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Humberto Theodoro Júnior (2016, p. 681) afirma que o novo Código de Processo Civil percorreu a “enriquecedora linha de evolução da tutela sumária, encontrada nos direitos italiano e francês: admitiu a desvinculação entre a tutela de cognição sumária e a de cognição plena (processo de mérito), ou seja, permitiu a chamada autonomização e estabilização da tutela sumária”.

Lucon (2016, p. 248) complementa ao dizer que “outro ponto que não passou desapercebido na elaboração do Código de Processo Civil é a eventualidade do julgamento de mérito diante da concessão da tutela antecipada parcial ou total requerida em caráter antecedente” (art. 303).

Em outras palavras, “a nova codificação admite que se estabilize e sobreviva a tutela de urgência satisfativa, postulada em caráter antecedente ao pedido principal, como decisão judicial hábil a regular a crise de direito material, mesmo após a extinção do processo antecedente” (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 681).

O novo Código de Processo Civil inseriu ao sistema processual brasileiro uma técnica já utilizada em outros países, o da desvinculação entre a tutela de cognição sumária e a tutela de cognição plena, com a estabilização da tutela de urgência satisfativa requerida em caráter antecedente, sendo possível o resguardo do direito material sem que tenha ocorrido o processo de mérito, desde que o autor tenha explicitado essa intenção na petição inicial (art. 303, § 5º) e que a medida de urgência tenha sido processada na forma dos artigos 303 e 304 do referido

codex(OLIVEIRA, 2018, p. 1, grifo do autor).

Destarte, para melhor compreensão a respeito dessa inovação no tocante da possibilidade de estabilizar uma decisão concedida em caráter antecedente, será exposto no decorrer deste capítulo a origem da estabilização, conceitos, aspectos necessários e demais esclarecimentos a respeito deste instituto.

ORIGEM DA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA

A opção de conceder estabilidade às medidas antecipatórias “foi adotada pelo sistema processual italiano, inspirada no sistema dos referes franceses, com o intuito de afastar os males decorrentes da excessiva demora para se obter decisão definitiva da lide naquele país” (BAUERMANN, 2019, p. 1, grifo do autor).

Em que pese ser inserida em nosso ordenamento somente a partir do novo Código de Processo Civil de 2015, Costa e Curvelo (2018, p. 4) lecionam que a mesma já teria sido

debatida, no ano de 1997, como possibilidade de inserção já naquela época, em nosso ordenamento jurídico, eles explicam que quem trouxe esse novo ideal foi Ada Pellegrini, inspirada em experiências belgas e italiana. Acrescentam que o objeto de inspiração foi a técnica monitória, pois “estabelecia que a falta de impugnação da decisão que concedesse

integralmente a antecipação da tutela resultaria na sua conversão em sentença de mérito,

sendo apta a produzir coisa julgada material” (COSTA; CURVELO, 2018, p. 4).

Contudo, não foi aceito e no ano de 2005 voltou a ser debatido, em nova proposta de alteração do CPC, no entanto, foi finalmente inserida somente em 2015.

Como já mencionado, Bonato (2017, p. 19, grifo do autor) confirma que o legislador brasileiro se baseou no modelo do refere francês e que, por sua vez foi usado como referência também na Itália.

Bonato (2017, p. 19) leciona que o refere francês possui dois traços essenciais, a sumariedade do provimento e a provisoriedade do mesmo, ademais importa ressaltar que esse provimento não pode ser alterado, exceto quando os motivos que levaram aquela decisão, ou seja, as circunstâncias alterem. Assim, o conteúdo pode ser revisto, modificado, debatido por meio de um processo autônomo de mérito.

Assim, em relação ao refere francês, Bulak (2017, p. 44) nos traz que “o referido instituto representa técnica processual pautada pela autonomia procedimental em relação ao processo de cognição plena e exauriente, pela cognição sumária, pela oralidade e pela ausência de grandes formalismos”.

Ademais, ainda leciona que:

A pretensão autoral é conhecida por um juízo distinto daquele competente para processar e julgar o processo de cognição plena e exauriente. Ao receber a o pleito autoral, esse juízo determina a realização de uma audiência, na qual devem estar pressentes autor e réu, não sendo necessária, contudo, a assistência de um advogado. Nessa audiência, o réu apresenta sua defesa, instaurando-se, assim, um contraditório. Ouvidas as partes, o julgador profere, motivadamente e com base em cognição sumária, uma decisão acerca da demanda levada a juízo (BULAK, 2017, p. 44). Cabe ressaltar que essa decisão, não forma coisa julgada, mas regula de maneira definitiva. Ou seja, “embora as partes ainda possam impugnar a referida decisão e rediscutir o mérito, esse provimento, caso não impugnado, pode ter seus efeitos protraídos no tempo, independentemente da superveniência de decisão fundada em cognição plena e exauriente” (THEODORO JUNIOR; ANDRADE, 2012, p. 33-36).

