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3. GÊNESE E EVOLUÇÃO DA CIDADE DE LOURENÇO MARQUES, ATUAL

3.1.1 Estratégias de gestão da cidade no período de transição

Este período como afirmei acima foi de uma considerável confusão devido ao colapso do Estado colonial e da sociedade colona, das incertezas políticas sobre o futuro, do êxodo dos colonos e capitais em larga escala e das maiores expectativas das mudanças dramáticas que ocorreram. Devido a opção ideológica da Frelimo “as cidades ocuparam uma importância estratégica, mas secundária comparativamente ao campo onde vivia a maioria da população; foram vistas como centros privilegiados que facilitaram a exploração da áreas rurais e como centro de serviços da economia colonial. A Frelimo, muito consciente da visão do padrão colonial de desenvolvimento urbano e da disjuntura172 entre a cidade de cimento e dos bairros de caniço criou os grupos dinamizadores como parte da estratégia política para resolver os problemas cada vez mais crescentes da cidade que estavam ligados a rápida migração rural-urbana, crescimento de desemprego, ocupação descontrolada de propriedades abandonadas, crise alimentar e aumento

171 ARAÚJO, Manuel. “Migrações internas e o processo de urbanização”. In: Direção Nacional de Estatística (org). Dinâmica Demográfica e Processos Econômicos e Sociais. Maputo, Comissão Nacional do plano, 1990, p. 80.

172 O padrão colonial do desenvolvimento da cidade de Lourenço Marques estava virado a servir os interesses capitalistas da metrópole, tal como acontecia em quase todas as cidades africanas.

da criminalidade”173.

As medidas de nacionalizações tomadas em 24 de Julho de 1976 constituíram a grande intervenção decisiva da Frelimo no sistema urbano. Todas as propriedades incluindo terra e bens arrendatários tornaram-se propriedade do Estado fazendo assim, do Estado o herdeiro da gestão e controle de significativa parte dos imóveis; esta era uma postura de crítica ao modelo capitalista que caracterizava as cidades e especialmente Maputo.

Criou-se também no âmbito da nova gestão urbana a APIE - a Administração do Parque Imobiliário do Estado para regulamentar sobre as atividades arrendatárias dos edifícios sob seu controle e reprimir os novos ocupantes de propriedades abandonadas que eram considerados perigosos devido aos seus hábitos rurais174. Neste momento a cidade estava atravessando uma crise alimentar e a demanda pelos produtos básicos era maior, havendo falta de serviços sociais básicos nas áreas fora da jurisdição da câmara municipal; houve declínio dos serviços sanitários nomeadamente a remoção de lixo, manutenção das drenagens, e em geral um declínio dos serviços sanitários175. No mesmo ano de 1976 em que se transfere administração dos imóveis para o Estado, o desemprego tornava-se um grande problema devido ao colapso da economia urbana; as indústrias manufactureiras, serviços, hotéis, lojas, escritórios, restaurantes e empregadores domésticos desapareceram virtualmente com o êxodo dos colonos e abandono dos empresários176.

Em 1978, depois da realização do 3º Congresso da Frelimo, as câmaras municipais e cortes locais foram abolidas e substituídas pelos conselhos executivos. O conselho executivo devia responsabilizar-se pela população inteira e pelo território da cidade e também pelos arranjos econômico, social e cultural da mesma. As novas autoridades esperavam que o Conselho Executivo não realizasse apenas serviços urbanos, mas também dirigir a agricultura, produção industrial, comércio, distribuição de alimentos, rede escolar, centros de saúde e outras atividades do Estado177.

“Foi traçada uma nova estrutura administrativa da cidade em que o nível mais baixo de organização era

173 GREST, Jeremy. Gestão urbana, reformas de governo local e processo de democratização em Moçambique: cidade de Maputo, 1975-1990. Maputo: Arquivo Histórico de Moçambique, 1995, p. 152.

174 Idem, Ibidem.

175 Idem, ibidem.

176 Ibidem, p. 153.

177 Ibidem, p. 156.

o quarteirão composto geralmente por 50 a 100 casas e as tarefas desta eram similares às dos grupos dinamizadores mas organizados a um nível baixo; este devia velar pela vigilância popular, atividades na área da saúde, higiene, ambiente, casas, trabalho social, educação e propaganda, cultura, desporto, recreação e enumeração estatística dos residentes; eram ainda responsáveis pela mobilização das 10 casas que eram o pequeníssimo nível da organização nas áreas urbanas”178.

