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Estado Nação e caráter nacional: heranças européias

4. CARÁTER NACIONAL: APROXIMAÇÕES E DIVERGÊNCIAS

4.1. Estado Nação e caráter nacional: heranças européias

Segundo Manoel Bomfim a constituição do Estados nacionais de Portugal e Espanha deve-se a formação de uma cultura guerreira de onze séculos de intensas invasões, conquistas e reconquistas do território onde hoje se encontram. Este processo criara uma cultura bélica e de rapina que impedia a normalização do trabalho e infundira nesta população o “instinto guerreiro” movido por novas conquistas. O regime social de onze anos de guerra, segundo Manoel Bomfim, formou o caráter de “resistência” e “hombridade” que levou estes povos constituírem-se em Estados Nacionais.

Os efeitos de uma educação guerreira e o regime de viver de saques e rapinas explicaria a forma da colonização nas Américas, em especial, na administração voltada a cobrar tributos, na organização dos colonos em feudos, como senhores medievais, vivendo apenas para recolher a riqueza do trabalho de escravos, criando o sistema de parasitismo social.

O Estado era parasita dos colonos, a Igreja parasita direta dos colonos, e parasita do Estado. Com a nobreza sucedia a mesma coisa: ou parasitava sobre o trabalho escravo, nas colônias, ou parasitava nos sinecuras e pensões. A burguesia parasitava nos monopólios, no tráfico dos negros, no comércio privilegiado. A plebe parasitava nos adros das igrejas ou nos pátios dos fidalgos. (BOMFIM, 1993, p. 108-109).

A perspectiva do parasitismo, na ótica de Silvio Romero, impossibilitaria ressaltar a função histórica e distinta da nação brasileira, as mudanças ficariam congeladas. Este fenômeno, no campo biológico seria uma forma de adaptação dos seres vivos sob o efeito de mudanças do seu habitat. No campo sociológico não passaria de uma metáfora já que:

Não se devem, nas relações humanas, tomar como parasitismo factos que não passam, na realidade, de adaptação para outras funcções diversas das nossas, phenomenos que não são mais do que uma isenção de certos trabalhos forçados em vista de outras vantagens. (ROMERO, 1906, p. 44).

Enquanto para Manoel Bomfim o parasitismo social constitui-se um “systema de viver a custa da riqueza da fortuna ou do trabalho alheio”, para Silvio Romero,

[...] o parasitismo não é coisa que, sem grave erronia, se possa invocar como principio explicador das luctas, das conquistas, das glorias, das grandezas e das lacunas do genio das populações hispanicas (ROMERO, 1906, p. 49).

Continuando a discussão sobre o caráter dos povos ibéricos, Bomfim entende que este impediu constituir um Estado moderno, garantidor, protetor, órgão da nação, seu defensor e representante. Os serviços públicos eram nulos e a administração representava os fiscos, as tropas e os justiceiros do rei. A justiça significava condenar todos que eram contra este sistema de parasitismo.

Já na perspectiva de Silvio Romero a formação do Estado nacional de Portugal e Espanha deve-se a uma cultura de harmonia, pois, diferentemente de Manoel Bomfim, Romero pensa que se houvessem acontecido lutas constantes, depredações e massacres, não existiria uma história medieval e moderna dos povos ibéricos.

A assimilação social e a pouca resistência no contato entre os povos que originaram os ibéricos é justificada pela influência que os chamados povos bárbaros deixaram nas instituições administrativas, jurídicas, políticas, e na existência de novos dialetos latinos. Para o autor, a assimilação harmônica entre os povos que ocuparam a Península Ibérica, após a queda do Império Romano – os godos, os cartagineses e os mouros – é explicada pela existência de um código único, o Codex Visigothorum ou Fórum Judicum que serviu a toda a população, sem distinções de origem33.

33

De acordo com Silvio Romero, no Forum Judicum encontram-se leis relativas à propriedade, ao trabalho, às terras públicas e particulares, á indústria pastoral, ao comércio, aos contratos, que “desmentiriam” o estado de guerra esboçado por Manoel Bomfim.

Comparado ao caráter agressivo do Império Romano, a colonização dos povos ibéricos – herdeiros desse Império – na América teria sido harmoniosa, principalmente pelo fato que os romanos não colonizaram terras de povos “incultos” e “selvagens”. Este fato admira Silvio Romero que defende que os portugueses e espanhóis teriam sido mais “humanos” com os povos da América e da África, do que foram os contemporâneos de Cícero na Ásia e na Grécia. E ainda, questiona a exatidão desta perspectiva em Manoel Bomfim quando observa que espanhóis e portugueses são o núcleo da sua tese de que os males de origem das nações latino-americanas viriam da Europa, mas não abre mão de perceber os males internos da América Latina.

Manoel Bomfim estaria, no intuito de acusar, tornando-se com isso o “dissertador do parasitismo e do ciúme”. O nacionalismo do autor seria a causa principal da falta de cientificidade de sua obra:

Quando, despreoccupado dos phantasmas da arrogancia européia, lança as vistas no continente sul-americano e nomeadamente no Brasil, chega a enxergar alguns actos reaes e a dizer a verdade. Mas esse estado d’espírito se esvaéce prestes, sempre que o escriptor se lembra que é filho d’América e d’esta tem dito mal alguns europeus...Então já as maculas, que via no corpo social de nossas gentes, deixam de ser verdadeiras e se transformam em eructações da calumnia d’estranhos, máus ou invejosos... (ROMERO, 1906, p. 16).

A observação de Romero aponta na obra de Manoel Bomfim, América Latina Males de

Origem, a oscilação entre o paradigma europeu e a busca de uma realidade nacional. Esta busca

fez com que o autor depositasse na cultura de guerra o fator da constituição do Estado Nação, ao contrário de Silvio Romero que valoriza a força biológica representada pelo sangue e pela língua os coadjuvantes desta formação. Os povos ibéricos teriam após intensa miscigenação racial constituídos uma organização política e após isso, tiveram a tendência de caracterizar-se sempre a parte.

A miscigenação racial, para Silvio Romero, torna-se a base da formação do Estado e a questão da assimilação é vista como uma característica própria dos povos latino-americanos, do contato entre o negro, o branco e indígena e não como uma herança dos ibéricos. Esta crítica de Romero a Bomfim deve-se ao fato de negar a “necessidade indeclinável de haver na América representantes da civilização ibérica.”(ROMERO, 1980, p. 68).

Por outro lado, ambos concordam que a colonização dos portugueses foi realizada no período de decadência destes impérios, visto que “o século de seu florescimento foi também o século de seu desmoronamento.”(ROMERO, 1980, p.105). Este fator é significativo na herança deixada por estes povos à nação brasileira.

Para caracterizar a influência de português na formação da nação brasileira, Silvio Romero crê ser desnecessário reconstituir a etnografia das populações da Península Ibérica, como feito por Manoel Bomfim, pois esta população descenderia de uma origem “variadíssima”, onde entraram os primitivos indígenas, os “uralo-altaicos”, os “semitas” e os “arianos”.

No entanto, há duas importantes heranças recebidas desta formação. A primeira no fluxo de sangue e idéias de povos oriundos da civilização ocidental e a segunda, a colonização de um dos povos mais atrasados da Europa, no campo político, social, econômico, religioso.