Quanto ao ordenamento jurídico italiano, temos que “com a promulgação do Decreto Legislativo 05/2003 e da Lei 80/2015 foi inserido a possibilidade de a decisão de

cognição sumária, por si só, resolver a crise de direito material, prescindindo, portanto, da continuação ou da instauração do procedimento de cognição plena e exauriente” (BULAK, 2017, p. 42).

Essa técnica é conhecida como Tutela Sumária, aceita tanto no âmbito das tutelas cautelares quanto nas situações em que inexiste urgência. Embora a Tutela Sumária tenha efeitos executivos imediatos, os quais se protraem no tempo independentemente da superveniência de decisão de cognição plena e exauriente, o fato é que esse provimento não é apto a formar coisa julgada, razão pela qual a parte que sofreu algum gravame pode instaurar o processo de cognição plena com objetivo de reformar ou de anular a decisão (BULAK, 2017, p. 42).

Em que pese tenha sido breve a explicação a respeito do ordenamento jurídico italiano, o mesmo se baseou no instituto francês e, portanto, possui semelhanças com o mesmo e poucas distinções.

Assim, o mesmo instituto também conserva em caráter provisório as sentenças, “são, portanto, dotados de uma “vida provisória”, porque – além de estarem sujeitos a ação de revogação ou modificação – podem ser “superados pelo provimento definitivo ou principal ‘pendente’ ou ‘em lugar’ do qual são emanados e aos quais são funcionalmente preordenados” (BONATO, 2017, p. 27).

CONCEITO DE ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA

O Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 304, nos apresenta a estabilização da tutela provisória, ao dispor que “a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303 (tutela antecipada), torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso” (BRASIL, CPC, 2019).

Assim, tem-se que:

O autor deve formular pedido de tutela antecipada (satisfativa) em caráter antecedente (preparatório), demonstrando urgência com que pleiteia a medida, e que esta urgência é contemporânea a propositura da respectiva ação, indicando juntamente o pedido de tutela final, com a exposição a lide, com o direito que se busca realizar e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (art. 303, CPC/2015). Sendo concedida a medida pelo magistrado, abre-se a possibilidade de estabilização, caso a decisão não seja objeto de interposição do “respectivo recurso” pelo réu. Não sendo deferida a medida, não há que se falar em estabilização (FOCKINK, 2018, p. 43).

No entanto, qual o significado da estabilização da tutela provisória requerida em caráter antecedente?

A estabilização consiste em técnica monitória de abreviação do processo que viabiliza a sua extinção sem resolução do mérito quando o autor, satisfeito com a

efetivação da tutela antecipada requerida e concedida na forma antecedente, não possui interesse na prolação de sentença de mérito, ao mesmo tempo em que o réu não manifesta igual intenção (LEILÃO, 2018, p. 283).

Leilão (2018, p. 283) conclui que, com a incidência do instituto da estabilização, a realização do direito mediante a tutela provisória é suficiente para a satisfação do autor.

Mossoi e Haas (2017, p. 22) aduzem que “na referida modalidade, antecipam-se os efeitos que somente seriam obtidos ao final do processo, visando a efetivação dos Princípios Constitucionais da Celeridade Processual e da Razoável Duração do Processo”. Portanto, se a parte contrária não impugnar a decisão proferida pelo magistrado, os efeitos oriundos dessa decisão se anteciparão e se conservarão.

Marcus Vinícius Rios Gonçalves (2017, p. 385) acrescenta que a principal finalidade da estabilização da tutela de urgência requerida em caráter antecedente “é possibilitar ao interessado a satisfação da sua pretensão, sem a instauração de um processo de cognição exauriente, quando o adversário não se opõe, pela via recursal, à medida deferida”.

PROCEDIMENTO PARA CONCESSÃO DA ESTABILIZAÇÃO

Assim que a tutela antecipada for concedida pelo magistrado, em caráter antecedente, deverá ser respeitado os dispostos no inciso I e III, §3º do artigo 303“o autor deverá aditar a petição inicial, seja com os argumentos quanto com novos documentos”, ainda “esse aditamento será realizado nos mesmos autos” (BRASIL, CPC, 2019).