Em 1979 foi realizado o 1º Encontro de Cidades e Bairros Comunais com o objetivo de analisar a política, economia, finanças e situação social das grandes áreas urbanas em Moçambique e propor-se soluções para os problemas enfrentados:

“Concluiu-se que as cidades eram lugares de luta de classes intensas entre as forças da população lideradas pela Frelimo e um seguimento de forças inimigas reacionárias incluindo infiltrados e indivíduos comprometidos com o colonialismo; e constatou-se que o objetivo do inimigo era de desestabilizar a economia moçambicana e a ordem interna, criando descontentamento popular e minando a confiança que as massas populares tinham no Partido de vanguarda”179.

Houve um movimento massivo grande e descontrolado da população rural para as cidades que trouxe problemas aos já limitados recursos e para o combate desta situação foi introduzido um sistema de controle do movimento das pessoas que incluía o cartão de residência, guia de marcha para regulamentar as viagens entre províncias. O controle era também visto como um método de atacar a partir da base muitos dos problemas sociais associados a marginalidade, banditismo, prostituição que estavam sendo identificados nas áreas urbanas; foram também criados bairros comunais em larga escala, prescritos projetos agrícolas como um método de melhorar a vida do campo, mantendo as pessoas na terra e longe das

178 Ibidem, p. 158.

179 Ibidem, p. 154.

cidades180.

“Uma ênfase na participação organizada dos cidadãos como forma de ultrapassar os problemas que afetavam as cidades foi também dada; os cidadãos deviam ser organizados localmente em Grupos Dinamizadores que constituíam o elo de ligação entre o Partido e Estado; as organizações democráticas de massa, a OMM e OJM e conselhos de produção foram estruturadas para seguirem as decisões do Partido e operarem sob o princípio do centralismo democrático.

Foi também apelada a assembléia da cidade para um plano de criação dos bairros comunais com uma demarcação clara das funções e alocações das tarefas”181.

Apesar da Frelimo ter estas pretensões de transformar e reestruturar as cidades, as modificações que ocorreram foram muito limitadas. Grest refere ainda que

“Em 1980 à cidade foi atribuída o estatuto de província levando a algumas confusões administrativas. O presidente do conselho executivo tinha o mesmo estatuto que o governador provincial na hierarquia da administração estatal e as linhas de responsabilidades entre os níveis central e local na altura tornaram-se confusas e como se não bastasse as zonas do privilégio colonial dentro da cidade não foram substancialmente modificadas depois da independência; as áreas formalmente ocupadas pela burguesia colonial foram tomadas pelos novos detentores do poder político e econômico nomeadamente os políticos, embaixadores, médicos, empresários, cooperantes, e substituindo o sistema de estratificação de base por um outro baseado na

180 Ibidem, p. 153, 154.

181 Ibidem, p. 154.

proximidade e influência ao poder e freguesia controlados pelo Partido” (Ibidem, p. 155 ).

“Devido a desagregação social e desorganização trazida pelas múltiplas crises tornou-se efetivamente difícil a mobilização da população, o governo perdeu muita simpatia devido a forma como implementou a

“Operação Produção” que consistiu no recrutamento forçado de indivíduos desempregados e outros considerados “anti-sociais” dos centros urbanos para o campo engajados em projetos agrícolas; um certo cinismo sobre o trabalho voluntário e a mobilização, tomou raízes nos anos 80” (Ibidem, p. 158 ).

O Partido começou a perder a sua habilidade de exercer o controle da população urbana e de outro lado a falta de autonomia do conselho executivo teve efeitos profundos na administração local o que significava que politicamente a gestão urbana devia se subordinar a Frelimo182.

Quando o Conselho Executivo foi criado todas as taxas locais que tinham sido meios de rendimento para a câmara municipal deixaram de ser coletadas e tornou-se totalmente dependente da transferência financeira central:

“Atividades locais que geravam recursos, tal como o fornecimento de água e eletricidade foram retirados sob seu controle e estabelecidos como empresas autônomas; sucederam-se profundas crises na cidade e aos seus residentes que foi marcado pelo colapso do sistema de gestão urbana e da satisfação das necessidades básicas que baixou; surgia o mercado burguês paralelo e ocorreu uma rápida degradação do ambiente urbano ocasionado pelo fluxo de refugiados de guerra provenientes do campo”183.

182 Ibidem.

183 Ibidem, p. 159.