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1. REVISÃO DA LITERATURA

1.3 Estilo do texto fonte e do texto alvo

Tendo em vista que um intercâmbio de bens e serviços ou de informação pode ser avaliado somente “em termos de sua adequação ao propósito” 4 da linguagem, Procházka (1964:94-95) considera que o objetivo de uma tradução é textualizar 5 um texto literário de uma língua para outra, levando-se em conta a estrutura do original. Isso significa dizer que o(a) tradutor(a) tem de produzir um texto que seja equivalente ao texto fonte do ponto de vista temático e estilístico.

Procházka (1964) afirma que um(a) bom(boa) tradutor(a) de textos literários deveria: (i) compreender o texto fonte sob a perspectiva temática e estilística; (ii) transpor as diferenças estruturais das duas línguas; (iii) reelaborar a estrutura estilística do texto fonte em seu texto alvo.

Procházka (1964) considera que o texto alvo deve se adequar à estrutura total do texto fonte. Com essa consideração em mente, o autor postula três condições necessárias para solucionar problemas característicos das técnicas tradutórias.

A primeira condição se refere à adequação das traduções a partir do entendimento por parte do(a) tradutor(a) das idéias do(a) autor(a). (PROCHÁZKA, 1964)

A segunda condição diz respeito a um bom conhecimento das línguas envolvidas. Deste modo, deve-se levar em conta: (i) uma boa noção das diferenças estruturais entre as duas línguas; (ii) uma percepção de suas distintas estratificações funcionais; (iii) uma capacidade para transpor essas diferenças. Seria também necessário comparar os padrões de cada língua, tarefa essa destinada aos lingüistas. (PROCHÁZKA, 1964)

4 Nossa tradução de: “in terms of its adequacy to the purpose”.

5 “Textualização” é usado indistintamente nesta tese em função de discussões recentes acerca dos termos propostos por Coulthard (1991), quais sejam, “textualização” e “retextualização”, no âmbito do LETRA. Atualmente, consideramos que qualquer produção textual é uma “textualização” em consonância com Matthiessen (2001).

A teoria de Catford se relaciona com essa segunda condição proposta por Procházka. Catford (1980:22) define tradução como “a substituição de material textual numa língua (LF) por material textual equivalente noutra língua (LM)”. O conceito de material textual refere-se ao fato de que o que se substitui por equivalentes da LM não é a totalidade de um texto da LF, i.e., “a um ou mais níveis de língua pode haver simples substituição por material não equivalente da LM” (CATFORD, 1980:22). Segundo o teórico (1980:26), ao traduzir um texto longo, encontramos equivalência em unidades gramaticais que se modificam constantemente, i.e., em um dado momento a equivalência é de frase a frase, em um outro, de grupo a grupo, e ainda em outro, de palavra a palavra, por exemplo. 6

A proposta de Halliday et al (1964) também se relaciona com essa segunda condição proposta por Procházka. Halliday et al (1964) destacam dois princípios fundamentais da lingüística descritiva comparada, que seriam o de (i) descrever antes de comparar e o de (ii) comparar padrões, não línguas inteiras. Estes autores sugerem a descrição para então haver a comparação dos padrões entre duas ou mais línguas. Os autores assinalam que toda afirmação acerca de uma comparação pressupõe três procedimentos: (i) a descrição dos traços marcantes de cada língua separadamente; (ii) o estabelecimento de uma comparabilidade; (iii) a comparação em si.

6 Ao comentar Catford, Arrojo (2003) aponta que sua teoria se baseia nas postulações lingüísticas de Halliday e que a mesma aborda a tradução segundo substituição e equivalência. Ademais, Arrojo (2003) considera que, na visão deste teórico, a LF é estável, sendo seu conteúdo passível de ser classificado de forma clara e objetiva. Por conseguinte, a função do(a) tradutor(a) é transferir os significados da LF para LM (ARROJO, 2003). Arrojo (2003) reconhece a importância deste pesquisador para os estudos da tradução no Brasil. Todavia, a autora relativiza a pesquisa deste teórico, afirmando que a teoria de Catford revela “uma concepção de linguagem que não considera os papéis do sujeito e do contexto histórico-social na produção de significados” (ARROJO, 2003:82). Assim, segundo a autora, a teoria de Catford é proveitosa para aqueles pesquisadores que tencionam investigar textos fontes e seus respectivos textos alvo sob um viés meramente lingüístico. Entretanto, Arrojo (2003) avalia Catford sem considerar sua inserção em uma teoria abrangente da linguagem em uso.

