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Estados Unidos: writ of certiorari

3 REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL

5.3 Estados Unidos: writ of certiorari

O art. 2.º, inc. III da Constituição norte-americana traça o perfil geral

da competência Suprema Corte dos EUA, dispondo que

Nos casos que envolvam embaixadores ou outros ministros e

cônsules, bem como aqueles em que um Estado seja parte, a Suprema

Corte terá jurisdição originária. Nos demais antes mencionados [aludindo

ao item 1], a Suprema Corte funcionará como tribunal de apelação, em

matéria de direito e de fato, sob as exceções e regulamentações que o

Congresso estabelecer.

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Dentre os meios de provocação da Suprema Corte

456

, no âmbito

recursal, está writ of certiorari

457

, que consubstancia em uma ordem que o tribunal

expede, “avocando”, por assim dizer, os autos do processo para reexame.

Encontra previsão na Rule 10 da Supreme Court Rules of the United

States – espécie de Regimento Interno da Suprema Corte -, as condições ou

hipóteses (quatro, na verdade) em que o writ of certiorari pode ser concedido.

Impede ter presente, todavia, observação relevantíssima constante da própria “Rule

10”:

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No original: “In all cases affecting Ambassadors, other public Ministers and Consuls, and those in which a State shall be a party, the Supreme Court shall have original jurisdiction. In all te other cases before mentioned, the Supreme Court shall have appellate jurisdiction, both as to law and fact, with such Exceptions, and under such regulations as the Congress shall make.”

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Neste âmbito, aflora a função da Suprema Corte de “Fazer com que as decisões se estabilizem, atribuindo aos precedentes a autoridade da lei estabelecida.” (HENRY, Abrahan, The judicial process. 3. edição. New York: Oxford Press, p. 173).

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O writ of certiorari convive ao lado de outros mecanismos, como dá conta a doutrina sobre o assunto: o appeals as of right directly to Supreme Cort, cuja função é análoga ao nosso recurso extraordinário e a certificação (certification of questions). (BURNHAM, William. Introducion to the law and legal system of the United States. St. Paul: West Publishing, 1995, p. 185). Anota-se, todavia, serem modalidades limitadas, e pouco usadas, sendo que a principal atividade da Suprema Corte – senão que expressiva parte – decorre da utilização do writ of certiorari, notadamente após o Supreme Court Selections Act de 1988, que, na prática, eliminou a utilização do writ of appeal como meio de revisão.

A revisão através do right of certiorari não é um direito mas o

exercício de um poder judiciário discricionário. Só se tomará

conhecimento do pedido de certiorari quando houver importantes e

especiais razões. As seguintes diretivas indicam o conteúdo das razões

que serão levadas em conta, embora sem controlar ou limitar (...).

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Em realidade, como uma leitura das hipóteses trazidas pela “Rule 10”

evidencia, por intermédio desse mecanismo – e de maneira próxima ao que se

verifica com a repercussão geral em nosso sistema – a Suprema Corte seleciona, de

maneira discricionária, questões federais de maior relevância ou que demandariam a

uniformização da legislação federal.

Consta, assim, da “Rule 10”, as hipóteses hábeis a ensejar o “writ of

certiorari”:

(a) uma corte federal de recursos decidiu de forma conflitante com

decisão de outra corte federal recursos na mesma questão relevante,

decidiu uma questão federal importante numa forma conflite com uma

decisão de uma corte estadual de última instância, ou tenha se afastado do

curso aceito e usual dos procedimentos judiciais, ou sancionou um

distanciamento como esse de uma corte inferior, de modo a atrair o

exercício do poder de supervisão desta Corte;

(b) uma corte estadual de última instância tenha decidido uma questão

federal importante numa forma que conflite com uma decisão de outra

corte estadual de última instância ou de uma corte federal de recursos;

(c) uma corte estadual ou uma corte federal de recursos tenha decidido

uma questão importante de direito federal que não foi, mas deveria ser,

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No original: “Review on a writ of certiorari is not a matter of right, but of judicial discretion. A petition for a writ of certiorari will be granted only for compelling reasons. The following, although neither controlling nor fully measuring the Court’s discretion, indicate the character of the reasons that will be considered.”

examinada por esta Corte, ou decidiu uma questão federal importante

numa forma que conflite com decisões relevantes desta Corte.

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Com lastro nessa previsão, Henry Abrahan reúne, sucintamente, as

hipóteses hábeis a ensejar o “writ of certiorari”, em quatro situações:

(a) a existência de decisões conflitantes das Circuit

Courts of Appeals (Tribunais Regionais Federais);

(b) decisões proferidas por Cortes Federais de Apelação

que envolvam questões de grande importância ainda não decididas

pela Suprema Corte;

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(c) quando Cortes inferiores decidirem afrontando

precedente da Suprema Corte;

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(d) quando a decisão inferior desvia profundamente da

concepção jurídica reinante, a ponto de necessitar de uma supervisão

pela Suprema Corte.

462

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No original: “(a) a United States court of appeals has entered a decision in conflict with the decision of another United States court of appeals on the same important matter; has decided an important federal question in a way that conflicts with a decision by a state court of last resort; or has so far departed from the accepted and usual course of judicial proceedings, or sanctioned such a departure by a lower court, as to call for an exercise of this Court’s supervisory power;

(b) a state court of last resort has decided an important federal question in a way that conflicts with the decision of another state court of last resort or of a United States court of appeals;

(c) a state court or a United States court of appeals has decided an important question of federal law that has not been, but should be, settled by this Court, or has decided an important federal question in a way that conflicts with relevant decisions of this Court.

