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CAPÍTULO V: A (IM) POLIDEZ E ALGUNS DESDOBRAMENTOS:

5.4 ESTRATÉGIAS DE POLIDEZ DE BRAZUCAS IN E BRAZUCAS OUT

Preciso, inicialmente, explicar o título desta seção. Chamo de brazucas in os brasileiros que colaboraram com a minha investigação, inseridos não somente geograficamente na região de Boston, mas também nela envolvidos culturalmente. Para tanto, levei em consideração o domínio da língua inglesa, se trabalhavam com/para americanos, a participação em eventos culturais típicos daquele país, como jogos de baseball, futebol americano, shows e outros modos de entretenimento característicos de americanos. Por sua vez, brazucas out eram os brasileiros vistos pela ótica dos brazucas in, ou aqueles recém-chegados aos Estados Unidos. Posto isso, resta saber o que as especificidades de cada grupo têm a ver com as estratégias de polidez no contexto investigado.

O primeiro grupo é o elemento central do meu trabalho. Já o segundo será analisado aqui em referência às impressões do grupo investigado, como forma de compreender melhor o seu ponto de vista, sendo essa a forma que encontrei para responder a uma das questões levantadas inicialmente, visto que não é minha proposta averiguar as estratégias de polidez de brasileiros fora do contexto escolhido.

Ao longo das entrevistas e também da observação participante, foi sem dificuldades que percebi algumas formulações não comuns no nosso dia a dia, pois ao ouvi-las logo senti certa estranheza. Conversando com alguns membros da comunidade de Boston, pude entender melhor do que se tratava. Além de formulações frasais atípicas no português brasileiro, outros modos não verbais, não muito próprios de brasileiros, também foram notados. A seguir, apresento algumas dessas formulações provenientes das entrevistas e de conversas informais observadas ao longo do trabalho de campo.

a) Posso eu ajudar você?

b) Você gostaria de uma xícara de café? c) Bom dia todo mundo!

d) Poderia você abrir a porta, por favor?

Não há dúvida quanto à polidez linguística nas frases anteriores. Foram todas, além de outras, usadas por membros da comunidade de Boston direcionadas a mim, ou a um grupo de pessoas do qual eu fazia parte. O que chamou a atenção, a ponto de

causar estranheza, foi a estrutura usada para a construção das frases. Se traduzirmos as frases anteriores, palavra por palavra, veremos que houve um processo de troca entre a estrutura do português para a estrutura do inglês.

a) Posso eu ajudar você? Can I help you?

b) Você gostaria de uma xícara de café? Would you like a cup of coffee? c) Bom dia todo mundo! Good morning, everyone!

d) Poderia você abrir a porta, por favor? Would you open the door, please?

Interessante também observar que as frases foram todas proferidas por membros da comunidade de Boston e migrantes de primeira geração, ou seja, tratava-se de pessoas que tinham o inglês como segundo idioma. É preciso ressaltar isso porque poderia afirmar-se que o processo descrito é compreensível no aprendizado de uma nova língua, e se trata de transferência negativa, o que pode levar a fossilização69. No entanto, o que percebi foi um processo inverso, não de transferência da língua materna, mas de transferência da segunda língua na língua materna.

Acredito que o constante esforço para o aprendizado da língua inglesa e a atenção para assimilar os modos linguísticos de polidez é o que leva ao processo inverso de fossilização nas ocorrências acima. Podemos também atribuir esse esforço de integração linguística, conforme as entrevistas dos colaboradores, ao fato de sempre ressaltarem na importância da assimilação integral da cultura americana para o bem das futuras gerações.

Nenhuma das máximas de polidez é quebrada nas frases apresentadas. A partir de uma visão sociopragmática, há bastante coerência com a forma de posicionar os elementos sintáticos de acordo com a gramática inglesa, pois se trata de condições específicas de uso da língua. Ademais, essa observação corrobora para o que venho afirmando sobre o deslocamento do brazuca no processo de ressignificação identitária. Ao articular frases em português mais próximas da estrutura da língua inglesa, os colaboradores da minha pesquisa criam mais formas de pertencimento ao meio em que vivem. Integrar-se à cultura americana é uma das preocupações dos colaboradores, o que pode ser comprovado nas entrevistas, conforme disposto em excertos a seguir:

QUADRO 8 – INTEGRAÇAO AO MEIO

Não se pode viver aqui como se vive no Brasil. Algumas pessoas

insistem↑ nisso, mas é muita grosseria com as pessoas desse país↓. Chloe dos Santos Eu acho que é preciso mudar hábitos aqui. Não dá para negar as

diferenças das coisas aqui. Eu creio que é preciso mudar, entende? Kimberly Oliveira Não sei se vou explicar isso direito (...) mas tem gente que não aceita

mudar de comportamento aqui. Querem tudo do jeito que é no Brasil: comida, roupa, churrasco, festa com barulho ((-)). Assim não dá↑, eu acho. É preciso mudança, já que aqui é diferente.