Diante disso, temos duas situações: a) “não realizado o aditamento: ocorrerá extinção do processo sem resolução de mérito” (art. 303, §2º). b) “realizado o aditamento: será designada uma audiência de conciliação e o réu será citado” (art. 303, II). “Sendo inexitosa essa tentativa de conciliação, inicia a contagem de prazo para apresentação de contestação” (art. 303, III) (BRASIL, CPC, 2019).

Ainda, temos a situação do magistrado não conceder a tutela, nesse caso “o autor deverá emendar a petição inicial em 05 (cinco) dias, não sendo realizado também ocorrerá à extinção do processo sem resolução de mérito” (art. 303, §6º) (BRASIL, CPC, 2019).

Contudo, a parte mais importante para nós, nesse momento, seria com a concessão da tutela, disposta no artigo 304, § 1º, CPC, sendo feito seu aditamento, não ocorrendo a autocomposição e o réu se mantendo inerte durante o prazo para apresentação de contestação. Pois, ocorrendo esse percurso, a decisão se torna estável e o processo é extinto (BRASIL, CPC, 2019).

Daniel Mitidiero (2019, p. 2-3) acrescenta que “o juízo a respeito da tutela antecipada permanece procedimentalmente autônomo e a decisão provisória torna -se estável. Com isso, incentivado pela doutrina o legislador logra seu intento de autonomizar e

estabilizar a tutela antecipada”.

Para que não ocorra a estabilização, Cássio Scarpinella Bueno (2016, p. 261) aduz que “o réu deverá interpor recurso”, sendo este o agravo de instrumento (art. 1015, I), nos casos de tutela antecedente ter sido pleiteada em primeira instância, e nos casos de ser pleiteada perante algum Tribunal, será cabível agravo interno (art. 1021).

Mitidiero (2019, p. 3, grifo do autor) traz outra situação, quando “o réu não

interpor o agravo de instrumento, mas desde logo oferecer contestação no mesmo prazo – ou,

ainda, manifestar-se dentro desse mesmo prazo pela realização da audiência de conciliação ou de mediação”. Nessa situação, tem-se que:

Entender que a manifestação do réu no primeiro grau de jurisdição serve tanto quanto a interposição do recurso para evitar a estabilização dos efeitos da tutela. Essa solução tem a vantagem de economizar o recurso de agravo e de emprestar a devida relevância à manifestação de vontade constante da contestação ou do intento de comparecimento à audiência. Em ambas as manifestações, a vontade do réu é inequívoca no sentido de exaurir o debate com o prosseguimento do procedimento (MITIDIERO, 2019, p. 3, grifo do autor).

Caso o réu se mantenha inerte, não realizando nenhum dos atos acima citados, a decisão se tornará estável.

Nesse sentido, “para que essa decisão possa ser revista, reformada ou invalidada, é preciso que qualquer das partes demande a outra com o intuito de fazê-lo” (GONÇALVES, 2017, p. 384).

Marcus Vinícius Rios Gonçalves (2017, p. 384) traz um exemplo de como seria essa situação:

Imagine que o credor tenha obtido tutela antecipada, em caráter antecedente, em que o juiz já lhe tenha concedido o direito de receber determinado valor. Se a medida se torna estável, ela continuará produzindo efeitos, o que permitirá ao credor promover o seu cumprimento provisório. Para que ela seja revista, reformada ou invalidada, é preciso que o credor demande o devedor ou vice-versa. O credor pode demandar o devedor promovendo a cobrança definitiva da dívida, caso em que, havendo o acolhimento do pedido, a tutela antecipada será substituída pelo provimento definitivo, proferido em cognição exauriente; ou o devedor pode demandar o credor, propondo uma ação declaratória de que a dívida não existe, ou foi extinta, e postular com isso a invalidação da tutela anteriormente concedida.

O “prazo então, para que qualquer das partes tome iniciativa para rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada é de dois anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo” (art. 304, §5º, CPC) (BRASIL, CPC, 2019).

Por fim, embora o Código de Processo Civil exponha, em seu artigo 304, §6º, CPC, que “a decisão que concede tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes” (BRASIL, CPC, 2019), essa situação traz inúmeros questionamentos, sendo causa de imensuráveis estudos, tanto por juristas quanto por discentes.

Para melhor compreensão da presente explanação, observar-se-á o fluxograma do procedimento da tutela provisória antecedente no Anexo A.

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