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2 PREÇOS DOS ATIVOS COMO CANAL DE TRANSMISSÃO DE

2.2 ESTRATÉGIA DE POLÍTICA MONETÁRIA E CARACTERÍSTICAS

A condução de política monetária em economias emergentes apresenta desafios diferentes daqueles enfrentados por economias industrializadas. A história da política monetária de muitos países emergentes é um tanto obscura, com episódios de extrema instabilidade monetária, oscilando com períodos de elevada inflação, fuga massiva de capitais e colapso em seus mercados financeiros. Todavia, nos anos recentes, muitos países emergentes conseguiram reduzir suas taxas de inflação de aproximadamente 400% para 10% (MISHKIN, 2007).

Nesse ambiente favorável para a condução da política monetária, torna-se importante a estratégia de longo prazo para a condução de política monetária. A questão é se os países emergentes possuem mecanismos e ferramentas institucionais que forcem eficazmente as autoridades monetárias a atuar de maneira discricionária. Mishkin (2007) destaca o regime de metas de inflação como uma das três estratégias de política monetária capaz de produzir uma âncora nominal que, com credibilidade, forçaria os bancos centrais a agir de forma discricionária no médio prazo. (As outras duas são a meta monetária e os hard pegs da taxa de câmbio.)

No regime de metas de inflação, o objetivo principal do banco central é a estabilidade de preços. A autoridade monetária anuncia publicamente uma meta de inflação e se compromete em atingi-la. Ao anunciar publicamente a meta, a autoridade espera que os agentes passem a basear suas expectativas de inflação na meta anunciada. Se isto ocorrer, e se a meta for atingida, teoricamente os preços nominais ficarão no nível de pleno emprego. A autoridade consegue atingir a meta de inflação com a menor perda de produção e emprego, i.e. com o menor custo de desinflação (VELOSO, 2006).

O regime de metas é atrativo porque permite certa discricionariedade e flexibilidade na escolha dos instrumentos de política monetária diante de choques e distúrbios. Como bem salienta o trabalho de Fraga, Goldfajn e Minella (2003), essa flexibilidade é ainda mais importante nos países emergentes, pois são mais sujeitos a choques. Contudo, se pressupormos que existe uma tendência inflacionária na política monetária, essa discricionariedade e, principalmente, a flexibilidade podem se tornar um problema caso a política monetária seja utilizada para estimular a economia, gerando a chamada inconsistência dinâmica descrita em Kydland e Prescott (1977).

Esta inconsistência decorre da incapacidade da autoridade monetária de se comprometer com uma política de inflação baixa e pode provocar um viés inflacionário na economia. Com baixas expectativas de inflação, a autoridade é tentada a aumentar o produto agregado, já que o custo marginal de mais inflação é pequeno. A autoridade fica propensa a adotar políticas monetárias expansionistas visando deixar o produto agregado corrente acima do potencial. Sabendo disso, os agentes mudam suas expectativas de baixa inflação e, com isso, a autoridade perde credibilidade. O resultado final é que nos regimes onde a autoridade monetária pode exercer total discricionaridade passa a existir um viés inflacionário.

A aplicabilidade do regime de metas de inflação em economias emergentes tem sido discutida na literatura recente (CALVO; REINHART, 2002 EICHENGREEN, 2002;

FRAGA; GOLDFAJN; MINELLA, 2003; MISKIN, 2007, são exemplos). Eichengreen

(2002) argumenta que, assim como nos países industrializados, o regime de metas de inflação surgiu como alternativa à âncora nominal da taxa de câmbio, pois permite, em teoria, tanto a substituição da âncora cambial pela âncora da meta de inflação com maior flexibilidade do câmbio. Como será discutido na Seção 2.3, a crise asiática e o contágio na América Latina e Leste Europeu convenceram muitos economistas de que a taxa de câmbio fixa é muito suscetível à crise e que os países emergentes deveriam procurar adotar uma maior flexibilização do câmbio. A crise da Turquia reforçou essa posição.

Entretanto, a opinião de que o regime de metas permite maior flexibilização do câmbio e maior eficácia no controle inflacionário, tanto em países emergentes como em industrializados, não é unanimidade na literatura. Em particular, é discutível se a combinação do regime de metas com o câmbio flexível é viável nos países emergentes (Calvo e Reinhart, 2002). Em momentos favoráveis, os países emergentes possuem acesso limitado ao mercado internacional de capital e, em momentos desfavoráveis, possuem nenhum acesso (sudden

stop), o que dificulta a estabilização do câmbio. Mesmo com um regime de metas, os países

emergentes teriam, então, “medo de deixar o câmbio flutuar” (fear of floating), pois uma elevada desvalorização da taxa de câmbio significaria uma forte recessão.

