• Nenhum resultado encontrado

O ESTADO DE DIREITO PÓS-MODERNO E O TERRORISMO GLOBAL COMO CONSEQUÊNCIA DA MODERNIDADE

PODER E A LEGITIMIDADE DO PODER GLOBALIDADE E PÓS MODERNIDADE

5. O ESTADO DE DIREITO PÓS-MODERNO E O TERRORISMO GLOBAL COMO CONSEQUÊNCIA DA MODERNIDADE

A crise da autoridade jurídica e o terrorismo como forma de comunicação do poder. Esse é o título do trabalho. Durante longas páginas até agora estamos tentando estabelecer o cenário institucional de transformação em que se encontra o mundo contemporâneo. Mudanças de ordem, sobretudo institucionais, não são processo simples ou automáticos, mas processo guiados por crises e soluções, sucessivamente encadeados até uma relativa estabilidade.

A própria racionalidade excessiva da modernidade levou anos para ser consolidada. Como vimos, o Estado moderno levou praticamente todo o período histórico da era moderna para consolidar-se como estado nacional e de direito.

Diante deste cenário de transformação e, portanto, de crise, procuramos centrar luzes e esforços em um dos cenários críticos que encontramos, cuja evidência se mostrou mais acessível diante das conseqüências dos fenômenos envolvidos.

Assim, procuramos até agora demonstrar como o Estado e, mais o poder do Estado e sua legitimidade estão sendo desafiados em suas concepções desenvolvidas na modernidade pela transformação de fenômenos sociais, como o terrorismo, em fenômenos globais e fluidos, tal como concebida a pós- modernidade por aqueles que a vem estudando mais a fundo há pelo menos meio século. Para agregar valor à pesquisa, trouxemos à baila a idéia de poder como meio de comunicação, notadamente para tentar demonstrar como a relação poder-direito-estado deve ser desenvolvida ou enxergada na pós- modernidade.

Esta nova concepção de poder nada mais é do que uma conseqüência da própria universalização e radicalização da modernidade. O desenvolvimento

130 das relações humanas e o progresso da tecnologia e do acesso à informação demandam novas dimensões institucionais.

Muito embora ainda não se possa, e nem se deva, desvencilhar-se dos estados nacionais, sendo eles os principais atores da mudança, é estritamente necessário para construção de uma teoria do direito que nos seja útil no futuro, a consideração do Estado no contexto atual como um fenômeno pós-moderno e, nesta qualidade, cujas relações sociais e de poder se tornam excessivamente complexas e desenvolvidas em um ambiente de comunicação plena.

Da mesma forma, o terrorismo, enquanto talvez, o principal fenômeno desafiador da legitimidade estatal, deve ser repensado como um fenômeno extremamente globalizado e, ademais, como uma conseqüência radical da modernidade, no sentido de que, por mais que esteja mascarado por ideologias, tornou-se um fator global de poder a ser considerado e trabalhado na medida em que se tornou um fim em si mesmo, ou seja, na medida em que passou a existir para perpetuar sua existência como poder fático.

Neste sentido, o que a racionalidade moderna nos deixa como conseqüência, para a elaboração de paradigmas pós-modernos, é a necessidade de uma mudança qualitativa na análise das relações entre poder e direito e destes com a legitimidade e a autoridade jurídica dos Estados, que permita, sob uma ótica mais atualizada aproximar-nos da realidade social e da inevitabilidade da vida em comunicação, abordando de forma diferenciada e mais eficaz, fenômenos desafiadores como o terrorismo.

Até agora temos repetido que a pós-modernidade transformou de maneira inédita as instituições modernas, entre elas o estado de direito e a autoridade jurídica. A exigência de transnacionalidade e a sociedade da informação caracterizada pela comunicação incessante, nos fez tentar reapresentar o fenômeno do poder estatal e do direito, enquanto um meio de comunicação, que se legitima no processo comunicacional. Uma das vantagens

131 deste tratamento é justamente inserir na análise do poder formal, a existência e influência exercida pela multiplicidade de centros de poder informais

É neste cenário que procuramos demonstrar como o terrorismo também se comunica enquanto poder informal desafiando as tradicionais instituições modernas. E é no mesmo cenário que a reinterpretação da autoridade jurídica é fundamental para neutralizar o risco conseqüente do terrorismo à legitimidade material do poder.

