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Lochner e Moretti (2004) apontam que a maior dificuldade de estimar o efeito da educação na atividade criminal é que características não-observadas que afetam a decisão de escolarização são susceptíveis de serem correlacionadas com variáveis não-observadas que, por sua vez, influ- enciam a participação no crime. Hjalmarsson e Lochner (2012) afirmam que estudos baseados em métodos padrões de regressão, como o MQO em uma cross-section, focados na correla- ção condicional em variáveis familiares e individuais não necessariamente obtêm estimativas que implicam um efeito da educação em reduzir o crime. Nesse sentido, para fazer a regressão ter sentido é necessário ir além da associação entre as variáveis dependente e a de interesse,

deve-se obter um parâmetro sem viés, consistente, que represente a causalidade. (ANGRIST; PISCHKE, 2008). Essa dificuldade na estimação de um parâmetro livre de viés é o problema da endogeneidade, que pode surgir por três motivos: viés de variável omitida; erro de medida, e; simultaneidade (ou causalidade reversa).

Na análise da relação entre educação e crime, e levando em consideração a utilização de dados agregados, o viés de variável omitida pode surgir tanto por fatores no nível do indivíduo como no da localidade. Primeiro, características individuais como a paciência, a habilidade e a aver- são ao risco podem influenciar a decisão por escolarização e por cometer crime. Um indivíduo que escolhe melhorar a educação formal e não se envolver no crime pode estar fazendo porque é mais paciente, habilidoso ou avesso ao risco. Em uma análise por regressão essas variáveis não são observadas. Como a escolha pela educação e pelo crime dependem desses fatores, a variável explicativa também se torna endógena. Mesmo controlando por variáveis observadas, as esti- mativas de regressão não iriam capturar um efeito livre das não-observadas (HJALMARSSON; LOCHNER, 2012).

Segundo, em análises no nível de municípios e estados as estimativas podem ser viesadas por variável omitida, em função das despesas governamentais em educação e segurança. Por exem- plo, governos podem gastar mais com educação e, como o orçamento é limitado, menos com segurança, consequentemente, uma correlação espúria pode ser capturada. Por fim, efeitos lo- cais podem afetar os custos e benefícios da educação e do crime - como as regiões de fronteira, que são polo de tráfico e outros crimes associados, e cidades que pagam um “prêmio” no retorno à educação, como os polos de tecnologia (HJALMARSSON; LOCHNER, 2012).

No que concerne ao problema de erro de medida, Kume (2004) , Hartung (2009) e Beato Filho (2012) chamam atenção para a existência de sub-notificação nas taxas de crime, inclusive na taxa de homicídio, como o viés provocado por erro no registro da localidade da ocorrência. Essa falha no registro gera erro de medida na variável dependente. Além disso, a variável de crime utilizada é uma medida da taxa de homicídio, logo, é uma função dos outros tipos de crimes contra a pessoa e a propriedade, e por isso carrega um erro de medida natural por essa razão. Mas o erro de medida só causa problemas de consistência e inferência se for correla- cionado com a variável explicativa. Essa pode ser a situação do problema em questão, pois é factível a existência de precariedade nos registros de homicídio em localidades de menor de- senvolvimento institucional e econômico, fatores correlacionados com o nível de educação da população.

Por fim, a causalidade reversa, ou a simultaneidade é outro problema na relação entre educa- ção e crime. A escolha por crime, seja porque o indivíduo é bom nisso ou vive em uma área com muitas oportunidades ilegais, faz com que provavelmente escolha abandonar a escola. Da mesma forma, um indivíduo que cumpre o período de reclusão criminal em idade jovem possui

uma alta probabilidade de não terminar os estudos. Em outras palavras, estatisticamente a me- dida de crime e educação do presente pode ser determinada pelo nível de crime do passado e assim sucessivamente. Esse ciclo é o que caracteriza a simultaneidade entre duas variáveis, que pode ser considerado um caso especial de variável (defasada) omitida.