A aplicabilidade do regime de metas de inflação como estratégia de política monetária tornou-se popular em economias emergentes a partir do final da década de 90. Metade dos países aqui estudados adotaram o regime de metas de inflação no decorrer do período analisado. O Quadro 1 traz algumas informações.

Quadro 1

Regime de Metas de Inflação em Países Emergentes: Quadro Resumo

País Data da Introdução Amplitude da Meta Horizonte da Meta

África do Sul Fev. 2000 2003: 3 – 6%

2007: 4,5% multi-anual Brasil Jun. 1999 1999: 8% (±2%) 2007: 4,5% 1 ano Chile Fev. 1991 1991: 15 – 20% 2007: 3% 1991 – 2000: 1 ano 2001 para frente: indefinido Colômbia Set. 1999 1999: 15% 2007: 3,5 – 4,5% 1 ano

Coréia do Sul Jan. 1998

1998: 9% (±1%) 2007: 3%

Nenhuma (após 2000: variações causadas por motivo de força maior)

Israel Jan. 1992 1992: 14 – 15% 2007: 1 – 3% 1 ano México Jan. 1999 1999: 13% 2007: 3% 1999 – 2002: 1 ano 2002 para frente: indefinido Peru Jan. 1994 1994: 15 – 20% 2007: 2,5% 1 ano Polônia Out. 1998 1998: < 9,5% 2007: 2,5% 1998 – 2000: 1 ano 2000–2003: multi-anual 2003 para frente: indefinido

República Tcheca Jan.1998 1999: 5,5 – 6,5%

2007: 3% (±1%)

1 ano

Tailândia Abr. 2000 2000: 0 – 3,5%

2007: 1,8%

Indefinido

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de MISHKIN, 2007.

Obs.: Apesar de o Banco Central da África do Sul ter adotado o regime de metas de inflação em 2000, a meta foi definida somente para 2002/2003.

Na discussão tradicional em relação às estratégias de política monetária e, principalmente, à escolha de arranjos cambiais, o papel das instituições tem sido esquecido. Porém, as características institucionais podem predispor um país a um determinado arranjo cambial e, também, a escolha entre taxas fixas ou flutuantes pode favorecer o desenvolvimento de certas características institucionais (NUNES; MEURER, 2006).

Calvo e Mishkin (2003), por exemplo, acreditam que o sucesso macroeconômico em mercados emergentes não é determinado primeiramente pela escolha da taxa de câmbio, mas pela saúde das instituições macroeconômicas fundamentais. Há várias hipóteses sobre como as instituições podem tornar mais eficiente um determinado regime cambial. Os modelos tradicionais de escolha de regimes cambiais, principalmente para mercados emergentes, têm se tornado inócuos ao desconsiderarem as características institucionais dessas economias, como, por exemplo, fragilidade fiscal, financeira e das instituições monetárias, dolarização das dívidas e vulnerabilidade a cortes repentinos dos influxos de capital externo.

A fragilidade fiscal e financeira deixa a economia vulnerável a altas inflações e crises monetárias. Similarmente, regulação e supervisão de sistemas financeiros frágeis podem

resultar em grandes perdas nos balanços dos bancos, impossibilitando a elevação das taxas de juros por parte das autoridades monetárias para controlar a inflação e a taxa de câmbio, já que isto poderia levar sistema financeiro ao colapso. A fragilidade do sistema financeiro também pode criar instabilidade fiscal seguida de alta inflação e possível desvalorização da moeda, porque a necessidade de certa garantia financeira por parte de governo pode implicar em uma imensa e infundada responsabilidade para o mesmo (BURNSIDE; EICHENBAUM; REBELO, 2001). O mesmo pode ocorrer com instituições monetárias frágeis incompatíveis com o objetivo da estabilidade de preços ou com bancos centrais que, mesmo independentes, não possuem o suporte ou as ferramentas para manter a inflação sob controle e prevenir grandes desvalorizações da moeda. Assim, se o valor real da moeda não for confiável, o regime cambial adotado pouco influirá na resolução dos problemas das instituições domésticas. Este parece o caso de muitos dos países emergentes, principalmente os asiáticos.

Por esse motivo, ao se analisar a estabilidade financeira de uma economia é de suma importância focar a análise na identificação da sua estrutura financeira, i.e. determinar a se economia é baseada no funcionamento do mercado de capitais ou do sistema bancário. Ao se identificar a estrutura financeira, a economia pode ser monitorada com base em indicadores apropriados. Um exemplo seria um indicador retratando o tamanho relativo dos mercados financeiros que mostre o grau de capitalização das empresas via mercado de ações comparada ao volume de empréstimos bancários. Pode-se também recorrer a um índice de concentração para medir a força das atividades nos mercados financeiros, em termos da razão capital comercializado na forma de títulos/empréstimos bancários (SELODY; WILKINS, 2004).

