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2 ADOLESCENTES, AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS E OS DIREITOS

2.3 Estatuto da Criança e do Adolescente: mudanças de concepção e de gestão da

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, iniciou um novo cenário político e jurídico, com o direito embasado na concepção de democracia e que agora, contando com a contribuição da sociedade civil, tem um terreno propício para consolidação da base da doutrina da proteção integral, que ganha também legitimidade junto à academia e a todas as instâncias públicas e privadas, dada a elevação do estatuto da infância, adolescente e juventude brasileira, objeto de assistência para sujeitos de direitos.

Vale refletir, que neste contexto, a doutrina da proteção integral não é meramente uma formalidade, mas ocupa papel de substrato para compreensão do Direito de Crianças e Adolescentes. No entanto, faz-se necessário estar alerta às reproduções da cultura sobre o menor7, tão impregnada nas condutas dos diversos profissionais que atuam com esses jovens, conforme alerta Veronese (1999, p. 27):

O cuidado dos que trabalham com o Direito da Criança e do Adolescente deve se dar também no plano da linguagem.

Utiliza-se indiscriminadamente a expressão “adolescente Infrator” ou o que é ainda pior: “menor infrator, esta última preza a concepção do menor ismo (Códigos de Menores de 1927 e 1979), segundo o qual reduzia-se a objeto a nossa infância.

Infelizmente, tal linguagem menorista, que considera os termos depreciativos utilizados no código do menor, ainda é perceptível no cotidiano do sistema socioeducativo, além de organizações que integram o Sistema de Garantia de Direitos, tais como: de advogados em audiências de avaliação de medida, e até de

gestores e profissionais que atuam no atendimento dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas.

O movimento intitulado “A Criança é Constituinte” garantiu o artigo 227 na Constituição Federa de 1988, dando substrato para criação de uma lei especifica, o Estatuto da Criança de do Adolescente (ECA), instituído pela Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Este artigo 227 traz como princípio que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a Criança e ao Adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, a profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, exploração, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).

Com o ECA, o adolescente autor de ato infracional tem a ruptura com os Códigos de Menores de 1927 e 1979. Considera-se importante o entendimento que este é um processo de ruptura, o que não significa construir explicações lógicas como sendo uma mesma realidade, ao contrário do que em alguns textos e produções acadêmicas buscam fazer.

O Direito da Criança e do Adolescente se constitui numa transição de paradigmas, ruptura conceitual e de princípios, o que torna incoerentes gestores e acadêmicos declararem que não encontram distinção, ou não percebem consequências, para a política de defesa de crianças e adolescentes, quando do uso do termo menor, ou por se continuar chamando de FEBEM a instituição de cumprimento de medida de internação do estado de São Paulo, constituída sob égide do Código de Menores e representante em potencial de um modelo superado, face as diversas denúncias de violações de direitos presentes naquela instituição.

É valido refletir sobre as considerações de Kuhn sobre esta problemática:

A transição de um paradigma em crise para um novo, do qual pode surgir uma nova tradição de ciência normal, está longe de ser um processo cumulativo obtido através de uma articulação do velho paradigma. É antes uma reconstrução da área de estudos a partir de novos princípios, reconstrução que altera algumas das generalizações teóricas mais elementares do paradigma, bem como muitos de seus métodos e aplicações. (KUHN, 1994, p.116).

Ainda no processo de reflexão sobre a ruptura paradigmática do Direito do Menor, para o Direito da Criança e do Adolescente, é passível de entendimento que, mesmo diante de uma nova doutrina, por mais legítima que seja, ela não consiga

responder de forma imediata aos problemas que a desafiam. Não ter resposta de forma imediata não significa dizer que não deu certo, apesar de alguns sensacionalistas, que não possuem nenhum amparo cientifico, em seus discursos inflamados a favor da redução da maioridade penal, afirmarem que o ECA não deu certo. Porém esses sujeitos se esquecem, inclusive, que não é possível afirmar que este Estatuto não deu certo, enquanto não for efetivamente implementado. Conforme aponta Lima (2001), em sua tese de doutorado, a criação legislativa exige, dentre outros, compromisso ético e político para concretização dos resultados esperados.

Podemos então falar do Direito da Criança e do Adolescente como um novo modelo jurídico, isto é, um novo ordenamento de direito positivo, uma nova teoria jurídica, uma nova pratica social (da sociedade civil) e institucional (do poder público) do Direito. O que importa, neste caso, é perceber que desde a criação legislativa, passando pela produção do saber jurídico, até a interpretação e aplicação a situações concretas, este Direito impõe-nos o inarredável compromisso ético, jurídico e político com a concretização da cidadania infanto-juvenil. (LIMA, 2001, p.80).

O ECA traz definições que visam garantir o princípio da pessoa em situação peculiar de desenvolvimento, e no caso da responsabilização de crianças e adolescentes quanto a sua conduta infracional, considera-se, conforme artigos abaixo descritos, o seguinte:

Art.103 – Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

Art. 104 – São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.

Parágrafo Único – Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.

Art. 105 – Ao ato infracional praticado por criança corresponderão às medidas previstas no art. 101, o qual detalha:

Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, que versa sobre Medidas de Proteção, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:

- Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante assinatura de termo de responsabilidade;

- Orientação, apoio e acompanhamento temporários;

- Matrícula e frequência obrigatórias em um estabelecimento oficial de ensino fundamental;

- Inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;

- Requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;

- Inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

- Abrigo em entidade;

Parágrafo Único – O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.

2.4 A influência dos tratados internacionais na constituição da condição de sujeitos de

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