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vigilância estadunidense. No caso dos mexicanos, quando são detectados, sua deportação é realizada principalmente por Nogales e em alguns casos por São Luís Rio Colorado.

Os adolescentes que encontrei no albergue do governo mexicano em Nogales sabiam muito bem disso. A maioria deles tinha atravessado boa parte desse trajeto antes de serem detidos e deportados. Agora se viam entre decidir enfrentar tudo novamente ou simplesmente desistir de tentar. Fotografia 8 – Pátio para atividades ao ar livre no DIF de Nogales, “Camino a Casa”

Crédito: Elisa Sardão Colares (Nogales, Sonora, México, 2018)

No DIF de Nogales, originado do Programa “Camino a Casa”, pude conviver por dois dias com os adolescentes mexicanos130, em sua grande maioria homens, que foram detidos pela patrulha

130 As histórias desses jovens merecem ainda maior atenção, porém, para fins desta tese não será possível com o devido

foco a dinâmica a que fazem parte, por isso, optou-se por apresenta-los, em linhas gerais, inseridos deste meso-cenário da fronteira Sonora- Arizona.

103 dos EUA quando atravessavam o deserto. Estes adolescentes são repatriados “en la línea”131 em um

módulo de atenção do DIF. Antigamente este era o único equipamento disponibilizado para recepção e alojamento das crianças e adolescentes repatriados. Um módulo próprio e com capacidade de receber uma centena de NNA em condições muito mais adequadas foi inaugurado em 2009. À época o ainda baixo volume de crianças estrangeiras não revelava a importância em atende-las nestes equipamentos do DIF, assim seguiram, até o momento de realização da pesquisa, sendo atendidas e custodiadas nas instalações do INM.

Fotografia 9 – Albergue do DIF “Tin Otoch” em construção na cidade de Hermosillo

Crédito: Elisa Sardão Colares (Hermosillo, Sonora, México, 2018)

Na altura em que se realizava a pesquisa, estava em construção novo equipamento do DIF, que aos moldes e com os aprendizados adquiridos em Nogales, iria receber aos NNA estrangeiros e não acompanhados na capital do estado de Sonora. O albergue, que recebeu o nome de Tin Otoch132,

recebeu financiamentos estadual para seu funcionamento (calculado em um milhão de pesos

131 Maneira como comumente referem-se não somente ao posto de passagem entre os dois países, mas também toda parte

da cidade de Nogales que se vê conjugada ao muro fronteiriço.

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mexicanos) e federal para ser equipado (calculado em mais de 2,5 milhões de pesos mexicanos), porém só foi construído dado o financiamento privado da Fundação do bilionário estadunidense Howard G. Buffett (de um total de 21 milhões de pesos mexicanos)133.

Fotografia 10 – Pátio central do Albergue “Tin Otoch” em construção e ao fundo passa “La Bestia”

Crédito: Elisa Sardão Colares (Hermosillo, Sonora, México, 2018)

Enquanto este albergue não fosse inaugurado, as crianças estrangeiras detectadas pelo INM ou pelas Forças Armadas mexicanas migrando sem a companhia comprovada de pais ou responsáveis ficavam sob a guarda e tutela do INM em instalações que não foram acessíveis134. Não só não me foi

possível ter acesso a essas instalações como me foi negada a possibilidade de realizar entrevista com

133 Esses valores, a partir do câmbio da época, são equivalentes a respectivamente: 197 mil, 526 mil e 4,3 milhões de reais.

Segundo informações obtidas pela licenciada responsável, as possíveis inconsistências entre o valor total de investimento para a construção do DIF verdadeiramente recebido e aquele anunciado na placa de sinalização em frente à construção deve-se às diferenças de cambio do dólar à época da assinatura do acordo e do repasse efetivado.

134 O que pela legislação mexicana vigente, este deve ser entendido como situação excepecional e apenas durante o traslado

delas até um albergue do Sistema DIF, conforme se vê no art. 112 da Lei de Migração: “Cuando por alguna circunstancia excepcional las niñas, niños y adolescentes migrantes extranjeros no acompañados lleguen a ser alojados en una estación migratoria, en tanto se les traslada a las instalaciones del Sistema Nacional para el Desarrollo Integral de la Familia, a los Sistemas Estatales DIF y del Distrito Federal, deberá asignárseles en dicha estación un espacio específico para su estadía distinto al del alojamiento de los adultos” (México, 2011).