Um método que permite minimizar a endogeneidade é o Efeito Fixo, quando fatores invariantes no tempo podem ser capturados pelo termo de heterogeneidade individual. Porém, quando exis- tem os problemas listados anteriormente, a condição de ortogonalidade 4.7 não se mantem. O termo de erro ˜umt é composto por características não observadas que variam no tempo ˜vmt, um termo de erro exógeno ˜εmt e um erro de medida na variável de homicídio ˜ri, consequentemente, a sua expressão é

˜

umt= ˜vmt+ ˜εmt+ ˜ri. (4.8)

O suposto de independência condicional – Conditional Independence Assumption (CIA) – diz que a variável explicativa de interesse não seria correlacionada após ser condicionada por outros fatores (ver Angrist e Pischke (2008) para esclarecimentos da CIA). Mas esse suposto não se manteria para a decisão por educação de um indivíduo, consequentemente também para uma medida de educação municipal, como a variável utilizada neste trabalho, quando existe endogeneidade. Formalmente

E( ˜Emtmt| ˜Xmt, αm) 6= 0 (4.9)

porque, entre outros fatores, poderia existir correlação da educação com variáveis omitidas, ou seja,

E( ˜Emtmt) 6= 0. (4.10)

Para controlar a endogeneidade e a heterogeneidade não observada a literatura indica o uso de Variável Instrumental (VI) e EF. A estratégia de identificação do parâmetro consiste em usar a transformação que elimina o efeito fixo não observado e depois instrumentalizar a variável endógena na equação transformada.

Intuitivamente, o uso de VI soluciona o problema de endogeneidade porque utiliza apenas parte da variação na variável Emt, especificamente a parte não correlacionada com a variável omitida ou com o termo de erro, para estimar a relação entre Emt e cmt. Um bom instrumento para o efeito da educação sobre o crime precisa prever mudanças no nível educacional do município,

mas não ser correlacionado com mudanças nas taxas de crime, após controlar por outros fa- tores relevantes (ANGRIST; PISCHKE, 2008). A literatura aponta instrumentos com origens diversas, como mudanças exógenas em políticas públicas, nas leis, nos custos, em variáveis demográficas e espaciais e no background familiar.

A VI proposta nesta avaliação é um medida do background familiar, a educação dos pais, que aqui será tratada como Zmt. Essa variável instrumental já foi utilizada na literatura de retornos econômicos da educação por Ashenfelter e Zimmerman (1997), Ichino e Winter-Ebmer (1999), Trostel, Walker e Woolley (2002) e Lemke e Rischall (2003). A educação dos pais pode ser um instrumento válido, uma vez que os recursos dos pais afetam as decisões escolares dos filhos, pois famílias com pais mais educados estabelecem estratégias próprias para as escolhas esco- lares dos filhos. O método utilizado para estimar regressões com a VI é o Mínimos Quadrados dois Estágios (MQ2E), por isso são duas equações que expressam essa relação:

˜

Emt = ˜Xmtγ + φ ˜Zmt+ ˜emt (4.11)

˜

cmt = ˜XmtΠ + δ ˜Emt+ ˜ηmt (4.12)

A educação parental explica variações na educação dos filhos, após controlar por outros recursos parentais e a situação da família. Esse é o argumento de Trostel, Walker e Woolley (2002) e Lemke e Rischall (2003). Ela também já foi utilizada como controle em regressões de crime contra a educação. A lógica é que esta variável carrega informações sobre os recursos parentais, fator determinante nas escolhas dos filhos. Mas alguns estudos, como Levitt e Lochner (2001) e Lochner e Moretti (2004), sugerem que o efeito não é significativo após controlar por outras variáveis de recursos parentais, como a renda dos pais, o status social, a empregabilidade e a força da instituição familiar.

O método de variável instrumental com dados de painel usado permite controlar por esses fato- res tanto pelo efeito fixo não observado como pelos controles utilizados, como variáveis proxy para o background familiar e para as condições econômicas do município. Isso indica que a educação dos pais pode cumprir com os critérios para um bom instrumento: as hipóteses de relevância

e exogeneidade

cov( ˜Zmtu˜mt) = 0. (4.14)

Deve existir apenas um canal por onde a variável instrumental afeta a variável dependente, ou seja, não deve existir outro canal que não seja a variável explicativa endógena. A existência de correlação entre o instrumento e uma variável presente no termo de erro, que por sua vez seja associada à variável de interesse, reduziria o poder da VI (ANGRIST; PISCHKE, 2008). Alguns poderiam afirmar a existência de uma possível correlação entre a educação dos pais e a aptidão e a habilidade dos jovens. Porém, busca-se diminuir essa correlação nas estimativas através do uso do efeito invariante no tempo. As distribuições da aptidão e da habilidade podem ser relativamente idênticas ao longo do tempo em uma população, com a média constante por exemplo, mesmo que essas variáveis alteram no nível individual.