• Nenhum resultado encontrado

Os indivíduos reagem de forma única no processo de contacto com a sua doença, já que este é determinado em função de variáveis individuais distintas. Aspectos como diferenças culturais (em que, por exemplo, a expressão de dor pode ser m ais ou menos valorizada), factores situacionais, stress ou o humor do indivíduo, influenciam o modo como o sujeito reconhece a situação de doença e gere esse acontecimento de vida.

Taylor (1995) e Ogden (1999) sugerem que a atenção que o indivíduo presta ao seu meio intemo ou extemo pode determinar o modo como a doença é percebida. Assim, se o indivíduo está num meio ambiente bastante estimulante, é possível que perceba os seus sintomas de uma forma menos exacerbada.

Por outro lado ao longo do processo do adoecer físico, segundo Barbosa, o corpo passalTter. um papel central no mapa mental de cada doente: “Cada parte do corpo tem uma significação simbólica para a pessoa, e muito mais para a pessoa doente, em que o corpo se pode tom ar o centro da vida.” (1985, p.20).

O modo como o indivíduo entende a doença estabelece-se a partir das representações cognitivas que constitui acerca dessa doença. Estas representações são elaboradas através de várias instâncias como os media, experiência pessoal, e da família ou amigos que experienciem a doença, e incluem informação básica acerca da doença: identidade, consequências, causas, duração e cura/tratamento (Taylor, 1995).

Recorrendo a um estudo de Leventhal et a i (1984), Ribeiro (1998, p.286-7), refere 3 fontes importantes de informação em que as pessoas se baseiam para representar as doenças: “...conjunto de informação geral disponível na cultura,(...) comunicação com o meio envolvente (...) experiência pessoal do doente acerca da doença.”. Dias (1999) defende, no entanto, que ao longo do tempo têm vindo a aumentar as potenciais fontes de informação para o doente, sem que o m édico, tenha no entanto perdido o estatuto de fonte de informação privilegiada.

Na relação que o doente estabelece com o médico ou com outros técnicos de saúde, estão em jogo universos de significados diferentes quanto às representações da patologia. Para o indivíduo, a doença traduz-se em queixas ou num “problem a vivido” a partir do interior do seu corpo, para os técnicos é, antes de mais, um “problem a médico” passível de ser classificado com um diagnóstico (Paúl e Constança, 2001; Gask, 2002). Esta discrepância de representações introduz facilmente dificuldades de ordem comunicacional na relação entre técnico e doente.

Barbosa (1985) e Hesbeen (2001), chamam a atenção para o facto de, durante a interacção entre médico e utente estarem em confronto duas racionalidades distintas. Se raciocínio do médico é predominantemente intelectual e racional e baseado em factores e em conceitos objectivos, já o doente não pensa com a racionalidade do técnico mas com a sua, a do sujeito singular e de uma forma predominantemente emocional.

A natureza da informação que o doente possui acerca da sua patologia, condiciona diferentes consequências, como a ocorrência ou ausência de sentimentos como ansiedade, apreensão, ira, ou uma melhor capacidade de adaptação psicossocial. A este propósito, Kfir e Slevin defendem que: “A informação é um dos melhores meios de ajudar as pessoas a reagirem à sua «nova» situação e ao sentimento de descontrolo. , (2002, p. 104). Não obstante, Dias alerta para o facto de que a informação não pode ser fornecida de um modo acriterioso: “A informação ambígua, ou com elevado grau de incerteza, parece ter consequências mais negativas que uma informação completa ou a ausência total de informação.”, (1999, p.502).

Os serviços de saúde são procurados por diferentes indivíduos, em diferentes fases da sua doença e de forma distinta, em função do modo como percepcionam o contexto da sua doença, bem como a evolução que esta virá a ter. Estas representações condicionam também diversos graus de participação dos indivíduos nos seus cuidados de saúde.

As reacções emocionais à doença mais comuns passam péla ansiedade, negação, depressão, choro ou raiva e são o produto da conjugação de um a série de factores individuais que condicionam uma resposta única. Uma dim inuição na auto-estima, condicionada pela perda de autonomia ou por um contacto despersonalizante com o sistema de saúde podem tam bém ocorrer. O significado psicológico atribuído à doença, pode assumir várias formas, referindo Pereira (1987) a possibilidade de a doença ser mesmo conotada pelo indivíduo como punição por comportamentos anteriores.

De entre vários factores passíveis de influenciar o estado emocional do doente podemos considerar a personalidade, a idade, vivências anteriores de doença e características da doença ou suporte social (Comey, 2002).

Segundo Moos e Schaefer, referidos por Ogden: “ ...a doença física pode ser considerada uma crise, um a vez que representa uma viragem na vida do indivíduo.”, (1999, p.71). Enquanto crise, a doença, exige do doente um processo de adaptação, no qual estão presentes mom entos de aprendizagem, relacionados com a procura de fazer face às alterações subjacentes à doença. A gestão que é feita no sentido de ultrapassar a

crise é tam bém individual, mas pode incluir uma postura activa de procura de conhecimento sobre a situação e perspectivas futuras, bem como a descoberta de formas de ultrapassar as limitações impostas pela doença, ou pelo contrário uma postura defensiva de procurar ignorar a questão. Por outro lado Salvado (1994) chama a atenção para o facto de a vivência de uma situação de crise conduzir o doente a uma posição mais vulnerável e sensível, assim como menos capaz para lidar com potenciais agressões oriundas do meio ambiente, bem como alguma perda da capacidade de negociação. N este sentido, os doentes são por vezes infantilizados e tratados: “...como crianças, como seres irresponsáveis (...) Têm que se prestar a todas as eventualidades, seja de hiperprotrecção seja do esquecimento e do abandono...” (Collière, 1999, p.90).

