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Estabelecendo relações entre o MCS e os jogos de linguagem de Wittgenstein (1985)

4. Primeiro Episódio: dimensão em falas cotidianas

4.5. Estabelecendo relações entre o MCS e os jogos de linguagem de Wittgenstein (1985)

Com essas análises, esperamos ter deixado claro que há vários jogos de linguagem possíveis quando usamos a palavra dimensão e, esses jogos só são possíveis de serem identificados quando é considerado o contexto em que a palavra ‘dimensão’ está sendo usada. Assim, se considerarmos, por exemplo, a seguinte frase (frase 14): “[...] Este é um problema que transcende as fronteiras do Estado e, pela dimensão que assume, deveria ser tratado com mais seriedade”, dentro deste jogo, onde dimensão refere-se a importância, uma frase como: “[...] Cada unidade tem aproximadamente as dimensões de um ônibus interestadual e é um

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Esse exemplo, com pequenas modificações, foi dado pelo professor Carlos Roberto Vianna na aula de Filosofia da Educação Matemática do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Unesp de Rio Claro no dia 03 de maio de 2007. Esse exemplo não foi dado necessariamente para falar do que estamos falando, mas resolvemos usá-lo por acharmos que nesse contexto que estamos abordando, ele se aplica plausivelmente.

“estúdio” compacto, portátil, sobre rodas, que contém todos os equipamentos de câmara necessários para fazer um filme” (frase 2), não faz sentido ou não se aplica a esse jogo. Isto significa que num jogo de linguagem, coisas pertencem ou não a ele.

No cotidiano – lugar onde ocorreram e ocorrem jogos de linguagem que usam dimensão – podemos ver que nenhuma das frases foram categorizadas nos itens correspondentes às definições matemáticas (itens 4, 7, 8, 9, 10). A matemática do matemático, conforme a definimos, não pertence a esse cotidiano.

O fato da matemática do matemático não estar presente nos jogos de linguagem das frases do cotidiano, que foram categorizadas, não implica que o cotidiano seja uma versão imperfeita ou incompleta da matemática do matemático, ou o contrário. São jogos de linguagem diferentes, com contextos diferenciados. Wittgenstein (1992) não considera os jogos de linguagem como sendo partes incompletas da linguagem “mas como linguagens completas em si, como sistemas completos de comunicação humana” (WITTGENSTEIN, 1992, p. 14).

Fazendo uma leitura de tudo o que foi feito até aqui, quando olhamos para os possíveis jogos de linguagem para dimensão, podemos perceber que mesmo não havendo fronteiras estabelecidas, um jogo de linguagem é algo dado, ou seja, você fala dentro de um jogo e se o que foi falado dentro desse jogo não for plausível, é porque a aplicação feita ou o uso do que foi falado não pertence a esse jogo, isto é, não seguimos a regra corretamente.

Pensando em termos do MCS, mudar de jogo de linguagem significa mudar de núcleo, isto é, “um conjunto de estipulações locais que, num dado momento e dentro de uma atividade, estão em jogo” (LINS, 1999, p. 87), onde estipulações locais são afirmações que localmente não precisam ser justificadas.

[...] O que é importante e revelador é que esse “localmente” se refere ao interior de uma atividade, e que no processo dessa atividade esse núcleo pode se alterar pela incorporação de novas estipulações (elementos) ou pelo abandono de algumas estipulações até ali assumidas. (LINS, 1997, p. 144) Por exemplo, se no jogo correspondente ao item 2.1 (correspondendo dimensão a “tamanho quantitativo”), através da frase 441, pensarmos e aplicarmos dimensão como sendo importância, estaremos mudando o modo como classificamos as empresas, ou seja, mudando a produção de significados para a frase 4, estamos mudando de núcleo.

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(O Serviço de Consultoria de “Business Continuity and Recovery Healthcheck” foi criado a pensar nos Clientes de dimensão média e pequena que em geral não precisam de estudos de Disaster Recovery muito complexos e portanto caros)

Quando o núcleo muda, passamos a operar num outro campo semântico, que é “atividade de produzir significado em relação a um núcleo” (SILVA, 2003, p. 66) ou, passamos a operar num outro jogo. Vale ressaltar que “a idéia do núcleo é dinâmica; o núcleo não é uma acumulação de estipulações locais e tão pouco pré-existente à atividade: ele é constituído durante a própria atividade” (OLIVEIRA, 2002, p. 31).

