguntei-lhe o que desejava. Ele prefe­ riu a Indian Pale Ale. A rapariga de penteado mais elaborado vinha a seguir e escolheu a Franklin Street Lager. Depois virei-me para a outra garota, que optou pela Copperline Amber Ale e o seu namorado esco­ lheu a Summer Wheat Ale. Com os pedidos na mão, dirigi-me ao bar onde sorria Bob, o empregado alto e bonito que era sênior em ciências informáticas. Consciente da nossa pressa, despachou os meus pedidos antes dos outros e lá fui de tabuleiro no ar, com as quatro amostras de cinquenta gramas para servir os dois casais e coloquei as respectivas bebidas à frente de cada um.

Juntamente com as amostras, entreguei-lhes uma pequena son­ dagem impressa no papel da cervejaria, em que se perguntava aos

inquiridos se tinham gostado da cerveja ou se lamentavam a sua es­ colha particular. Depois de registar as respostas, continuei a obser­ var os quatro de longe, para ver se algum beberia um golo das cervejas dos outros, mas nenhum o fez.

Jonathan e eu repetimos o procedimento com outras quarenta e nove mesas, que depois alterámos nas cinquenta mesas seguintes. Desta vez, depois da descrição entregámos aos participantes um pequeno menu com os nomes das quatro cervejas e pedimos que escre­ vessem a sua preferência, em vez de a dizerem verbalmente, transfor­ mando assim os pedidos públicos em assuntos privados. Isto signifi­ cava que cada participante não ouvia os pedidos dos outros, incluindo talvez o de alguém que quisesse impressionar, e não recebia essa influência.

O que aconteceu? Descobrimos que, quando as pessoas fazem os pedidos em voz alta e sequencialmente (publicamente), fazem escolhas diferentes das que fazem em privado. No primeiro caso, encomendam mais tipos de cerveja por mesa, optando essencial­ mente pela variedade. A forma básica de entender este facto é pen­ sar na Summer Wheat Ale, uma cerveja pouco apelativa à maioria das pessoas. Mas, quando as outras variedades já tinham sido pedi­ das, os participantes achavam que deviam escolher uma coisa dife­ rente, talvez para mostrar que tinham opinião própria e que não estavam a copiar ninguém, e escolhiam outra cerveja, que talvez não desejassem inicialmente mas que lhes conferia alguma indivi­ dualidade.

E desfrutaram das bebidas? E óbvio que, se alguém escolhe uma cerveja que ninguém escolheu só para transmitir que é diferente, provavelmente vai acabar com uma cerveja de que realmente não gosta. Foi o que aconteceu. De um modo geral, aqueles que fizeram os pedidos em voz alta, da forma normal que se escolhem os pratos nos restaurantes, não ficaram tão satisfeitos com as suas escolhas como os que pediram em privado, sem considerarem as opiniões dos outros. No entanto, houve uma excepçâo muito importante. Nos grupos que encomendaram as cervejas em voz alta, a primeira pes­ soa a escolher estava, na verdade, nas mesmas condições daqueles que expressaram a sua opinião em privado, uma vez que a sua esco­ lha era livre das opiniões de terceiros. Deste modo, concluímos que

PREV1S1VELMENTE IRRACIONAL >213 a primeira pessoa a pedir cerveja num grupo sequencial era a mais satisfeita do grupo e tão satisfeita como as que faziam os seus pedi­ dos em privado.

JÁ AGORA, ACONTECEU uma coisa engraçada durante a experiência na

cervejaria Carolina. Com a minha indumentária de empregado de mesa, dirigi-me a uma mesa e comecei a recitar as descrições das cer­ vejas ao casal que a ocupava. Subitamente, percebi que o homem era Rich, um aluno formado em ciências informáticas com quem tinha trabalhado num projecto de visão computacional, há três ou quatro anos. Como a experiência tinha de decorrer sempre da mesma ma­ neira, esta não era uma boa altura para começarmos a conversar, pelo que fiz cara de desentendido e continuei a descrição das cervejas. Quando terminei, olhei para os dois e perguntei «O que posso trazer- -lhes?» Em vez de me responder, perguntou como eu estava.

«Muito bem, obrigado», respondi eu. «Qual das cervejas vai es­ colher?»

Os dois escolheram as suas bebidas e depois Rich tentou nova­ mente encetar uma conversa.

«Dan, chegou a acabar o seu PhD?»

«Sim», disse eu, «acabei há cerca de um ano. Com licença, volto já com as suas cervejas.» Ao caminhar para o bar, percebi que Rich deve ter pensado que eu tinha mudado de profissão e que um curso em ciências sociais só servia para arranjar trabalho como empregado de mesa. Quando regressei à mesa com as amostras, Rich e a compa­ nheira (que era sua mulher, na verdade) provaram as cervejas e res­ ponderam ao pequeno questionário. A seguir, Rich fez nova tenta­ tiva. Contou-me que tinha lido um dos meus ensaios e que o tinha apreciado bastante. Era um bom estudo, de que eu também gostava, mas acho que o elogio foi só uma tentativa de me fazer sentir melhor quanto ao meu novo emprego.

OUTRA PESQUISA REALIZADA mais tarde em Duke, com amostras de

vinho e alunos MBA, permitiu-nos medir algumas características da personalidade dos participantes, uma coisa com que o gerente da cer­

vejaria Carolina não tinha simpatizado muito. Assim, pudemos des­ cobrir o que poderia contribuir para este fenômeno interessante. Encontrámos uma correlação entre a tendência de encomendar bebi­ das alcoólicas diferentes do que pediram as restantes pessoas na mesma mesa e um traço de personalidade chamado «necessidade de exclu­ sividade». Essencialmente, os indivíduos mais preocupados com a sua individualidade tinham maior tendência para escolher uma bebida que ainda ninguém pedira, na tentativa de demonstrar que eram di­ ferentes.

O que estes resultados revelam é que, por vezes, as pessoas estão dispostas a sacrificar o prazer de um determinado consumo para projectar nos outros uma certa imagem de si mesmos. Quando as pessoas encomendam pratos ou bebidas, parecem ter dois objectivos, o de pedir aquilo de que mais gostam e o de se retratarem positiva­ mente aos olhos dos amigos. O problema é que depois de encomenda­ rem o prato principal, por exemplo, às vezes ficam atrelados a algo de que não gostam e depois arrependem-se. De modo geral, as pessoas são capazes de sacrificar a utilidade pessoal a favor da reputação social, especial mente as que têm uma forte necessidade de exclusividade.

Apesar destes resultados serem evidentes, suspeitamos que noutras culturas, onde essa necessidade não é considerada positiva, as pessoas que fazem os seus pedidos em voz alta tentam transmitir uma sensação de pertença ao grupo e exprimem mais conformidade nas suas escolhas. Num estudo que realizámos em Hong-Kong, as pes­ soas escolhiam pratos de que não gostavam, tanto quando os pediam em público como em privado, mas tinham maior probabilidade de pedir o mesmo que as pessoas antes de si, cometendo novamente um erro lamentável, apesar de diferente, na escolha dos pratos.

DO QUE LHE contei até agora sobre esta experiência, surge um simples

conselho de vida, um almoço de borla. Primeiro, quando vai a um restaurante, é boa ideia planear o seu pedido antes do empregado se aproximar e mantê-la firme. Ser levado pelo que os outros escolhem pode levá-lo a uma alternativa pior. Se receia que isso lhe aconteça, anunciar o que vai pedir antes do empregado chegar à mesa é uma estratégia útil. Desse modo, terá registado o seu pedido e é menos

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