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II. GOVERNANÇA REGULATÓRIA E ASPECTOS JURÍDICOS

4. Estabilidade Regulatória

Contratação

A regulação é composta por seu conteúdo e sua forma. Sem um dos elementos, o outro se torna insuficiente para um bom exercício da função de regular. Ciente desse conjunto necessário, o presente documento analisou não apenas os setores regulados (Capítulo I), mas também a estrutura do sistema regulatório e suas regras (Capítulo II).

Figura 30. Esquematização da regulação - conteúdo e forma

Elaboração: FGV CERI

Assim, a busca por um ambiente atrativo a investidores passa invariavelmente pelo desenvolvimento de uma boa governança regulatória, estabilidade institucional e segurança jurídica. Para garantir esses elementos, é essencial a existência de Métodos de Resolução de Disputas bem definidos, capazes de assegurar ao investidor as regras e parâmetros para a resolução de controvérsias que possam surgir da execução dos contratos, especialmente quando o poder público figura como uma das partes da relação.

Regulação Conteúdo Energia Saneamento Transportes Forma Governança Regulatória Segurança Juridica

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FICANCIAMENTO E ALOCAÇÃO DE RISCOS | CAPÍTULO 3 |

4.2.Resolução de Litígios

71 Arbitragem é uma questão fundamental no con- texto de atração de investimentos para o Brasil. É considerada um meio de aumentar a confian- ça dos investidores, fornecendo um mecanismo ágil, imparcial, confiável e altamente especiali- zado para a resolução de disputas. Nesse senti- do, o governo brasileiro está tentando aumentar o papel da arbitragem no país, como parte da estratégia para atrair investimentos para os se- tores de infraestrutura.

No entanto, do ponto de vista dos investidores, existem riscos relevantes que precisam ser en- dereçados. Tais riscos podem ser divididos em duas questões principais: (a) incerteza quanto aos assuntos que podem ser resolvidos por arbi- tragem; e (b) a incerteza sobre se os investido- res se beneficiarão de um fórum ágil e altamen- te especializado, com resultados muitas vezes ameaçados pela judicialização. Especialmente em setores regulados, como infraestrutura, a percepção de tais riscos é ampliada. Isso ocorre principalmente porque algumas disputas envol- verão a participação de uma entidade pública (ou quase pública) como uma das partes. Outro motivo é que a disputa normalmente envolve re- gras complexas aprovadas pelas agências regu- ladoras, criando incerteza em torno da possibi- lidade do uso da arbitragem para tais questões.

POR QUE ARBITRAGEM?

Regulamentada no Brasil pela Lei 9.307/96, a arbitragem é cada vez mais utilizada e reconhe- cida como uma maneira bem-sucedida de resol- ver disputas, não apenas entre entes privados, mas também com o setor público. Com relação ao setor público, não existe uma regra legal que obrigue uma entidade pública a entrar em arbi- tragem. Além disso, a arbitragem apenas pode ser usada para resolução de disputas relaciona- das a interesses patrimoniais disponíveis.

Em 2015, 13,1% dos casos arbitrados pelo ICC envolveram uma entidade estatal ou pública. De 2005 a 2015, a equipe do ICC América Latina, por si só, lidou com 136 casos envolvendo 145 entidades públicas e 23 Estados. Considerando todas as instituições de arbitragem que atuam no Brasil, 4% dos casos de arbitragem tinham uma entidade governamental como parte. Espe- ra-se que esse número aumente devido à recen- te alteração na Lei de Arbitragem, que deixou claro que a arbitragem pode ser usada para re- solução de litígios com a Administração Pública. Várias razões podem ser apresentadas para o sucesso da arbitragem no Brasil. O lento pro- cesso decisório nos tribunais brasileiros é fre- quentemente mencionado como uma barreira à aplicação de direitos, o que limita ainda mais a certeza e a previsibilidade do resultado para os investidores. Por outro lado, a arbitragem é um sistema com seus próprios métodos e procedi- mentos específicos, os quais são considerados primordiais para seu sucesso. Além disso, a pos- sibilidade de ter-se árbitros imparciais contribui para reduzir a percepção de risco que afeta a taxa mínima de retorno exigida sobre os investi- mentos (a Hurdle Rate) pelos investidores. De um modo geral, três vantagens da arbitra- gem são frequentemente mencionadas: (a) ce- leridade processual; (b) confidencialidade; e (c) alto grau de especialização, já que os árbitros são escolhidos pelas partes (confiabilidade). Uma pesquisa conduzida pela Queen Mary Uni- versity of London (2015) apontou que o pedido de execução por uma decisão arbitral, seguida por “evitar procedimentos legais específicos” e “seleção de árbitros”, eram as características mais valiosas da arbitragem.

