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5 APLICAÇÃO DOS INSTRUMENTOS INVESTIGATIVOS

5.6 ESTIMANDO CUSTOS

Para a sexta atividade nos apoiamos na observação das visitas de campo, quanto à facilidade que os ciganos têm em relação a fazer estimativas e o despertar do pensamento relacionado à redução de gastos e ao agregar valor em objetos se tem agora para que possa ser posteriormente barganhado. Em entrevista com uma professora ela também destacou esse ponto, afirmado: ―Os alunos ciganos, estimam muito facilmente o valor de objetos, e sabem negociar‖.

Uma exemplificação discutida por D‘Ambrosio (2001) propõe a discussão da relação da alimentação com a Etnomatemática considerando a necessidade número um ―de todo ser vivo‖. Essa necessidade provoca a criação de meios que irão conduzir a pensamentos relacionados à matemática, tal como a organização do espaço, do canteiro, observações de temporalidade para o momento certo do plantio e da colheita e, num retorno histórico à constituição da Geometria, se dá arcabouço também às questões advindas da divisão de terras.

Temos aqui um excelente exemplo do uso da matemática aplicada pelo grupo estudado. Apesar das dimensões de subsistência, a terra significa redução de custos com alimentação, o plantio de frutas, hortaliças e ervas, e, ainda, a criação de galinha e porcos, que garantem a alimentação na maioria dos dias. Caso tenham recursos em espécie, compram e, também, se for o caso, garantem o café da tarde com batata-doce colhida na hora. O excedente pode render a entrada de um

dinheiro, tal como a venda do molho de pimenta. A Figura 22 mostra um momento de colheita, cujos alimentos seriam consumidos no jantar.

Figura 22 - Ciganos colhendo batata-doce de sua própria horta

Fonte: Foto do arquivo pessoal da pesquisadora. Jun/14

Nas visitas tive momentos interessantes de reflexões com o grupo, em relação a renda e despesas. Conto a passagem.

Em uma tarde o cigano preparava no fogão a lenha o jantar. Naquele dia eu havia contribuído com o fubá e jantaria com eles. Esse cigano gosta muito da tarefa da preparação de alimentos e, por sinal, faz de cada dia uma festa. Na roda de conversa a nora do cigano brinca:

Cigana nora – Meu sogro não gosta de trabalhar não, por isso que falam

que cigano é preguiçoso.

Eu – Mas, eu ainda não vi o cigano sogro parado nem um instante desde

que cheguei aqui. Foi limpar a galinha, colher a batata-doce, descascá-la, pôr no fogo, controlar a lenha ...

Cigana nora – É verdade, isso é muito trabalho.

Cigano sogro – Não é menina, temos que pensar não só no quanto

ganhamos, mas no quanto deixamos de gastar. E pergunta: - Quanto se pagaria num restaurante por essa comida? E observe quantas pessoas que irão comer. Viu? 12 pessoas.

Senti nesse instante que o significado de trabalho para os ciganos divergia de meus conceitos. Para eles, o trabalho é apenas o formalizado, mesmo o grupo fazendo escolhas diferentes ao modelo que se espera do indivíduo na sociedade atual. Ferrari (2010) aborda esse assunto:

Nota-se que nesse caso o termo ―trabalhar‖ é menos polissêmico do que o uso corrente brasileiro ―trabalho‖ refere-se apenas a força de trabalho remunerada, sob a forma de ―emprego‖, isto é, submissão. ―Trabalho‖ nesse sentido restrito, se opõe ao rolo, à leitura da sorte, ao empréstimo de dinheiro e a qualquer outra forma calon de obtenção de renda (FERRARI, 2010, p. 56).

Na visita seguinte, problematizei a situação para avaliar o custo daquele jantar, caso tivéssemos gastado indo ao supermercado da região e comprado todos os itens. Fizemos uma visita ao supermercado de posse dos itens e procuramos saber o preço de cada um, comparando ao que realmente fora gasto. O detalhamento é descrito no quadro 2.

Quadro 2 – estimativa de custo de um jantar

Item Valor supermercado (R$) Valor gasto (R$)

500 g arroz 2,75 2,75 1 kg Fubá 3,20 3,20 3 kg de frango 26,94 -- Feijão (250 g) 1,25 -- Batata-doce (2 kg) 3,20 -- Quiabo (800 g) 1,85 -- Condimentos, temperos e folhas para salada

1,80 --

Total 40,99 5,95

Fonte: Tomada de preços em supermercado do bairro

À medida que íamos relacionando os itens, o grupo já procurava fazer uma estimativa dos gastos. A participação dos alunos ciganos pesquisados foi significativa quando fomos ao supermercado, coletamos os dados e depois retornarmos a barraca para fazer o registro e efetivar a comparação. Essa é uma

situação corriqueira e de fácil entendimento, inclusive no valor social, em que o alimento e a matemática se enlaçam.

Uma experiência interessante que pode ser explorada pelo espaço escolar em que serão otimizados conhecimentos relacionados à aplicabilidade do saber numérico, a estimativa, comparação, adições, subtrações, multiplicação, divisão, valores monetários, unidade de medida e ainda poderíamos destacar o valor do trabalho, que não fora descrito no quadro.

Vamos fazer uso das palavras de D‘Ambrosio para formalizar nossas reflexões:

Muitos talvez estranhem tanta ênfase que eu dou ao entendimento da alimentação e das questões agrícolas. Sem dúvida, a alimentação, nutrir-se para sobreviver, sempre foi, a necessidade primeira de todo ser vivo. Com o surgimento da agricultura, as primeiras necessidades organizadas começam a ser identificadas. A geo-metria e os calendários são exemplos de uma etnomatemática associada ao sistema de produção, resposta à necessidade primeira das sociedades organizadas de alimentar um povo. Conhecimentos e comportamentos são compartilhados e compatibilizados, possibilitando a continuidade dessas sociedades. Esses conhecimentos e comportamentos são registrados oral ou graficamente, e difundidos e passados de geração para geração. Nasce assim, a história de grupos, de famílias, de tribos, de comunidades, de nações. (D‘AMBROSIO, 2001, p. 21-22).

Nessa proposta, a aproximação com a realidade do aluno foi nítida destacando o valor cultural existente no grupo. No início do episódio, nas próprias reflexões do grupo, a relação de consumo voltava-se ao determinado socialmente e imposto pelo sistema capitalista: comida comprada, comida pronta em detrimento ao que fora cultivado e preparado. O sistema nos impõe a valorizar o industrializado e deixar de lado os valores humanos.

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