A petition for a writ of certiorari is rarely granted when the asserted error consists of erroneous factual findings or the misapplication of a properly stated rule of law.”

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Como se registrou precedentemente, essa hipótese, na Alemanha, também dá ensejo ao reconhecimento da importância fundamental da questão jurídica.

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No Brasil, de maneira bastante similar, o comparecimento dessa hipótese traduz-se em situação de repercussão geral presumida (vide art. 543-A, § 3º, do CPC: “Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.”)

462

A avaliação do cabimento do writ of certiorati pela Suprema Corte

está sujeita ao “discretionary method of review.”

Tenha-se presente, ademais, que parte dispõe de 90 (noventa) dias,

prazo este contado da intimação do acórdão proferido por um dos tribunais federais

de recursos ou pela corte estadual de última instância para apresentar a sua petição

de certiorari perante a Suprema Corte. É imprescindível que a parte aduza, no

âmbito dessa petição, as razões pelas quais entende “vital” para o sistema que a

questão que o envolve seja decidida, em última instância, pela Suprema Corte.

No prazo de trinta dias contados do recebimento da petição, o

requerido pode apresentar seus memoriais, em resposta à petição do certiorari da

parte adversa. Ao requerente, a seu turno, será conferida oportunidade de resposta

aos memoriais oferecidos pela parte contrária. Na avaliação do writ of certiorari a

Suprema Corte admitirá, a exemplo do que veio a ser regulamentado para a

repercussão geral no direito brasileiro, a intervenção de amicus curiae.

O quorum para a análise e admissão do certiorari na Suprema Corte é

de pelo menos 4 (quatro) juízes – daí a famosa denominação “regra dos quatro”

(rule of four). Mas, se aceita a questão e havendo o julgamento do recurso, o

quorum para o recurso passa a 6 (seis) juízes.

463

-

464

Ainda no que concerne ao

julgamento do certiorari, registrou-se na doutrina, de maneira sucinta e elucidativa,

que:

Os casos constantes da lista de exame são considerados e votados na

conferência. (...). Se as posições dos juízes não fluem claras na discussão,

faz-se uma votação formal para determinar se quatro juízes apóiam a

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Com efeito, assim se evitaria “que una mayoría pueda impedir el examen de un asunto que se preferiría no tomar en consideración.” (HAZARD JUNIOR, Geoffrey C. TARUFFO, Michele. La justicia civil en los Estados Unidos. Trad. Fernando Gascón Inchausti. 1ª ed. Navarra: Aranzadi, 2006, p. 207).

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As petições recebidas na Suprema Corte são colocadas “on the docket” para que seja feita uma triagem. Assim, aquelas petições que passarem pelo crivo, pela seleção da Suprema Corte, serão incluídas em pauta para serem sustentadas (chamada "oral argument”) e receberem uma decisão de mérito devidamente fundamentada ("assigned opinion").

concessão da apreciação. Se há menos de quatro votos favoráveis, um juiz

pode pedir que o caso seja reconhecido na conferência seguinte.

Quando aceita um caso, a [Suprema] Corte também decide se permite

argumentação oral ou se resolve o caso na base dos autos. Quando ouve

argumentação oral, a Corte, em geral, decide o caso com decisão

completa – de modo que o caso recebe o que chamei de tratamento

completo. Quando a argumentação oral é deixada de lado, a decisão,

habitualmente, é anunciada com uma conclusão per curiam bem breve.

(...)

Geralmente, não são anunciados os votos individuais dos juízes.

Exceto quanto às discordâncias registradas, os votos dos juízes sobre os

pedidos de apreciação quase nunca são tornados públicos.

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Deveras significativo o registro de que – diversamente do que se passa

no sistema brasileiro, no que respeita à repercussão geral – os votos não são, em

regra, divulgados. É dizer, salvo algum motivo especial (ou, melhor dizendo, uma

discordância especial como se registra na obra acima transcrita), os votos

individuais dos juízes, em relação à avaliação da importância da causa, não são

tornados públicos.

Colhem-se na doutrina algumas situações em relação as quais a

Suprema Corte reconheceu o comparecimento da relevância ou importância da

questão jurídica: (i) questões envolvendo o sistema federal; (ii) decisões de tribunais

inferiores que acarretem sério obstáculo à aplicação efetiva da lei (análogo à

declaração de inconstitucionalidade), como se reconheceu no caso United States v.

Ruzicka; (iii) questões novas ou problemáticas que estão postas em inúmeros casos

pendentes nos tribunais inferiores, a recomendar a intervenção da Suprema Corte,

com a finalidade de dar soluções rápidas e definitivas, e que sirvam de paradigma ou

modelo para os demais casos; (iv) questões que tenham muitos interessados diretos

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BAUM, Lawrence. A Suprema Corte americana. Trad. Élcio Cerqueira. Rio de Janeiro: Forense, 1987, pp. 145-146.

(parecendo algo assimilável às ações coletivas brasileiras) (cf. Patterson v.

Lamb).

466

O que se percebe, em suma, é que o critério norteador da eleição dos

casos a serem julgados pela Suprema Corte é a importância, a relevância da causa

posta em julgamento. Todavia, o que é havido por relevante é objeto de

consideração e avaliação discricionária pela Suprema Corte, no que difere em

essência do filtro análogo instituído para o direito brasileiro (repercussão geral).

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DANTAS, Bruno. Repercussão geral – perspectivas históricas, dogmática e de direito comparado: questões processuais. 2.ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 106.

6 ANÁLISE DO INSTITUTO À LUZ DA SUA REGULAMENTAÇÃO PELA

LEI 11.418 (e pelas Emendas 21, 22, 23 e 27, ao Regimento Interno do Supremo

Tribunal Federal)