• Nenhum resultado encontrado

Estilos de comportamento: conflitos e negociações nos movimentos sociais

2.2 MINORIAS ATIVAS: INOVAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

2.2.3 Estilos de comportamento: conflitos e negociações nos movimentos sociais

Os estilos de comportamento são parte importante de como as minorias conseguem ou não angariar novos membros e causar mudanças em seu meio. Moscovici (2011) explica os estilos de comportamento em sua teoria como se referindo “à organização dos comportamentos e opiniões, ao desenvolvimento e à intensidade de sua expressão; em uma palavra, a ‘retórica’ do comportamento e da opinião” (p. 117). Eles são intencionais, têm forma verbal e/ou não verbal, e manifestam o estado atual e a projeção futura do grupo que os usa. Os comportamentos não têm significado por si só, mas sim a partir de algum referencial, seja ele o das intenções da pessoa ou grupo que o emite, seja a partir da interpretação daqueles aos quais se dirige. Assim,

31 - 155

os estilos de comportamento têm tanto um aspecto prático, instrumental, quanto simbólico, transmitindo significados sobre a minoria em questão (MOSCOVICI, 2011). O modo como o estilo de comportamento da minoria é visto, terá influência sobre o quanto ele receberá apoio ou rechaço (CÁRDENAS, 2010).

Para que esses estilos sejam reconhecidos socialmente, a pessoa ou grupo que os adota deve: estar consciente das relações existentes entre a intenção no uso do signo e sua manifestação externa; expressar-se de modo “sistemático e consistente a fim de evitar um mal- entendido por parte do receptor” (MOSCOVICI, 2011, p. 118); e manter os significados das palavras ao longo das interações, de modo que os comportamentos e seus significados não se percam. É dessa maneira que as minorias dão a entender aos demais grupos e indivíduos quais suas posições e motivações. Por isso é importante compreender que os estilos de comportamento dependem do contexto em que ocorrem, de modo que cada atitude, ação, signo posto em funcionamento por uma minoria, são dirigidos e se relacionam com algum outro grupo específico, não podendo ser considerados eficazes independentemente da circunstância (MOSCOVICI, 2011).

São cinco os estilos de comportamento das minorias que indicam seu potencial de influenciar as maiorias: a) esforço; b) autonomia; c) consistência; d) rigidez; e) equidade (MOSCOVICI, 2011). Em nossa pesquisa, buscamos observar como esses estilos estão presentes ou não nas ações do coletivo participante e em que medida, em que situações, e de que forma esses emergem.

Sobre o esforço, Moscovici (2011) afirma que quando um indivíduo ou grupo demonstra se esforçar muito para concretizar algum plano, outros grupos e indivíduos tendem a concluir que aqueles têm grande confiança na escolha que fizeram e grande capacidade de se autorreforçar. Ao mostrar que estão fortemente comprometidas e que valorizam seus fins a ponto de se sacrificar de alguma forma, as minorias exercem maior influência social (MOSCOVICI, 2011).

A autonomia vai ser percebida a partir de comportamentos que demonstrem: independência e determinação para agir de acordo com os próprios princípios; capacidade de avaliar as situações sociais, os fatores envolvidos, e agir de modo objetivo, sem desvios devido a interesses subjetivos; atitude consistente, podendo ser vista como extremista, mas ainda assim, influente (MOSCOVICI, 2011). Nas pesquisas levantadas por Moscovici (2011), o autor percebeu que o comportamento autônomo não é visto como uma tentativa de exercer influência, o que acaba exatamente por aumentar sua capacidade de influência – já que costuma-se ver com desconfiança comportamentos que estão claramente buscando exercer influência, e o

32 - 155

comportamento autônomo é mais facilmente visto como não tendo segundas intenções. Moscovici, inclusive, relaciona a autonomia com o modo como os argumentos de autoridades, como cientistas e especialistas, são facilmente aceitos, pois são entendidos como sendo construídos com ponderação e objetividade, o que a princípio garantiria que estão livres de interesses pessoais ou motivos ocultos.

O comportamento consistente é visto por aqueles a quem se deseja influenciar como sinal de certeza em um certo ponto de vista. Moscovici realizou alguns experimentos junto a seus colegas para avaliar a capacidade de influência do comportamento consistente, e encontrou correlações positivas. Conforme o autor, a consistência no comportamento está relacionada a uma espécie de consenso, que exerce influência porque oferece convicções firmes para situações em que normalmente há muitas dúvidas. São diversos os comportamentos que podem ser entendidos como consistência: a repetição de determinadas formas de agir, a evitação de comportamentos contraditórios, a busca por provar logicamente determinado ponto, entre diversos outros (MOSCOVICI, 2011).

Os dois últimos estilos de comportamento, a rigidez e a equidade, precisam ser compreendidos em conjunto. A rigidez é um estilo de comportamento que está ligado intimamente à consistência. Uma minoria constante, inflexível, se mostra mais propensa a causar influência do que uma minoria inconstante. Já a equidade, por mais que também se trate de um comportamento sólido e firme, em termos da posição do agente, leva em conta a postura dos demais grupos, mostrando disposição para um diálogo autêntico. Na expressão por suas preferências e opiniões, o indivíduo ou grupo que age com equidade não tenta forçar ou excluir as demais opiniões (MOSCOVICI, 2011).

