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3. AS MUITAS VOZES NA OBRA DE YOKO TAWADA: CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS E

3.5 A VOZ DA TRADUÇÃO

3.5.1 Estratégias de tradução

Há diversas abordagens em relação a estratégias para a tradução de referências intertextuais, uma vez que estas podem ser consideradas sob diferentes perspectivas. Neste trabalho, baseio-me em algumas das estratégias propostas por Ritva Leppihalme (1997, 2007) - teórica finlandesa e professora associada na Universidade de Helsinki na Finlândia, com diversas obras na área da tradução, como o livro Culture Bumps – que aborda especificamente a tradução de alusões.

Embora salientando a impossibilidade de comunicar o sentido total do texto de partida na tradução, Leppihalme ressalta que a alusão pressupõe uma participação ativa do leitor, já que funciona como uma pista para a construção de sentido (LEPPIHALME, 2007). As estratégias propostas por ela são:

▪ Tradução Standard

Uma das estratégias para a tradução intertextual é verificar se o texto referido já foi traduzido para a língua de chegada e, então, tomá-lo emprestado ou usá-lo como base para uma nova tradução. Segundo Leppihalme (1997), essa estratégia é normalmente considerada como a estratégia padrão, standard, e é frequentemente encontrada em traduções de alusões a títulos e a fragmentos de texto retirados de importantes obras literárias. Assim, ao basear a tradução intertextual em uma tradução standard, o tradutor se utiliza de textos com uma probabilidade maior de serem reconhecidos pelo leitor.

Ainda que a tradução das obras de Yoko Tawada para o português esteja apenas se iniciando, as relações intertextuais que ela concretiza referem-se normalmente a personalidades há muito conhecidas, traduzidas e lidas na língua portuguesa: Barthes, Freud, Derrida, Benjamin. Dessa forma, são vastas as referências que se pode utilizar no processo da tradução intertextual.

▪ Tradução literal

A tradução literal, para Leppihalme (1997), baseia-se no princípio da alteração mínima.

Ela observa que essa estratégia parece ser a mais popular, a que exige o menor esforço e, portanto, é a mais econômica, em termos de tempo dedicado ao processo de tradução. No entanto, trata-se de uma estratégia que, muitas vezes, provoca o apagamento da referência

intertextual, privando o leitor de fazer sua leitura, a menos que este conheça a língua e a cultura do texto de partida e consiga perceber78 a alusão através do exercício da retrotradução.

Além disso, Leppihalme (1997) aponta que, embora a tradução literal possa aproximar- se da tradução standard, isso nem sempre ocorre. Para a expressão A man’s house is his castle, a tradução literal – ou seja, aquela na qual as modificações são mínimas, de acordo com Leppihalme – seria: “a casa de um homem é seu castelo”. No entanto, a tradução standard dessa máxima para o finlandês é kotini on linnani, que pode ser traduzida para o português como “minha casa é meu castelo”.

▪ Inserção de alusões adicionais

O tradutor avalia a necessidade de adicionar, ao texto de chegada, informações que o autor não considerou necessárias no texto de partida. Essa estratégia não reproduz a alusão integralmente, mas coloca-a em evidência. Dessa forma, o leitor é levado a um pequeno tropeço: a linearidade e a fluidez são interrompidas, provocando-o a refletir mais sobre uma determinada passagem do texto. Se o leitor se deixa provocar ou não vai depender do seu grau de envolvimento com a leitura, da sua bagagem intertextual, da sua curiosidade. Yoko Tawada considera que tropeçar é “uma das atividades mais importantes realizadas pelo leitor” (TAWADA apud BERNOFSKY, 2010, p. 453).79

▪ Indicações explícitas

Trata-se da utilização de elementos, como notas de rodapé, prefácios, posfácios e outras explicações explícitas não inseridas no corpo do texto, mas apresentadas como informação adicional. Embora seja uma estratégia amplamente utilizada – e muitas vezes necessária – ela pode comprometer, como observa Hutcheon (2003), a satisfação proporcionada pelo momento da descoberta, o prazer que o reconhecimento da alusão provoca no leitor.

78 Linda Hutcheon (2003), ao discorrer sobre a alusão irônica, comenta que perceber pode não configurar o verbo

mais adequado, uma vez que se trata de um processo que se realiza através de uma atitude intencional de atribuir, de interpretar, em suma, de inferir um determinado sentido àquilo que foi aludido.

▪ Utilização de marcadores

Essa estratégia está relacionada à adição de elementos intratextuais para sinalizar a alusão: palavras ou frases sublinhadas, por exemplo, que direcionam a atenção do leitor e indicam a presença da alusão.

▪ Substituição da alusão

O tradutor pode optar por substuir a referência intertextual do texto de partida por outra que considere mais adequada ao contexto da tradução. No entanto, é preciso cuidado ao procurar por uma referência intertextual no texto de chegada para substituir aquela do texto de partida, pois, como aponta Leppihalme (1997), deve-se ter em mente o sentido da referência intertextual quando se procura por uma correspondência dentro do contexto do texto traduzido.

▪ Recriação, a partir de uma combinação de estratégias

Consiste na construção criativa de uma passagem, através da utilização de uma ou mais estratégias. A recriação é comumente utilizada na tradução de jogos de palavras, permitindo liberdade criativa ao tradutor. Assim, mesmo que a alusão não seja totalmente recuperada, o tradutor pode, com sua experiência e sua capacidade criativa, brincar com as palavras e possibilitar, no texto traduzido, outras alusões ou outras formas de alcançar a alusão proposta no texto de partida.

Leppilhame (1997) ressalta que a recriação não se deixa definir claramente como outras estratégias. A recriação

permite ao tradutor ser criativo, libertando-o das limitações do texto de partida. Além disso, enfatiza a importância de considerar as necessidades do leitor do texto de chegada. Qualquer estratégia que leve a transcender uma barreira cultural é, de certa forma, uma recriação. Não há como estabelecer regras ou orientações para alcançá- la, e talvez a melhor forma de pensar a recriação seja considerando-a uma fusão de estratégias, realizada dentro de um dado contexto (LEPPIHALME, 1997, p. 100).80

80 Do inglês: “it empowers the translator to be creative, freeing him/her from the limitations of the ST, and

emphasises the necessity of considering the TT reader’s needs. Any strategy which leads to the crossing of a cultural barrier is, in a sense, re-creation. No rules or guidelines on how to achieve this can be given, and re- creation can perhaps best be thought of as a fusion of strategies which is realised in context.”

▪ Omissão da intertextualidade

A omissão da intertextualidade, por vezes, não representa uma escolha, mas o não reconhecimento da referência intertextual por parte do tradutor, o que é bastante natural, uma vez que nem todas as pessoas possuem a mesma “bagagem intertextual” (FEDERICI, 2007). Contudo, como observa Leppihalme (1997), optar conscientemente pela omissão pode ser uma escolha feita pelo tradutor, por exemplo, quando se trata de jogos de palavras ou de referências que o tradutor julga desconhecidas para o leitor do texto traduzido.

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