105 o delegado ou algum assessor seu. Apenas foi autorizada por uma OPI uma entrevista bastante informal (fora de expediente e sem que suas declarações fossem tomadas como oficiais do INM).

Parte então deste quebra-cabeças foi sendo montado junto às impressões obtidas nesta entrevista e também a partir de entrevistas informais com voluntárias do projeto Dreams da organização de sociedade civil Pozo de Vida e de conversas e palestras proferidas pela licenciada responsável, Carmen Munguía135.

A descrição das condições encontradas por essas crianças é bastante difícil. São separadas em pequenas celas de concreto (de 4 metros por 4), fechadas por grades. As camas são de cimento com finos colchões. A climatização é feita por ar-condicionado todo o tempo, já que não existem janelas para a ventilação além de alguns pequenos basculantes. Dentro uma televisão que está sempre ligada, 24 horas, na programação escolhida (ou simplesmente esquecida) pelos próprios agentes do INM.

Em cada cela busca-se colocar apenas uma “família” (crianças pequenas que vêm acompanhadas por pais ou responsáveis), às demais que vêm não acompanhadas, normalmente são maiores de 12 anos e busca-se separar entre meninas e meninos, ainda que o número de meninas seja muito baixo (segundo as impressões daqueles que se despuseram a conversar sobre o assunto). A impressão geral136 é de que a rota migratória que passa por Sonora é preferida por guatemaltecas (e

assim também encontrei nos poucos dias que passei pela guarita de Nogales).

Pensando em amenizar a situação no INM, enquanto o projeto do novo albergue estava sendo pensado para as crianças estrangeiras, o DIF realizou doações de brinquedos e jogos para serem disponibilizadas nas instalações do INM em uma pequena sala fora da área das celas. A sala de recreação havia sido criada a poucos meses, mas , na verdade, deu-se a entender que ela quase nunca era usada. Apenas quando funcionários do DIF agendavam visitas ou reuniões ao INM. O que se

135 A quem agradeço a disponibilidade e abertura para conhecer as instalações do DIF Sonora em Nogales e Hermosillo. 136 O acesso oficial aos dados estatísticos desagregados só seria disponibilizado a partir de acordo de cooperação realizado

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alegava era que a falta de pessoal tornava difícil a garantia da vigilância e da escolta dessas crianças de suas celas até à sala de recreação.

A estação em Hermosillo conta com três OPIs, sem um departamento específico para isso. Nessa estação realizam não apenas o trabalho com as crianças, mas também outras atividades comuns dos agentes federais de migração e, em algumas situações operam protegendo os direitos das crianças detidas. Assim, são agentes federais que participam de operativos, realizam atividades administrativas de rotina (análise de documentações etc.) e podem ser deslocados a outras estações no interior que estejam necessitando de pessoal. A função de OPI aparece quando os demais colegas não conseguem lidar com uma questão emocional daquelas crianças ou ainda, de algum de seus responsáveis que podem eventualmente estar afetando o “interesse superior da criança”. Além dessas circunstâncias, está a cargo dos OPIs acompanhar aquelas crianças e adolescentes que necessitem ser transportados (em ônibus ou avião, este último utilizado preferencialmente) para a capital de seus países de origem.

Em paralelo a esta realidade abarcada por este braço do Estado, ocorria naqueles dias a chegada da “Caravana Via Crucis – Migrantes e Refugiados”, organizado por “Pueblo Sim Fronteras”137. Outras edições da Caravana ocorrem desde 2010 e têm entre seus propósitos fazer com

que a mobilização de grande número de migrantes (centro-americanos principalmente, mas contemplando outras nacionalidades, incluindo mexicanos) tanto visibilize e sensibilize a população e as instituições, como também dê certo grau de segurança àqueles que não têm como, ou não querem, fazer o percurso da maneira mais comum e indocumentada (Guillot Cuéllar, 2012).