O MARCO LEGAL NO BRASIL

Seguindo as tendências internacionais, o Con- gresso Brasileiro promulgou a Lei 9.307/96, que regulamenta o uso da arbitragem como um

71. O assunto deste tópico é discutido em mais detalhes no artigo “Arbitragem em Setores Regulados no Brasil”, disponível em http://ceri.fgv.br/sites/ceri.fgv.br/files/arquivos/arbitration-in-regulated-infrastructure-sectors-in-brazil-2017. pdf

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FICANCIAMENTO E ALOCAÇÃO DE RISCOS | CAPÍTULO 3 | meio de resolução de disputas. Antes da Lei,

havia algumas menções legais para a solução de litígios, abrangendo, entre outras, a solução amigável de disputas contratuais como uma cláusula essencial nos contratos de concessão de serviços públicos.

Hoje, a Lei 9.307/96 é a Lei de Arbitragem. Ape- nas o setor portuário possui regulamentação própria para arbitragem - Decreto 8.465/2015. Em relação aos contratos de concessão de ro- dovias, ferrovias e aeroportos, renovados no âmbito do Programa de Parcerias de Investi- mentos (PPI), as regras de arbitragem definidas na Medida Provisória 752/2016, convertida na Lei 13.448/12, também se aplicam.

Uma pré-condição à arbitragem é a existên- cia de cláusula compromissória definida entre as partes, que é frequentemente uma cláusula específica inserida em contrato ou um contra- to celebrado após o surgimento de um confli- to. A arbitragem deve proceder de acordo com as regras da instituição arbitral escolhida pelas partes. No entanto, os contratos modernos já contêm regras processuais, como as relaciona- das à implementação de procedimentos de ar- bitragem, quantidade e a escolha de árbitros, ou o prazo para uma decisão.

A Lei de Arbitragem não obriga a arbitragem a ser realizada em português, nem exige a aplica- ção das regras arbitrais das câmaras de arbitra- gem estabelecidas no Brasil. No entanto, a Lei 8.987/95, que regula as concessões de serviço público, estabelece que a arbitragem no âmbito dos contratos de concessão deve ser realizada em português e ocorrer no Brasil. Essa obrigação também é encontrada na Lei 11.079/04, relativa às parcerias público-privadas (PPPs) e na cláu- sula de arbitragem dos contratos de concessão. Muitas questões surgem quando se olha para o marco legal brasileiro em relação à arbitragem. O foco aqui reside em questões relacionadas à participação do setor público nas arbitragens, às vezes como órgão regulador, às vezes como empreendedor (empresas estatais ou socieda- des de economia mista).

QUEM PODE RECORRER À ARBITRAGEM? EXEMPLOS DE SETORES REGULADOS/ INFRAESTRUTURA NO BRASIL

Inicialmente, não estava totalmente claro quais entidades poderiam recorrer à arbitragem para resolver disputas. Em linhas gerais, a Lei 9.307/96, originalmente, não proibia nem per- mitia o uso de arbitragem por entes do setor público. Apenas mencionava que qualquer pes- soa ou empresa capaz de contratar poderia fa- zer uso dela. A principal dúvida era composta pelos órgãos da Administração Pública e em- presas estatais. Até que a falta de clareza na Lei de Arbitragem fosse resolvida, algumas leis abriram espaço para a arbitragem entre empre- sas privadas e entidades públicas em setores específicos. O Superior Tribunal de Justiça, em importante decisão em 2005, afirmou clara- mente que uma sociedade de economia mista, engajada em atividade econômica ou executan- do um serviço público concedido pelo Estado, tem o direito legal de celebrar um contrato com uma cláusula de arbitragem. Nesse caso, a dis- puta era sobre um contrato de compra e venda de energia relacionado a um direito patrimonial disponível de uma sociedade de economia mis- ta. Finalmente, a Lei 13.129/15 esclareceu a ques- tão, por meio da alteração da Lei de Arbitra- gem, de permitir explicitamente - não obrigar - os órgãos indiretos e diretos da Administração Pública a usar a arbitragem para resolver dispu- tas relativas a direitos patrimoniais disponíveis. Enquanto a maioria dos órgãos reguladores en- tram em arbitragem, há alguns que optam por deixar aberta a possibilidade de entrar em arbi- tragem ou simplesmente não o fazer. A seguir, alguns exemplos de setores regulados no Brasil:

a) Definição de “campo petrolífero” como um direito patrimonial disponível

b) Modulação da arbitrabilidade objetiva em telecomunicações

c) Arbitragem e Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE)

d) Arbitragem no setor portuário e) PPI e arbitragem

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FICANCIAMENTO E ALOCAÇÃO DE RISCOS | CAPÍTULO 3 | CONCLUSÕES FINAIS

Após uma primeira fase marcada por disposi- ções contratuais e provisões legais em relação à resolução de litígios em geral (conciliação e ar- bitragem em particular), seguiu-se uma segunda fase com a promulgação de um instrumento ju- rídico específico para arbitragem (Lei 9.307/96). Desde então, uma terceira fase está em curso, relacionada com a possibilidade de as entidades públicas entrarem em arbitragem e a definição de “direitos patrimoniais disponíveis” pelo órgão regulador, em vez do Poder Judiciário.