Um sistema financeiro orientado pelos bancos pode ser caracterizado por variáveis financeiras quantitativas, como os agregados econômicos e os níveis de empréstimos bancários. Em um sistema apoiado no mercado de capitais, o indicador mais importante é o preço dos ativos (ações, fundos mútuos, imóveis e demais títulos).

Em economias com mercados de capitais pouco desenvolvidos, as finanças do país fluem através do setor bancário. A estabilidade financeira está estreitamente vinculada à estabilidade do setor bancário, onde os empréstimos representam o principal instrumento de alocação dos recursos financeiros.

Em sistemas bancários mais estáveis, há provisão de tipos selecionados de colateral que visam mitigar o risco de default nos empréstimos. Na provisão de empréstimos para imóveis (hipotecas), a função do colateral é desempenhada pelos real estate (em particular, apartamentos e casas). Se os preços destes ativos caírem, o valor do colateral também cairá,

reduzindo o potencial de crédito do setor bancário. Isto pode provocar um credit crunch, com impacto negativo na atividade econômica (GANTNEROVÁ, 2004).

Substancial evidência empírica mostra a importância das imperfeições do mercado de ações e da estrutura financeira do setor bancário para o financiamento do setor produtivo. Kashyap e Stein (1997), por exemplo, descrevem sumariamente a importância de ambos. Bancos confiam substancialmente na sua relação reservas/depósitos para promover suas operações de financiamento. Por este motivo, uma redução nas reservas provoca uma contração dos balanços dos bancos, reduzindo assim a oferta de empréstimos. Também há um significante número de empresas dependentes de empréstimos bancários de curto prazo que não podem ser substituídos por outras fontes de financiamento. (Ver também Kashyap, Stein e Wilcox, 1993).

Em uma economia com sistema financeiro livremente reagindo às forças de mercado, a política monetária pode ser transmitida através dos intermediários. Isto implica que a habilidade da política monetária de estabilização depende do ambiente regulatório imposto ao sistema financeiro. Segundo Cechetti e Krause (2001), quando as taxas cobradas pelos empréstimos não são determinadas pelo mercado, o impacto da política monetária é enfraquecido. As conseqüências de uma variação nas taxas de juros de curto prazo controlada pelo banco central apresentam impacto reduzido nos empréstimos dos bancos que operam em ambiente competitivo. Assim, se o comportamento dos bancos não for afetado pelas políticas do banco central, o canal do crédito torna-se inoperante na condução da política monetária, reduzindo o escopo dos objetivos das autoridades. Portanto, um sistema regulatório bem estruturado deve moldar o sistema de intermediação financeira de forma a garantir a eficácia na transmissão da política monetária.

Em economias com mercado de capitais bem desenvolvidos, uma importante conexão para identificar estabilidade financeira, ou o risco de possível instabilidade, é o monitoramento dos preços dos ativos. Em sistemas com essa característica, a provisão de crédito a empresas, famílias e governo e a função de colateral são feitas pela própria comercialização desses ativos (DETKEN; SMETS, 2004). Os mercados de capitais são mais eficazes se comparados às instituições bancárias na precificação dos ativos e na alocação de crédito (SELODY; WILKINS, 2004).

Parece haver uma propensão dos preços de imóveis a ciclos de boom e bust (Helbling, 2005). Em 70% dos casos analisados por Helbling em que ocorreram aumentos severos nos preços dos imóveis, estes caíram repentinamente nos dois anos seguintes. Como grande parte do crédito imobiliário é decorrente do setor bancário e este, por sua vez, é composto de

empresas de capital aberto com ações negociadas em bolsa, um problema naquele setor pode ocasionar uma reação em cadeia, com efeitos negativos na economia agregada. Por exemplo, um aperto na política monetária pode tornar muitos dos financiamentos imobiliários inviáveis no que se refere à capacidade dos devedores de honrar seus compromissos. Com isso, há um aumento na inadimplência que impacta negativamente os ativos bancários, dificultando a concessão de novos empréstimos e reduzindo o valor de suas ações no mercado de capitais. O resultado deste processo pode ser uma contração econômica.

O “estouro” das bolhas nos preços dos imóveis geralmente tem um impacto tão significativo na atividade econômica quanto o estouro nas bolhas dos preços dos títulos. São aqueles preços que engatilham elevados custos nos preços dos títulos, o que causa severos declínios no crescimento econômico real no período seguinte (DETKEN; SMETS, 2004).

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