Os mais de 4 mil quilômetros percorridos entre as fronteiras sul e norte do México foram tão lineares quanto o trajeto de tantos outros que atravessam esta grande fronteira vertical em que se coloca o país138 (Guillot Cuéllar, 2012). Entre parar e seguir, os inicialmente estimados 1.200

137 Sem sombra de dúvidas, a chegada da Caravana também foi um fator agravante para a dificuldade de entrada junto ao

INM de Sonora.

107 migrantes chegaram à Hermosillo, última parada antes de Tijuana, em um número menor que 800 pessoas. Os quase dois meses que ali estiveram dava mostras do sofrido trajeto pelo deserto. Ainda não era bem verão e os termômetros deixavam de marcar acima de 40º C apenas pela noite.

Ao sair da capital de Chiapas, a primeira parada da Caravana aconteceu em Matias Romero. Ali o alcance político do movimento fincou suas primeiras bandeiras. Por um lado, já atingia os Estados Unidos, dado que pela primeira vez o presidente Trump

anunciava em seu perfil do Twitter – rede social que tanto faz uso desde sua campanha – menção direta a Caravana139.

Além de fazer uso político para o recrudescimento de suas leis migratórias, o Presidente estadunidense demonstrou seu completo desconhecimento das políticas vigentes nos Estados Unidos voltada aos imigrantes ao relacionar os membros da Caravana ao ingresso no programa DACA140.

139 Tradução livre: “Agentes da Patrulha Fronteiriça não têm permissão para realizar seu trabalho apropriadamente na

Fronteira por culpa da ridícula legislação liberal (dos democratas) de “pegar e soltar”. Cada vez se tornando mais perigosa. “Caravana” está chegando. Republicanos precisam tomar como núcleo central a tramitação de leis AGORA. FIM DO ACORDO DACA.

140 Para entender melhor, ver sessão anterior sobre a “arquitetura legal de punir e conceder”.

Figura 1 – Postagem de Donald Trump no Twitter no início da

Caravana

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Poucos dias depois, também sinalizava positivamente à política migratória mexicana como sendo capaz de dissolver a Caravana. Posição esta que iria se transformando e se endurecendo contra as autoridades mexicanas, conforme se acercava a Caravana da fronteira entre os dois países141.

A Caravana ainda se

encontrava em Matías Romero, em Oaxaca, aguardando pela concessão por parte do Instituto Nacional de Migração mexicano (INM) da permissão de trânsito que venceria em 20 dias. Prazo este longe de ser o ideal e necessário para

atravessar os quase quatro mil quilômetros pelo país.

Em seguida passaram por Puebla e depois Cidade do México, onde grande parte da Caravana se desmobilizou, seja porque aquele era o destino de muitos deles, seja porque o INM concedeu a possibilidade de visto humanitário com validade de um ano para alguns, seja pelo

141 Tradução livre: “México tem o poder absoluto de não permitir que essas grandes “Caravanas” de pessoas entre no país

deles. Eles precisam para-los em sua Fronteira norte, o que eles podem fazer porque suas leis migratórias funcionam, não permitem que eles passem até o nosso país, que não tem leis migratórias efetivas...”

Figura 2 – Postagem de Donald Trump no dia seguinte

Fonte: Donald Trump (@realDonaldTrump, 02/04/2018)

Figura 3 - Postagem de Donald Trump com o avançar da Caravana ao sul do México1

109 endurecimento das declarações de Donald Trump que já germinavam a nova política migratória que seria adotada pelos Estados Unidos.

Em Hermosillo chegaram, em 21 de abril, entre 600 e 800 pessoas, o que corresponde a menos da metade dos que saíram de Tapachula, cidade ao sul do México. Após passarem por descarrilamento de trem, tentativas de assalto a alguns dos ônibus e às intempéries do tempo e da pouca comida, a expectativa era de novamente negociar com o INM nova regularização dos vistos de trânsito já vencidos. Começava então, a maior das esperas de toda a jornada da Caravana.

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