Nos jogos de linguagem, quando alguém, ao enunciar a frase 4 pensa dimensão como importância, significa que esse alguém está aplicando outras regras nesse jogo diferentemente da pessoa que diz que dimensão refere-se a tamanho e utiliza isso em suas falas. Com isso, identificamos dois jogos de linguagens distintos, ou pessoas falando em direções distintas.

No nosso trabalho não houve interação, o que houve foi uma tentativa de leitura plausível para as frases do cotidiano, como que dirigida a uma interação que não vai acontecer. No entanto, esse processo de leitura visa à interação, ou seja, tem a intenção de que, num processo interativo, possamos produzir significados plausivelmente para os resíduos de enunciações como esperamos ter feito nessa parte do trabalho.

Quando alguém fala e aplica dimensão diferentemente de uma outra pessoa, Wittgenstein (1985) diria que elas não estão no mesmo jogo de linguagem, que houve ou um erro de aplicação da regra ou um outro modo de operar com a regra (que gera um outro jogo de linguagem nem melhor, nem pior que o anterior, é um outro jogo). Já no MCS, quando lemos que as pessoas operam diferentemente com uma noção, o que queremos não é caracterizá-la pela falta, dizendo que ela não está no mesmo jogo de linguagem que o nosso, ou que houve um erro, que a pessoa não está sabendo operar com algo, que falta a essa pessoa conteúdo ou desenvolvimento intelectual. O que está em foco é tentar entender como uma pessoa faz o que fez, “é buscar fazer uma leitura do outro através de suas legitimidades, seus interlocutores, compartilhando o mesmo espaço comunicativo” (SILVA, 2003, p. 54). Esse modo de leitura do outro que o MCS oferece é chamado de leitura positiva.

Pelos trabalhos de Wittgenstein (1985, 1992), alguém poderia dizer que ele não pratica uma leitura do outro pela falta, mas Monk (1995) expõe uma situação na qual havia discordância entre Wittgenstein e Turing no que se refere a possibilidade de haver experimentos na Matemática, tal como na Física. Para Turing isso era possível, enquanto para Wittgenstein era impossível. Monk (1995) coloca a seguinte citação de Wittgenstein (apud Monk, 1995), numa tentativa de ilustrar a vontade deste em fazer Turing ver que os matemáticos não fazem experimentos como na física,

maneiras diferentes. Mas quero mostrar-lhe que não. Ou seja, acho que se me expressasse com clareza, ele desistiria de afirmar que na matemática se fazem experimentos. Se eu conseguisse dispor na ordem apropriada certos fatos bem conhecidos, ficaria claro que Turing e eu não estamos usando a palavra ‘experimento’ de maneira diferente.

Alguém podia perguntar: ‘como é possível haver um mal-entendido tão difícil de corrigir?’

Talvez se explique em parte por uma diferença de formação cultural. (WITTGENSTEIN, apud MONK, 1995, p. 374)

Esse trecho nos mostra que mesmo querendo tornar claro para Turing a questão da não possibilidade em se fazer experimentos em matemática como na física, sem opor algo ao ponto de vista de Turing, Wittgenstein desautoriza o uso que Turing faz para experimento ao querer que este compartilhe o mesmo espaço comunicativo que ele e, ao mesmo tempo, não querendo compartilhar o espaço comunicativo “de Turing”. É com base nisso e nas nossas leituras de Wittgenstein que podemos dizer que mesmo operando com a idéia de que estamos aplicando do mesmo modo ou de modos diferentes uma palavra ou uma proposição, tendo assim um mesmo jogo de linguagem ou jogos de linguagens diferentes, consideramos que a esse processo é importante que tentemos entender como uma pessoa faz o que fez. Quando alguém usa dimensão na frase 4, de um modo diferente de “tamanho quantitativo”, que foi a categoria que montamos, dizemos que estamos operando em relação a núcleos diferentes e mesmo que para nós dimensão seja usada deste ou daquele modo, outra pessoa pode usá-la de outro modo, como foi o exemplo de se considerar dimensão, naquele contexto como sendo “importância”. Se quisermos fazer com que a pessoa entenda dimensão como sendo “tamanho quantitativo”, é importante sabermos como a pessoa utiliza dimensão num determinado contexto para que, a partir daí, ocorra uma tentativa de fazer com que essa pessoa compartilhe de um mesmo espaço comunicativo que nós, mesmo que depois ela deixe de participar desse espaço para voltar a operar do modo como operava.

Passemos agora a leitura de como dimensão aparece na matemática do matemático e em uma sala de aula de matemática.