A terceira condição alude à reconstrução da estrutura estilística do texto fonte, reconstrução essa primordial para o trabalho do(a) tradutor(a) literário(a). Tal reconstrução pressupõe um bom conhecimento do estilo do(a) autor(a) e de seus vários níveis estilísticos. Isso denota uma necessidade de o(a) tradutor(a) levar em consideração o texto alvo como um todo, para então determinar a função dos componentes individuais da estrutura do mesmo. (PROCHÁZKA, 1964)

Segundo Procházka (1964), a tradução de textos literários deveria levar em conta o tema e o estilo do original. Conforme Procházka (1964), quando o(a) tradutor(a) não compreende bem o texto fonte do ponto de vista temático e estilístico, isso indica que o(a) mesmo(a) não foi capaz de entender as idéias do(a) autor(a) do original. No tocante ao

estilo, Procházka (1964) afirma que um(a) tradutor(a) tem de considerar o aspecto global do texto traduzido para então definir a função dos elementos individuais da estrutura, afirmação essa que consideramos central para esta tese. Catford (1980:82) relaciona estilo no texto traduzido com a mudança de tradução (translation shift), que ocorre por perda de correspondência formal quando se traduz. Halliday (1973:116) denomina estilo as escolhas lingüísticas feitas pelo(a) escritor(a) [tradutor(a)] e a relação dessas escolhas com o significado global da obra. Halliday (1973:113) salienta que estilo não corresponde somente às formas agramaticais, mas também àquelas que partem de algum padrão esperado de freqüência.

Ao discutir a tradução da literatura latino-americana em língua espanhola (e.g.,

Cien años de soledad, de García Márquez) para a língua inglesa, Munday (1996) afirma que todos os tradutores apresentam seu próprio idioleto, que ressalta seu próprio estilo de traduzir e que conseqüentemente restringe a individualidade da voz do(a) autor(a) do texto fonte. Munday (1996:2-3) cita o estilo de Gregory Rabassa, tradutor de literatura latino-

americana para o inglês, conhecido por sua idiomaticidade, mas que se torna um tradutor- explicitador nos termos de Vásquez Ayora.

Na sua primeira tentativa de mapear um QUADRO metodológico para pesquisar a questão do estilo em traduções literárias, Baker (2000:245) afirma que estilo envolve uma descrição de padrões recorrentes do comportamento lingüístico ao invés de descrever intervenções individuais. A autora analisa a razão type/token; o comprimento médio de sentenças; e a freqüência do item lexical SAY de textos traduzidos dos tradutores Peter Bush (pares lingüísticos: português do Brasil/inglês e espanhol [europeu e latino]/inglês) e Peter Clark (par lingüístico: árabe/inglês). Dentre suas constatações, Baker (2000) observa que Peter Bush faz uso mais extensivo do item lexical SAY no tempo verbal presente. A autora também observa que Peter Bush cria limites indeterminados entre o narrador e as personagens.

Ao tratar da tradução de textos literáros em quatro romances da língua inglesa (dois romances de James Joyce e dois romances de Ernest Hemingway) para a língua finlandesa, Perkkanen (2007) considera que estilo se relaciona com: 1) os traços típicos do texto fonte; 2) os traços típicos do texto alvo e 3) os traços que caracterizam o processo de tradução, entendidos aqui como as estratégias locais e globais adotadas pelo(a) tradutor(a). Citando Parks (escritor inglês; tradutor no par lingüístico italiano/inglês), Perkkanen (2007) ressalta que a ambivalência e a complexidade dos textos literários são decorrentes da combinação ou oposição dos níveis lexicais e dos níveis sintáticos. Uma das conclusões da autora diz respeito ao fato de o estilo dos autores não prevalecer sobre as diferenças intersubjetivas encontradas nas traduções, uma vez que o número de mudanças de tradução é consideravelmente distinto nos textos traduzidos.

Leech e Short (2007) procuram focalizar estilo, levando em conta que a resposta do(a) leitor(a) seja mais imediata e que as técnicas da estilística sejam empregadas de maneira satisfatória. Para tal, os autores postulam vários níveis de estilo, e.g., sob as perspectivas dualista e monista, culminando no estilo das idéias (mind style), que se refere à visão de mundo incutida em um texto a partir de escolhas estruturais consistentes, podendo se manifestar em várias camadas estilísticas como, por exemplo, ponto de vista. Ademais, os autores defendem a transparência e opacidade do estilo de um texto. Quando é possível parafrasear a linguagem, temos uma transparência de estilo (LEECH e SHORT, 2007). Do contrário, temos a opacidade do mesmo, o que requer muita criatividade do(a) leitor(a) ao interpretar um dado texto (LEECH e SHORT, 2007).

Nos termos de Catford (1980:22-23), quando a tradução leva em conta o tema e o estilo do original, isso significa traduzir um material textual do texto fonte em outro equivalente no texto alvo, considerando-se também que há momentos em que a tradução não ocorre por material textual equivalente. Em relação à equivalência tradutória, Halliday

et al (1964:157) afirmam que tal equivalência é por si só um meio de estabelecer uma comparabilidade e que sua natureza é intrinsecamente contextual. Estabelecemos nesta tese uma comparabilidade entre o texto fonte e seus textos alvo a fim de investigar a apresentação do discurso no nosso corpus. Vejamos como a mesma pode ser definida na próxima seção.

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