Embora a possibilidade legal seja clara, e a exi- gibilidade de cláusulas e sentenças arbitrais te- nha sido reconhecida pelos tribunais brasileiros, a arbitragem ainda enfrenta alguns desafios, que se traduzem em riscos para os investido- res. Por exemplo, em alguns setores de infraes- trutura, existe uma zona cinzenta em relação à delimitação de “direito patrimonial disponível “; um processo arbitral ainda leva algum tem- po (quase sempre mais do que os “seis meses” legalmente estabelecidos); há altos custos en- volvidos no processo; e finalmente, a prática demonstrou que a judicialização é frequente- mente escolhida, mais no caso de medidas cau- telares e urgentes, mas também para declarar a sentença arbitral nula.

No contexto de mercados emergentes, os inves- tidores tendem a ver um contrato de concessão como possuindo um risco inerentemente mais alto ou buscar uma taxa de retorno mais alta para compensar perdas, se o direito de rever uma de- cisão injusta ou incorreta de um órgão regulador por uma instituição arbitral não for possível. Uma regra legal que defina como, quando e quais órgãos da Administração Pública podem entrar em arbitragem poderia fornecer mais se- gurança jurídica e, portanto, menos riscos para os investidores. Cada contrato de concessão, dependendo do setor de infraestrutura, traz seu próprio conjunto de regras relativas ao tempo necessário para resolver uma disputa, a esco- lha dos árbitros, o tribunal arbitral para o qual a

questão deve ser levada, compartilhamento de custos entre as partes e assim por diante.

É importante para as empresas privadas e para a Administração Pública confiar firmemente na arbitragem quando há uma cláusula compro- missória no contrato de concessão, e não enfra- quecer os ganhos alcançados pelo uso da arbi- tragem até o momento. A formulação de uma cláusula compromissória padronizada e bem definida pode reduzir os riscos de interpretação e oferecer segurança jurídica.

Por outro lado, é necessário que os órgãos públi- cos definam “direitos patrimoniais disponíveis” e tracem uma linha separando a aplicação de uma regra específica de seus efeitos econômicos so- bre concessões; sendo somente o último passí- vel de ser submetido à arbitragem. A inclusão de tais definições nos contratos de concessão pode impedir a arbitragem protelatória.

Além disso, as instituições de arbitragem devem implementar mecanismos de governança visan- do reduzir custos (como diretrizes relacionadas a financiamento de terceiros) e reduzir o tempo necessário para resolução de uma disputa (uso de mediadores e árbitros de emergência, proce- dimentos expeditos, compromisso com um cro- nograma e sanções por conduta dilatória).

TRATADOS BILATERAIS

O Brasil não possui um Tratado Bilateral de In- vestimentos (TBI) com países investidores. Nos anos 90, o Brasil assinou TBIs com Bélgica, Lu- xemburgo, Chile, Cuba, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Itália, República da Coréia, Holanda, Portugal, Suíça, Reino Unido e Vene- zuela. Nenhum desses Tratados foi ratificado pelo Congresso Nacional.

Em 2002, um grupo de trabalho interministerial retirou os acordos do Congresso depois de de- terminar que as disposições do tratado sobre mecanismos de resolução de disputas entre in- vestidor internacional e Estado eram inconstitu- cionais, o que inviabilizaria sua ratificação.

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FICANCIAMENTO E ALOCAÇÃO DE RISCOS | CAPÍTULO 3 | O governo do Brasil assinou sete Acordos de

Cooperação e Facilitação de Investimento (AC- FIs) desde 2015, ainda pendentes de ratificação no Congresso: Moçambique (abril de 2015), Angola (maio de 2015), México (junho de 2015) Malawi (outubro de 2015) Colômbia (outubro de 2015), Chile (novembro de 2015) e Peru (2016). Os ACFIs assinados descrevem etapas progres- sivas para a solução de qualquer “disputa de interesse de um investidor”, incluindo: (1) um ouvidor e um Comitê Conjunto nomeado pe- los dois governos, que atuaria como mediador para resolver amigavelmente qualquer disputa; (2) se a resolução amigável falhar, qualquer um dos dois governos poderá levar a controvérsia ao conhecimento do Comitê Conjunto; (3) se a disputa não for resolvida dentro do Comitê Conjunto, os dois governos podem recorrer a mecanismos de arbitragem entre países.

Comparativamente a outros países, a falta de tratados dessa natureza (TBIs) não coloca o país em posição competitiva na capacidade de atrair capitais para investimentos em infraestrutura.