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6. RESULTADOS: FOTOGRAFIAS E NARRATIVAS NAS OFICINAS COM A TERCEIRA

7.1 A estética e a poética dos olhares

Nas oficinas com o grupo 1 pudemos observar que a relação do idoso com a fotografia foi expressa principalmente pela vontade de mostrar suas imagens à pesquisadora e ao grupo. Muitos participantes demonstraram interesse em olhar as fotografias trazidas pelos colegas, enquanto outros queriam mostrar suas imagens o mais rápido possível para a pesquisadora, ora como se fosse um acervo que não deveria interessar aos outros; ora como se fosse meramente uma tarefa a ser cumprida.

Uma atitude manifestada pelo grupo 1 que marcou boa parte das oficinas foi a estática: o grupo não fazia mais do que era pedido, ou então se colocava à margem das atividades. Muitos participantes não traziam câmeras, talvez por não ser possível trazê-las ou por não sentirem vontade de participar das atividades, mas continuavam na sala, sentados, quietos.

A eles foi dada a opção de participar das atividades utilizando a imaginação, exercitando a percepção, ou compartilhando a máquina com os colegas, mas a maioria dos participantes não demonstrou disposição em participar de uma forma ou de outra. Uma provável causa deste comportamento, além, claro, da falta de interesse pelas oficinas, pode ser a dinâmica de funcionamento da própria UNATI.

Cabe notar que, em conversas informais, a coordenadora da UNATI comentou que enfrentava alguns problemas para manter o grupo, como por exemplo, a falta de infra- estrutura disponibilizada pela Universidade, que cedeu a sala da UNATI para o diretório acadêmico do curso de Direito. Além disso, disse também que o grupo estava formado já há muito tempo, sem rotatividade dos participantes, e já não sabia mais “o que inventar” (sic) para o grupo, referindo-se à dificuldade em elaborar novas atividades. As atividades que ela mencionou referiam-se à exercícios lúdicos, ocupacionais ou palestras sobre saúde, nutrição, motricidade ou sobre o estatuto do idoso.

Podemos pensar que, tomando como base as atividades propostas pela UNATI, os idosos deste grupo estavam acostumados a atividades que não demandassem muita criatividade, decisão, opinião ou uma postura mais ativa, diferentemente das oficinas propostas nesta pesquisa. Assim, muitos repetiram nas oficinas a postura exigida deles nas

palestras: que estivessem presentes, sentados e quietos. Mantinham-se sentados nas cadeiras, olhando para frente, imóveis, sem ao menos conversarem uns com os outros. A passividade diante das atividades propostas marcou os encontros com o grupo 1, escancarada na oficina 2, quando foi pedido para que se levantassem e os participantes agiram como se fosse uma tarefa difícil, ou incomum, considerando que levantar-se durante uma reunião pode significar quebrar uma regra da UNATI.

Talvez esta seja a forma de escancarar aos pesquisadores, coordenadores e oradores nosso modo errôneo de lidar com o grupo. Quando, na oficina 2 do grupo 1 a pesquisadora pediu que observassem slides com a obra do fotógrafo Bavcar, alguns participantes avisaram que logo sairiam da oficina, para não perder o ônibus. É um momento convenientemente interessante - a apresentação de slides - para demonstrar o desinteresse por este tipo de atividade que os mantém atados às cadeiras, em silêncio. É um convite a nós, acadêmicos tão acostumados a aulas e palestras expositivas, para refletirmos sobre a dificuldade em se produzir sentidos quando o grupo se sente enfadado, atado, sem voz diante das nossas intermináveis conferências.

Ainda, é preciso salientar que existe um acordo entre a UNATI e as atividades oferecidas aos idosos pelo curso de Educação Física da UEL. Para que os idosos pudessem usufruir das aulas de alongamento e hidroginástica, deveriam participar do grupo da UNATI e, inclusive, assinar uma lista de presença. O grupo da UNATI se reunia duas vezes por semana, imediatamente depois das aulas de hidroginástica e quem não tivesse assiduidade no grupo, deveria abandonar as atividades físicas. Este pode ter sido outro fator que influenciou a permanência dos idosos durante as oficinas de fotografia, mesmo que não estivessem participando das atividades propostas.

É interessante ressaltar que o próprio trabalho com a fotografia já desperta um modo fixo, engessado, de operar no qual o participante é um sujeito passivo, cujo papel é mais o de relatar histórias do que de criar novos sentidos. É provável que muitos grupos já estejam acostumados - treinados - a funcionarem desta forma, bem como também estão os profissionais, engessados sempre no mesmo modo de conduzir as atividades de pesquisa e investigação com grupos.

O que poderia ter sido mais considerado é justamente o tempo demandado para o rompimento desse engessamento, tendo em vista o tempo envolvido na construção de uma estética e olhar fotográfico. Claro que, se por um lado a transformação do olhar já havia se

iniciado para a pesquisadora e para alguns dos participantes, lidar com atividades que propõe a transformação do participante em um sujeito ativo pode requerer tempo, muito mais tempo do que o previsto. Afinal, não podemos ignorar que essa geração que hoje se encontra na casa dos 70 anos, sobretudo mulheres que passaram a infância e a juventude em pequenas cidades ou na zona rural, tiveram uma vida inteira bastante marcada por cerceamentos, exigências de renúncia, obediência e subordinação.

A postura do grupo 2 foi muito diferente, talvez por ser composto por pessoas mais jovens, familiarizadas com a câmera fotográfica, ou talvez por serem integrantes do novo grupo da UNATI, ainda não acostumadas com o modo de funcionamento de tal grupo. Ou, ainda, pela postura diferente da própria pesquisadora, que se manteve mais atenta ao que tinham a dizer, aos sentidos que iam produzindo durante as reuniões em grupo.

Devemos, ainda, considerar que cada grupo se comporta de formas diferentes, o que os possibilita produzir sentidos diferentes e, além disso, as mesmas pessoas em grupos diferentes podem ressignificar ou produzir também novos sentidos, como foi o caso de Antônia, que participou do grupo 1 e também do grupo 2. No grupo 1 ela se ateve a trazer imagens de sua família, dos netos e a falar do seu passado, dos entes queridos. Na oficina 2 ela nos levou (através das fotos) à sua casa, seu querido jardim, suas plantas e seu pássaro de estimação. Foi um movimento quase literal de introspecção, ao mostrar as pessoas importantes em sua vida e a própria vida em si, através de imagens de sua casa e rotina.

Os integrantes do grupo 2, após se familiarizarem com suas máquinas, produziram fotografias pessoais, com estilos próprios, sensíveis e que contavam suas histórias e leituras sobre o mundo.

Eunice contou sobre sua ânsia por viajar, conhecer o mundo e falar diferentes línguas. Através das imagens, deixou transparecer que, apesar de não se apegar a retratos de família, a mãe e o sobrinho têm um papel marcante em sua vida.

Yuka mostrou que é difícil olhar para o mundo e traduzir em imagens seus sonhos de infância, seu cotidiano, seus anseios a respeito do que está por vir. Resistiu ao ser incitada a pensar nesses assuntos, não quis traduzi-los em imagens que demandavam tempo e reflexão para serem produzidas, mas quando se dispôs a criar seu auto-retrato, não mediu esforços para compor a cena de modo que fosse retratada exatamente como queria.

Yone poeticamente deixou-se transparecer nas imagens de suas mãos, sempre figurando lindas unhas vermelhas. Em seu futuro vislumbra um “chão de estrelas” (sic) que a ajuda a suportar uma doença incurável, mas que não a impede de aspirar por uma melhora.