Jennifer Pereira

Ao adaptar com o tempo as coisas daqui a gente demonstra que somos pessoas que gostam daqui, que respeita as leis e que querem ajudar a construir esse país. ((+))

Ryan Lima

A adaptação linguística, tanto do aprendizado da língua inglesa quanto das normas pragmáticas, ao que pude perceber durante o período de trabalho de campo, pode levar certo tempo para algumas pessoas. Já a integração exigida por alguns, conforme o grupo do aplicativo whatsapp, e também apresentada no quadro 8 por alguns colaboradores nas entrevistas, pode acontecer de outra maneira, como de forma simbólica, na transferência estrutural dos acontecimentos frasais nas ocorrências a, b, c e d.

Posso afirmar, também, que outros gestos não verbais, como segurar a porta de uma loja para a pessoa que vem atrás passar, ou o uso da bandeira americana em casas e carros de brasileiros da comunidade de Boston, por exemplo, são gestos que simbolizam a integração aos costumes da comunidade americana, que denota aproximação com a cultura local. Se o descumprimento dessas regras é percebido como ato de impolidez, o cumprimento, por sua vez, é tratado como bom modo de absorção e adaptação com o meio cultural local.

Os enunciados do quadro 8 também corroboram para as noções de pertencimento e identidade discutidas por Bauman (2005), quando ressalta que não há garantia vitalícia para isso. Pertencimento e identidade, conforme Bauman (ibid. p. 17), são bastante negociáveis e revogáveis [...]. Os comentários dos colaboradores Ryan

Lima e Chloe dos Santos, por exemplo, sugerem a preocupação com o olhar do outro

[americano]. Nos trechos: [...] é muita grosseria com as pessoas desse país; daqui a gente demonstra que somos pessoas que gostam daqui [...], as partes destacadas fazem alusão a certa preocupação de alguns membros da comunidade com um compromisso simbólico de unificação cultural.

O colaborador John, em entrevista, ressalta que já não se via mais como o brasileiro de antes, sem nenhuma vontade de voltar ao Brasil porque já não se “encaixava” na cultura brasileira; em outro momento, esse mesmo colaborador se disse bastante perdido em relação aos costumes e à cultura americana. A identidade, como afirma Bauman (ibid.), é algo a ser perseguido, inventado. A sensação (falsa) de que a identidade e o pertencimento sejam algo acabado é que pode causar certa angústia com o deslocamento.

As alegações, principalmente no grupo do aplicativo whatsapp pesquisado, de que com o deslocamento geográfico os brasileiros precisavam “deixar no Brasil” certos costumes (todos tidos como negativos), e recomeçar algo novo a partir de algumas ideias “sugeridas” pela comunidade, a meu ver, é o ponto em que se sugere (por alguns da comunidade), entre outras mudanças, diferentes estratégias de polidez.

No quadro 8, Kimberly Oliveira e Jennifer Pereira falam da necessidade de mudança. Ouvi sobre essa necessidade ao longo das entrevistas, nas discussões do grupo de whatsapp e também na observação participante ao longo do trabalho de campo. No cerne da discussão, o brasileiro (no Brasil) é visto pelos brazucas como incivilizado, de maneira ainda impolida. O quadro 8 sugere essa incivilidade, ou, como afirma Chloe dos Santos, grosseria. Ao que implica, para os brazucas envolvidos em minha pesquisa, a identidade de projeto, tal como proposta por Castells (1999), utiliza- se do material cultural encontrado no “novo lar”. A partir da busca dessa nova identidade (identidade de projeto), os atores sociais buscam transformar toda a estrutura social a sua volta, tal como mostrado nos dados aqui analisados.

Também a partir dos dados analisados, o posicionamento de Arndt & Janney (1993), ao qual me afilio, ganha força na argumentação de que uma investigação sobre (im) polidez deve ser compreendida a partir da identidade cultural dos envolvidos, em suas diversas manifestações linguísticas, diferentemente da proposta de universais de

polidez, de Brown & Levinson (1987 [1978]). Tanto a compreensão do processo de identidade, ou de ressignificação identitária, como proponho, quanto a investigação sobre (im) polidez, seria algo muito difícil de compreender se não houvesse um olhar para a estrutura social pesquisada.

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