É importante lembrar que, assim como os demais comportamentos, a rigidez e a equidade não refletem apenas o modo como o próprio grupo minoritário se posiciona, mas também como os demais categorizam seu comportamento, sendo variável de acordo com a percepção do observado. Se a minoria tem por objetivo se distanciar e fazer oposição a um outro indivíduo ou grupo, terá mais sucesso se adotar uma postura rígida; por outro lado, se deseja convergir com este outro, o comportamento mais flexível é válido, porém prestando-se atenção para que a flexibilidade não aparente se dar devido à submissão à pressão deste outro (MOSCOVICI, 2011). O autor entende que a rigidez é necessária no momento de estabelecimento do grupo minoritário, quando ele se diferencia da maioria. Após conseguir certa estabilidade nesse meio interno, o grupo pode se permitir ser mais flexível e equitativo, podendo estabelecer alianças e compromissos sem correr o risco de se desfazer.

33 - 155

Moscovici (2011) faz algumas observações importantes ao comparar os dois. No estilo rígido, a minoria mantém seu ponto de vista de forma inflexível, sem levar em conta a posição de seu interlocutor sobre o assunto em questão; já no comportamento equânime, a minoria leva em conta as opiniões de seu interlocutor, e sinaliza que está disposta a levá-las em consideração. A partir dos estudos que analisou, Moscovici (2011) também encontrou que, ao agir de maneira mais “dogmática” (p. 155), rígida, as minorias têm mais chances de influenciar aqueles que já são simpáticos às suas visões de mundo; já ao agir equitativamente, as minorias conseguem alcançar também aqueles que inicialmente não tem simpatia por suas causas. Por esse motivo, Moscovici (2011) relaciona o comportamento rígido como compatível com as relações no interior do grupo minoritário, sendo inclusive mais conveniente neste contexto, e o comportamento equitativo como mais importante no contato intergrupal.

Como vimos, “não é possível comportar-se da mesma forma dentro e fora do grupo” (MOSCOVICI, 2011, p. 157), e a potencialidade das minorias de influenciar as maiorias depende, em grande medida, de sua capacidade de distinguir entre como atuar nos ambientes sociais interno e externo. Por isso, ao observar o coletivo Ovelhas Negras enquanto uma minoria ativa, levamos em conta essa diferenciação entre os contextos em que suas falas e comportamentos ocorrem, se internos ou externos ao grupo. É importante fazer essa diferenciação, pois o próprio grupo analisa o contexto em que está e as consequências que busca nos diferentes espaços em que circula – mesmo que nem sempre externalize que está fazendo esta análise contextual.

É preciso ter em mente também que, mesmo quando as estratégias das minorias ativas produzem os efeitos de influência desejados, as formas como as pessoas aderem a um grupo podem ser diversas. Pode haver pessoas que se posicionem a favor do movimento e simpatizem com suas causas sem se envolver diretamente, outras que apoiem ocasionalmente, ou ainda aquelas que se tornam militantes, parte do grupo (SOBOTTKA, 2010). Assim, podemos pensar sobre como ocorre essa adesão dentro do coletivo participante. Sendo variável o nível de engajamento de cada pessoa, é possível refletirmos sobre o que faz com que os sujeitos se aproximem ou se afastem do coletivo.

Ao agir de modo a causar conflitos e tentar transformar as RS dominantes, os grupos minoritários também sofrem pressão e resistência dos grupos majoritários. Para que aqueles que detêm o poder mantenham sua hegemonia, precisam agir detendo a influência dos grupos minoritários sobre a população (CÁRDENAS, 2010). O crescimento dos movimentos sociais depende das negociações que estes estabelecem com as “forças dominantes no momento histórico de cada sociedade” (GUARESCHI, 2010, p. 82), sendo possível que estes movimentos

34 - 155

sejam reprimidos, dissolvidos, ou até mesmo passem a ocupar lugares dominantes.

São muitas as formas pelas quais os movimentos sociais minoritários podem ser alvo das forças dominantes, através de esferas econômicas, políticas, midiáticas, entre outras. Estes podem ser criminalizados, deslegitimados e estigmatizados, através principalmente dos meios de comunicação em massa; sua imagem pode ser distorcida e apresentada apenas parcialmente; podem sofrer repressão direta, principalmente através da polícia (CÁRDENAS, 2010; SOBOTTKA, 2010). Quanto mais abrangentes são as mudanças sociais que um movimento minoritário defende, mais alvo de estratégias de controle social ele se torna (SOBOTTKA, 2010).

Para Sobottka (2010), hoje, no Brasil, o que prevalece são visões contrárias a projetos de transformação social, o que faz com que seja “ainda mais necessária para os movimentos sociais a ousadia para desafiar os limites da legalidade liberal-burguesa e a disputa política pela interpretação da realidade” (p. 34). Os movimentos feministas são exemplo de movimentos sociais que foram de grande influência em todo o mundo ao longo do século passado, e que seguem ainda muito presentes hoje, apesar de sempre terem encontrado forte oposição ao longo de sua história. Como veremos na próxima seção, esses movimentos questionam um tipo de relação de iniquidade bastante naturalizada em nossa sociedade: as relações de gênero socialmente estabelecidas.