As preocupações que o indivíduo sente durante o processo de doença, passam para além da esfera orgânica, para outros níveis, como a actividade mental do indivíduo. Assim, aspectos como problemas financeiros ou questões de ordem familiar ou ocupacional, são também comuns, já que há que gerir um a situação que se caracteriza essencialmente pela incerteza e pela necessidade por vezes de tom ar decisões num curto espaço de tempo.

Subjacente à evolução da doença está associado um percurso individual de aprendizagem face a competências que o indivíduo deve desenvolver. Estas competências revelam-se bastante diversificadas, desde o reconhecimento de sintomas relacionados com a patologia, ou de complicações da mesma, até modos de proceder de forma a diminuir ou evitar o aparecimento de sintomatologia, por exemplo no assumir de posturas corporais específicas em situações de doença respiratória para facilitar a ventilação pulmonar. A o nível da medicação, as aquisições são também multifacetadas já que envolvem o domínio de fármacos com nomes, posologias e horários de administração complexos. Noutra vertente, o contacto com o sistema de saúde requer por vezes a compreensão do seu modo de funcionamento e até formas de subversão desse mesmo funcionamento para obter em tempo útil, por exemplo, uma observação médica ou um exame complementar de diagnóstico. Como afirmam Paul e Constança:

" 0 comportamento de doença é uma resposta aprendida socialmente e as

pessoas respondem aos sintomas de acordo com as suas próprias definições da situação. Essas definições são influenciadas pelas dos outros, largamente moldadas pela aprendizagem, socialização e experiências passadas, sendo - ainda medidas pelo nível cultural da pessoa. "(2001, p. 77).

Os fenómenos da adesão terapêutica estão intimamente relacionados com a aprendizagem que o indivíduo faz no contexto da sua doença. Ribeiro (1998), considera que, no que se relaciona com os aspectos do conhecimento que os doentes elaboram acerca do seu contacto com a doença, após uma interacção com os técnicos, parece haver alguma aprendizagem, já que: “...as representações e as respostas aos acontecimentos são repetidamente construídas, avaliadas, com as avaliações a actuar como um sistema de retroacção (feedback) no sistema de conhecimentos integrados.”, (p.288).

A adesão terapêutica, é definida por Haynes (1979), citado por Ogden (1999, p.83), como: “ ...a medida em que o comportamento do doente (em termos de tomar a medicação, seguir o regime dietético ou outras mudanças no seu estilo de vida) coincide com os conselhos médicos ou de saúde.”.

Ribeiro (1998), baseado em Kristeller e Rodin (1984), propõe um modelo desenvolvimental da participação das pessoas no seu próprio processo de cuidados, constituído por três fases distintas: Concordância, Adesão e Manutenção. A última destas fases - Manutenção, é definida como a: “ ...medida em que o cliente continua a implementar o comportamento de melhoria da saúde, sem vigilância, incorporando-o no seu estilo de vida.”, (p.297). Este parece-nos ser um momento nítido de aprendizagem em que o indivíduo revela uma mudança comportamental, relativamente à sua postura face à situação de doença. Ilustrando este facto, Coucello salienta alguns factores que influenciam a adesão terapêutica, num contexto de práticas alimentares saudáveis, sendo que estes:

“...vão desde os cognitivos aos afectivos, sociais, interpessoais e ambientais e que passam pelas crenças sobre a saúde, preferências individuais, experiência e conhecimento pessoal sobre a doença, diagnóstico e intervenções terapêuticas, grau de satisfação do utente com o encontro médico, tipo de

tratamento instituído, etc. ” (1997, p.56). **

Algumas situações de doença, pela sua natureza ou pelo tratamento inadequado, evoluem para situações de cronicidade. Neste contexto as mudanças instalam-se na vida do indivíduo de uma forma muitas vezes insidiosa, mas inexorável, que condiciona a prazo a reconfiguração do ew-saudável para o eu-doente crónico. As relações que se estabelecem com as pessoas próximas ou com os técnicos de saúde, podem assumir

contornos próprios de compaixão, hiperprotecção ou marginalização. Para Paul e Constança, este processo não é pacífico e, é possível que,

“...no caso de algumas doenças crónicas, [os doentes] vivenciem o estigma a elas associado, pelo que a desejada reconstrução de uma nova identidade e a busca de um novo sentido para a vida se tornam tarefas demoradas e difíceis. (2001, p. 103).

As aprendizagens efectuadas no contexto da doença, assumem aqui de novo, um papel central e de primordial importância. Elas podem, no limite, assegurar a manutenção da vida do indivíduo, pelo que este deve desenvolver algumas estratégias de coping para lidar com a doença crónica.

“Estas doenças crónicas implicam, geralmente, uma grande aprendizagem p or parte do paciente pa ra lidar com os seus sintomas no dia-a-dia. Isto passa pelo controlo da medicação, da dieta e mesmo pela manipulação de tecnologia

avançada, como é o caso dos hemodialisados. M (Ib., p.105-106).

E se de um lado se aprende, do outro devem estar presentes competências no domínio da educação:

“A necessidade de ensinar os doentes e/ou os seus cuidadores a manipular parâmetros fisiológicos (...) de form a a auto-regularem os tratamentos ou a solicitarem ajuda mais especializada, fa z cada vez mais parte, de fo rm a continuada, do trabalho dos profissionais de saúde. ” (Ib., p. 107).

Num contexto em que a incidência da doença crónica tende a aumentar entre a população, toma-se então necessário que entre técnicos de saúde e utentes se estabeleçam circuitos de comunicação, que visem a autonomização destes para a sua vivência em contextos em que os técnicos não estão presentes.

Documentos relacionados