• Nenhum resultado encontrado

Uma versão importante desta relação foi estabelecida pelo papel desempenhado pelo Estado nos países que, inseridos na economia capitalista de forma dependente e inexistindo, endogenamente, as condições para a reprodução ampliada do capital, o próprio poder estatal assumiu a condução do processo de criação das bases materiais do capitalismo. A dinâmica da acumulação, estruturada na expansão industrial, nasceu com o suporte decisivo do próprio Estado.

Em países como o Brasil, onde o Estado desempenhou papel fundamental na promoção da acumulação de capital e do desenvolvimento tecnológico, ao contrário de divergente, a relação entre Estado e mercado assumiu uma importância indubitável, uma complementaridade necessária para o crescimento econômico. Esta, como outras experiências, não tornaram a intervenção do Estado incompatível com a economia capitalista. Nos países de desenvolvimento tardio, em especial nas regiões da América Latina, a relação entre mercado e Estado foi de cooperação, no sentido de que o Estado trouxe para si a responsabilidade de montar uma infraestrutura produtiva sobre a qual se assentou o grande capital nacional e estrangeiro. Através de investimentos diretos, política creditícia, planejamento, protecionismo e outras medidas que visavam a maximizar a renda a partir de poupanças escassas, a intervenção Estatal pretendia, em conformidade com os pressupostos cepalinos, desenvolver a indústria e fortalecer o mercado nacional.

Nos países de desenvolvimento tardio do Terceiro Mundo, a teoria do desenvolvimento partia da premissa de que os aparelhos de Estado poderiam ser usados para promover a mudança estrutural. O principal objetivo do Estado era promover a industrialização, vista como caminho necessário para superar o subdesenvolvimento. Também se esperava que desempenhasse um papel na modernização da agricultura e no fornecimento da infraestrutura necessária à urbanização.

Assim, o Estado desempenhou papel preponderante para efetivar o processo de industrialização nestes países, o que, em boa parte, deveu-se, como foi dito, à teoria cepalina. A Cepal, através da tese cujo núcleo central tratava da deterioração dos termos de troca, criticou, severamente, o princípio ricardiano segundo o qual mecanismos de mercado, onde prevalecesse a concorrência perfeita, poderiam compensar a distância tecnológica entre mercados. Constatou que a divisão internacional do trabalho tradicional acentuava a disparidade crescente entre países ricos e pobres através de uma ascendente transferência de ganhos das regiões pobres para as ricas. João Manuel Cardoso de Melo, ao fazer uma apresentação do Estudio Económico de América Latina – 1949, texto que, segundo o autor, “marca o nascimento da Economia Política da CEPAL”, salienta que a deterioração das relações de troca entre as economias periféricas exportadoras de produtos primários e as economias industrializadas com estruturas produtivas diversificadas e tecnicamente homogêneas promove a concentração dos frutos do progresso técnico nas economias centrais. Diz o autor que

“...a industrialização latino-americana, porque periférica, enfrenta problemas que lhe conferem especificidade que, pensando bem, se reduzem a um único: a ausência de uma indústria de bens de produção num momento em que o Centro conformou uma estrutura industrial permeada por uma tecnologia extremamente avançada. Daí que os efeitos expansivos do investimento se filtrem para o exterior; daí que a importação de bens de produção traga contida neles uma tecnologia desajustada às necessidades latino-americanas. Exatamente porque a industrialização latino-americana é problemática (e específica), a resolução das dificuldades não pode ser entregue ao livre jogo das forças de mercado, mas há de ser objeto de uma intervenção consciente na realidade, que é apreendida pela ideia de planificação” (CARDOSO DE MELLO, 1984: 22).

Para reverter esse diagnóstico, era necessário promover uma transformação histórica fundamental; ou seja, através de uma forte presença estatal, dever-se- iam criar mecanismos para alcançar rapidamente a industrialização. Não se tratava, como na teoria keynesiana, de realocar poupança ociosa através da intervenção estatal, mas, justamente porque a poupança era escassa, o Estado deveria ser um ente político e econômico capaz de maximizá-la. Aqui, como no

Welfare State, Estado e mercado se complementaram e conseguiram estabelecer um novo padrão de crescimento.

O forte comprometimento do Estado com o capital, na história do desenvolvimento econômico da América Latina, revela aspectos importantes. Ao analisar o desenvolvimento do capitalismo brasileiro, Ianni salienta que a “dinâmica do tripé, comandada maiormente pelo capital internacional, provoca um espécie de dissociação entre o Estado e a sociedade” (IANNI, 1988: 258). O “tripé” a que se refere o autor é uma das peculiaridades do capitalismo brasileiro, organizado, na transição de uma economia exportadora de bens primários para uma substitutiva de importação, sobre três pilares: o capital estrangeiro, a burguesia nacional e o Estado. Assim, na configuração da base produtiva brasileira, que se consolidou nas décadas seguintes à Revolução de 1930, estão associados o capital privado nacional, o capital privado estrangeiro e o Estado. Segundo Ianni, na consolidação do “capitalismo associado”, predominaram o capital, a tecnologia e a capacidade gerencial estrangeiros.9 De fato, o Estado que se consolida no Brasil, a partir da Revolução de 30, no curso do seu processo de industrialização no modelo substitutivo de importações, não se limitou a reproduzir a ordem capitalista, mas assumiu a responsabilidade de ser, ele próprio, promotor e ator da industrialização. Apesar das críticas ao “caráter um tanto errático” da presença do Estado na economia brasileira, ao estudar esse assunto, Ianni destaca o estreito vínculo entre capital e Estado ao mencionar que esta presença não deve ser considerada como uma ameaça ao capital privado. Ao contrário, ocorre, justamente, para reforçá-lo. Assim, o autor destaca que, ao mesmo tempo que cresceu o poder estatal, em termos econômicos e políticos, cresceu também o hiato entre o Estado e amplos segmentos da sociedade:

“As forças que controlam o poder estatal frequentemente criminalizam amplos setores da sociedade, em lugar de examinar e encaminhar a resolução da questão social. Transformam a questão social em um problema de violência e, assim, caminham para medidas de segurança, tutela, repressão.” (IANNI, 1988: 253).

9

Ver também OLIVEIRA, Francisco. A Economia da Dependência Imperfeita. Rio de Janeiro: Graal, 1977 e REZENDE, Fernando e outros. Aspectos da Participação do Governo na

Documentos relacionados