A admissão do cenário pós-moderno por nós não importou, conforme expusemos nos capítulos anteriores, na exclusão total da idéia de estado nacional e da existência de uma autoridade jurídica que representa o poder legítimo desse estado. Ao contrário, a globalização e integração regional ao mesmo tempo exigem uma reformulação dos estados nacionais para que estes permitem a transnacionalidade mas preservem a segurança institucional e as relações sociais em seus territórios, neutralizando a instabilidade internacional.

Afirmamos aqui, ademais, que o poder, enquanto meio de comunicação, é legítimo se possui liderança, reputação e autoridade. Nesse ponto, o risco resultante da atividade terrorista é de um apelo excessivo ao caráter autoritário do poder.

A manifestação violenta, simbólica e devastadora do terrorismo e sua propagação midiática, cada vez mais comum e frequente, faz com que o clima instaurado provoque um medo da liberdade, um sentimento de angústia social que culmina ou pode culminar na troca entre a existência de certos direitos em troca de uma suposta sensação de segurança, representada pela atuação autoritária e extensiva do aparato institucional. Tércio Sampaio Ferraz afirma, com percuciência, que “o pior inimigo da liberdade democrática não é o outro que a tira de nós, mas a impulsão que sofremos para nos desfazer do ‘fardo’ da liberdade”139.

132 As manifestações dessa histeria por segurança é empiricamente comprovada nas nossas realidades e estados nacionais. Entretanto, como adverte Eric Hobsbawn, na sua experiência de principal historiador do século XX, “a proliferação extraordinária de meios tecnológicos e outros, de manter os cidadãos sob vigilância o tempo todo(...)não aumentou a efetividade do Estado e da lei, mas tornou os cidadãos menos livres140”.

Ou seja, a tradicional reação dos estados nacionais e mesmo das superpotências em sentido transnacional não é capaz de neutralizar o fenômeno do terrorismo em seus caracteres pós-modernos. A prova disso está no fato de que nenhum dos conflitos armados da década de 1990 e mesmo aqueles que, já no século XXI resultaram de reações, às vezes até internacional, ao terrorismo, se resolveram de forma estável. Ao contrário, esta reação serve justamente ao desejo de instabilidade dos terroristas, na medida em que ela diminui garantias e direitos e amarra a estrutura institucional dos estados de maneira que estes não conseguem atender aos reclamos de suas sociedades.

O terrorismo fragiliza assim, a reputação e liderança do estado em determinado território, exigindo-lhe uma maior ênfase no seu caráter autoritário. Esse, entretanto, é o primeiro sinal de que o poder irá se tornar inefetivo, na medida em que a violência, que era a alternativa a ser evitada, volta a atuar de forma principal nas decisões.

Diante disso, a autoridade jurídica vive seu ponto-chave de legitimação. Neste sentido concebê-la como um meio de comunicação que se legitima no plano fático e não valorativo é fundamental para controlar os procedimentos de sua decisão, garantindo que, por meio da ação comunicativa, que não ignora a existência de centros de poder informais na esfera pública, se neutralize a influencia negativa do terrorismo e se permita a criação do direito direcionada aos anseios da sociedade civil, entre eles o de segurança institucional.

133 A lei se constrói, portanto, como um processo, negociado e procedimentalizado por meio da ação comunicativa gerando cenários em que se permita desenvolver mecanismos de conciliação e consistência que anulem a ameaça às garantias e direitos da sociedade civil. As idéias anteriormente positivadas de “interesse público”, “segurança jurídica”, deixam de ser conceitos indeterminados de necessário conteúdo valorativo e interpretativo para serem importantes símbolos retóricos de influência e confirmação no processo de comunicação do poder141.

134

6. A RELAÇÃO PODER, DIREITO E LEGITIMIDADE NO CONTEXTO PÓS